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Considerações processuais sobre os acordos previstos no projeto de lei 882/19 (projeto “anticrime”)

O projeto de lei sob análise foi apresentado pelo atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, integrando uma aguardada iniciativa na área de segurança pública, logo no início de sua nova carreira política, almejando, segundo consta na exposição de motivos e no artigo primeiro, o combate ao crime organizado, à corrupção e aos delitos praticados com violência e grave ameaça às pessoas.

10/5/2019

1- Introdução

O projeto de lei sob análise foi apresentado pelo atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, integrando uma aguardada iniciativa na área de segurança pública, logo no início de sua nova carreira política, almejando, segundo consta na exposição de motivos e no artigo primeiro, o combate ao crime organizado, à corrupção e aos delitos praticados com violência e grave ameaça às pessoas.

Nossos objetos de análise serão apenas os acordos previstos no projeto de lei 882/19, em tramitação na Câmara de Deputados, na esfera processual penal.

De início, calha dizer que nos surpreendemos negativamente com a baixa qualidade técnica do projeto. Não é algo no nível que se pode esperar de um ex-professor doutor de direito processual penal, da Universidade Federal do Paraná, que ainda teve a experiência de ser juiz federal criminal por vários anos.

De fato, ficamos perplexos com alguns equívocos basilares quanto a conceitos do direito processual penal, constantes no projeto, e, por isso, desde já, pedimos vênia ao leitor para adotarmos um certo tom didático e mesmo de primeiras linhas da disciplina processual.

2-  Acordos processuais previstos no projeto de lei 882/19

O projeto intenciona introduzir no Código de Processo Penal os artigos 28-A, que regulará o chamado acordo de não persecução penal, e 395-A, que passará a reger o acordo denominado, no projeto, como acordo penal.

Sem dúvida, tais acordos podem ser considerados negócios jurídicos processuais, na forma conceituada por Hélio Tornaghi1, já que os efeitos jurídicos de tais atos dependem da manifestação de vontade das partes.

De início, podemos dizer que as denominações escolhidas estão condizentes com o precário nível técnico apresentado em praticamente todo o projeto.

O primeiro negócio processual é chamado de “acordo de não persecução penal”. A persecução penal é a atividade estatal que busca elucidar a existência e a autoria de uma infração penal, dividindo-se em duas fases: uma administrativa, feita pela polícia investigativa, e outra processual, desenvolvida perante o Poder Judiciário, num processo acusatório. Dessa forma, a persecução penal, quando da realização do acordo projetado no novel art. 28-A, já se iniciou (a primeira fase até findou), eis que o Ministério Público só fará tratativas com seu parceiro no negócio, o eventual criminoso, após receber os autos do inquérito policial ou peças de informações.

Daí decorre com clareza que o acordo não se pode denominar como de “não persecução penal”, pois já iniciada. Inclusive, caso efetivado o acordo, a persecução penal será ultimada com êxito, aplicando-se uma sanção penal.

O segundo negócio processual é definido como acordo penal, no art. 395-A, elaborado após o recebimento da denúncia, com o fim de aplicação imediata de sanção penal. “Acordo penal” não é a melhor definição para tal negócio jurídico processual, pois o negócio anterior à denúncia também é penal. Ambos acordos fazem incidir comandos legais penais, não sendo correto se definir o gênero pela espécie. Uma sugestão para uma nomenclatura mais técnica de tais acordos seria defini-los como acordos penais, este o gênero, que comporta duas espécies, sendo uma anterior à denúncia e outra posterior ao seu recebimento.

2.1- Fundamentos da negociação processual

Tais acordos penais partem de duas premissas, que nos parecem falsas: que as partes estão em posição de igualdade e podem dispor de sua vontade livremente e que a aceleração processual é objetivo a ser alcançado a qualquer custo.

De fato, salta aos olhos que o objetivo mais claro de tais acordos é a aceleração da prestação jurisdicional, abreviando ou excluindo qualquer procedimento que estipule prazos ou que garanta oportunidades do investigado ou acusado de resistir à pretensão punitiva.

Embora seja correto o ideal de uma resposta jurisdicional em tempo razoável, ademais uma garantia constitucional (art.5º, inc. LXXVIII, CF), a supressão de oportunidades de defesa, afetando outra garantia individual, o devido processo legal (que inclui o contraditório e a ampla defesa, art. 5º, inc. LIV, CF), produz julgamentos sumários que, inevitavelmente, perdem qualidade e legitimidade, condenando inocentes e absolvendo culpados em taxas mais altas que o aceitável socialmente.

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1 TORNAGHI, Hélio. Compêndio de Processo Penal, Tomo II, Rio de Janeiro, José Konfino – Editor, 1967, p. 582.

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*Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim é professor de direito processual penal (ASCES e ESMAPE) e membro da Associação Juízes pela Democracia.

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