Migalhas de Peso

Empresa não pode ser responsabilizada por furto ocorrido em seu estacionamento fora do horário de funcionamento das atividades comerciais

A responsabilidade objetiva da empresa em razão de furtos ocorridos em seu estacionamento apenas e tão somente incide se o evento ocorreu durante o período de funcionamento do estabelecimento comercial.

7/8/2019

Casos de furto em estabelecimentos comerciais são bastante corriqueiros. Não à toa, o STJ, há mais de 20 anos, editou a súmula 130 – cotidianamente aplicada na resolução de demandas envolvendo situações dessa espécie. Referida súmula dispõe – de modo muito claro – que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.

Esse entendimento, todavia, não é – e nem pode ser – de aplicação geral e irrestrita, de modo a não considerar o contexto fático em que ocorreu o furto. Isso porque, há casos – tal qual o que será trazido nesta oportunidade – em que as circunstâncias fáticas devem afastar a responsabilização da empresa.

Em Curitiba, com fundamento na súmula 130 do STJ e no enunciado 12.5 das turmas recursais do Paraná, que possui previsão no mesmo sentido que a citada súmula, um aluno ingressou com ação de indenização por danos materiais e morais contra uma Instituição de Ensino alegando que sua motocicleta havia sido furtada no estacionamento da Universidade.

Prima facie,é fácil concluir que a situação narrada parece atrair a aplicação tanto da súmula 130 do STJ quanto do enunciado 12.5 das Turmas Recursais do Paraná. Ocorre que ao verticalizar no exame dos fatos, verificou-se que o furto se deu fora do período de aulas, ou seja, quando a Instituição de Ensino não estava em funcionamento. No caso, o aluno, sem prova de qualquer motivo relevante, estacionou o veículo em uma sexta-feira à noite e apenas foi apanhá-lo na segunda-feira pela manhã; isto é, deixou o veículo estacionado no campus da Universidade durante um final de semana inteiro.

Em sua defesa, a Instituição de Ensino sustentou que, nos casos de furto ocorrido no estacionamento de empresa, a responsabilidade objetiva somente poderia incidir se o evento ocorresse no período de atividade do estabelecimento, quando o aluno encontrava-se usufruindo dos serviços oferecidos. Além disso, sustentou que (i) como não houve prova de que houvesse uma razão justificável para que a motocicleta tivesse que permanecer no campus; (ii) bem como que o aluno tinha ciência acerca do horário de funcionamento da Universidade, era certo que o fornecedor não poderia ser responsabilizado em razão da incidência do art. 14, § 3º, inc. II, do CDC (culpa exclusiva da vítima).

Em primeiro grau, a sentença acolheu os argumentos da Instituição de Ensino e julgou improcedente a demanda, sobretudo por considerar que ficou provado o fato de que, no cartão distribuído pela Instituição de Ensino, como controle de entrada e saída do campus, constava a informação de que “o estacionamento era destinado aos alunos durante o período de funcionamento da Instituição”.

Quando do julgamento do recurso interposto pelo aluno, a 3ª turma recursal do Paraná confirmou a sentença proferida pelo juízo de primeira instância, no sentido de que o suposto furto somente ocorreu em virtude da utilização do estacionamento da Instituição de Ensino pelo aluno de forma inadequada e fora de sua finalidade, ou seja, enquanto não usufruía dos serviços educacionais prestados pela Universidade, até porque deixou seu veículo estacionado no campusfora do horário de funcionamento da Instituição, o que resulta na culpa exclusiva do aluno por eventual dano danoso decorrente de sua conduta, com a consequente incidência direta do art. 14, § 3º, II do CDC, excluindo a responsabilidade da Instituição de Ensino1.

Embora o raciocínio aqui exposto derive de entendimento de uma das turmas recursais do Paraná, importante mencionar que tal raciocínio encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. É que o STJ, em casos similares, reconhece a ausência de responsabilidade civil por parte da empresa quando o consumidor utiliza o estacionamento por ela disponibilizado fora do horário de expediente, isto é, estaciona “por conta e risco do proprietário do veículo”, veja-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. POSTO DE GASOLINA. CAMINHÃO DEIXADO COM O VIGIA DO ESTABELECIMENTO NUM DOMINGO, FORA DO HORÁRIO DE EXPEDIENTE. CONTRATO DE DEPÓSITO OU DE GUARDA INEXISTENTE. ESTACIONAMENTO POR CONTA E RISCO DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. (...) não se considera aperfeiçoado o contrato de depósito ou de guarda com o simples fato de haver o proprietário do veículo ali estacionado o caminhão sob sua conta e risco. Recurso especial não conhecido. (RESp 195.092/MT, 4ª Turma, rel. min. Barros Monteiro, DJ 22.04.2002).

Conclui-se, portanto, que, a despeito da existência da súmula 130 do STJ e da ampla jurisprudência pátria no sentido de que a empresa é responsável de forma objetiva por eventual furto de veículo em seu estacionamento; por outro lado, é certo que o próprio STJ reconhece que não há como prescindir da análise das circunstâncias fáticas de cada caso visando o reconhecimento de eventual particularidade que resulte na ausência de responsabilidade por parte da empresa, exatamente como ocorreu na hipótese em apreço - na qual o consumidor utilizou o estacionamento fora do horário de funcionamento da Instituição de Ensino e não obteve êxito em sua demanda judicial, tanto na primeira instância quanto em grau recursal.

Em síntese, a responsabilidade objetiva da empresa em razão de furtos ocorridos em seu estacionamento apenas e tão somente incide se o evento ocorreu durante o período de funcionamento do estabelecimento comercial.

___________________________

1 Referente ao processo de 0011493-62.2018.8.16.0182. Julgado em 1/8/19. Acórdão pendente de publicação.

___________________________

*Ana Carolina de Camargo Clève é advogada sócia no Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados.

*Suzan Raphaellen Franche é advogada no Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados.

 
Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

STJ: Comerciante não responde por roubo em estacionamento aberto e de livre acesso

23/6/2019

Artigos Mais Lidos

Do “super” cônjuge ao “mini” cônjuge: A sucessão do cônjuge e do companheiro no anteprojeto do Código Civil

25/4/2024

Domicílio judicial eletrônico

25/4/2024

Pejotização: A estratégia que pode custar caro

25/4/2024

Transação tributária e o novo programa litígio zero 2024 da RFB

25/4/2024

Burnout, afastamento INSS: É possível?

26/4/2024