Migalhas de Peso

Tributação de medicamentos precisa reencontrar o caminho da racionalidade

Sendo o PMC um mero balizador para o teto de preços de medicamentos, o resultado é simples: medicamentos têm o ICMS cobrado não pelo preço médio de venda, mas por um valor de referência muito mais alto, não praticado pelas farmácias.

8/11/2016

Distribuidores de medicamentos no Rio Grande do Sul têm enfrentado uma situação que beira o surrealismo e desafia a própria lógica. Com a substituição tributária incidindo, no estado sulista, a partir da operação do distribuidor dos medicamentos em diante, até a operação a ser realizada pela farmácia, o fisco gaúcho passou a entender que, para determinação da base de cálculo da substituição tributária deve ser usado um valor conhecido como Preço Máximo ao Consumidor (PMC) na cobrança do ICMS.

Sendo o PMC um mero balizador para o teto de preços de medicamentos, que não reflete a média dos preços praticados pelo varejo, por ser muito superior, e cujo único objetivo é evitar cobranças abusivas ao consumidor, o resultado é simples: medicamentos têm o ICMS cobrado não pelo preço médio de venda, mas por um valor de referência muito mais alto, não praticado pelas farmácias.

A consequência desse entendimento equivocado e desastroso é, de modo evidente, onerar quem cobra mais barato pelo produto e jogar a conta de tamanha distorção no colo do consumidor, quem, ironicamente, devia ser protegido pela lógica de obrigar o setor a estabelecer um índice de preço máximo.

Utilizar um preço de regulação de mercado, como é o PMC, para cobrar um imposto provoca uma terrível instabilidade no setor de medicamentos, prejudica a população de modo geral e nos afasta de modo trágico de um ideal de Justiça fiscal. Repetem-se, no Rio Grande do Sul, os exemplos absurdos de casos em que a tributação de determinados remédios supera em 40% o valor do próprio produto.

A própria Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) não recomenda a utilização do valor do PMC para fins de determinação de base de cálculo do ICMS-ST nas operações com medicamentos, tendo em vista que o valor do PMC é um instrumento criado exclusivamente para fins de regulação do mercado, e, por ser um balizador de teto, não reflete a média dos preços praticados pelo varejo, conforme afirmou Leandro Safatle, Secretário Executivo da CMED, durante o 2o Fórum Adimers Mercado e Regulação de Preços de Medicamentos, ocorrido no fim de outubro em Porto Alegre.

A propósito, o TJ/RS decidiu que a cobrança com base em um valor de referência, não cobrado do consumidor pelas farmácias, é abusiva, assentando o entendimento de que o ICMS deve ser calculado com base no valor da operação e, no caso da substituição tributária, levando em conta a média dos preços praticados no mercado. Contudo, a Estado gaúcho interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ/RS, que está para ser julgado pela 2ª turma do STJ.

No caso do mercado de medicamentos, um setor altamente regulado, que já tem que lidar com o excesso de normas e uma impiedosa e irracional burocracia, o dano não é só para as distribuidoras, mas para o consumidor, que vê prejudicado o seu direito de adquirir remédios por preços competitivos e, portanto, acessíveis. Tal distorção agrava até mesmo o fenômeno da judicialização da Justiça, ao sobrecarregar o próprio Estado, na consequente procura dos cidadãos pelo custeio de medicamentos que estes não podem pagar.

É inegável a necessidade do controle de mercado pelas autoridades públicas e, de tal modo, a regulação por meio de um sistema de acompanhamento de preços, sobretudo no caso de um produto tão importante quanto medicamento. O que não pode ser feito é, sob esse pretexto, o Estado impor prejuízos insidiosos à cadeia produtiva e aos consumidores.

Como pode haver Justiça tributária se quem vende o produto mais barato acaba onerado por ter, paradoxalmente, que suportar uma carga tributária maior, dissociada da realidade?
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*Ricardo Bernardes Machado é diretor da Associação dos Distribuidores de Medicamentos do Estado do Rio Grande do Sul (Adimers).



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