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Eleições “kafkianas” no Club de Regatas Vasco da Gama

Infelizmente, o que era para ser uma grande festa democrática vascaína, com os sócios pela primeira vez elegendo de forma direta seu Presidente, se tornou mais um capítulo lamentável na história das eleições do clube centenário.

6/1/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

O futuro Presidente do Club de Regatas Vasco da Gama, instituição esportiva com mais de 122 anos de existência e milhões de torcedores em todo o Brasil, será alçado a tal posto, ao menos até o momento, pela decisão de duas pessoas.

Duas pessoas estas que talvez sequer torçam pelo clube. Que sequer conhecem a fundo o seu estatuto, seus poderes constituídos, seus agentes políticos, sua história.

Parece absurdo. E é.

Mas o mais absurdo é que essas duas pessoas estão longe de serem as maiores culpadas por tal situação. Aliás, não possuem culpa alguma. Fizeram seu dever, seu mister, que era julgar um determinado caso que lhes foi submetido, após as partes envolvidas terem sido incapazes de chegar a um consenso racional, razoável.

Trata-se do princípio básico da inércia do Poder Judiciário, o qual só age se, e quando, provocado. Exatamente o caso das eleições no Vasco da Gama.

Nos parece claro que em um ano atípico como o de 2020, no qual o mundo sofre com uma crise sanitária sem precedentes, que os agentes políticos e integrantes dos poderes constituídos do clube devessem ter sentado, com a antecedência necessária, como pessoas sensatas, sem paixões políticas, para decidir o melhor formato de eleições, visando à segurança dos sócios votantes bem como a lisura do pleito eleitoral.

Não se quer dizer com isso que as eleições necessariamente deveriam ter sido feitas num determinado formato, fosse ele presencial, online ou híbrido.

Nos parece possível que as eleições fossem feitas no formato exclusivamente presencial, como efetivamente ocorreu no dia 07/11/20, considerando que as autoridades sanitárias locais já haviam dado a devida autorização e, além disso, o próprio local de votação, o ginásio de São Januário, já estava liberado e reservado para as eleições municipais do dia 15/11/20, que também ocorreram no formato presencial.

O problema é que, com a malfadada judicialização da questão, tal eleição presencial do dia 07/11/2020, em que pese agendada desde setembro de 2020, pegou a todos de surpresa, pois até a sua véspera, à noite, vigia liminar que determinava que as eleições deveriam ser no dia 14/11/20 e de forma online.

Resultado: uma eleição presencial realizada às pressas, o que, por óbvio, não era o ideal, ainda mais em se considerando as medidas e protocolos de higiene necessários para evitar a propagação do coronavírus, situação esta indubitavelmente prejudicada com o clube tendo que preparar uma eleição literalmente da noite para o dia. De fato, circularam à vontade nas redes sociais fotos e vídeos do dia de tal eleição que comprovam que houve aglomeração e enormes filas para votar, sem o necessário distanciamento social, o que logicamente importou em risco para os que ali estavam, contrariando o que recomenda a ciência.

Não obstante, com a tão prejudicial judicialização, tal eleição presencial do dia 07/11 acabou por sofrer ordem do STJ no sentido de que seus efeitos fossem suspensos, isto por volta das 20:00hs, quando já transcorridas mais de dez horas de votação.

Resultado: três das cinco chapas abandonaram o pleito, bem como o Presidente da Assembleia Geral (sendo substituído por seu vice). As outras duas chapas permaneceram até o final e ainda realizaram o escrutínio dos votos, proclamando-se um vencedor.

Logicamente, as outras três chapas não aceitaram o resultado e, apoiando-se na decisão do STJ, decidiram realizar nova eleição, no formato híbrido, no dia 14/11, da qual participaram apenas duas chapas, tendo em conta que a chapa do atual Presidente decidiu retirar a candidatura.

Ressalte-se que tal eleição no formato híbrido, com sócios podendo votar de qualquer lugar do mundo, bastando para tal um simples cadastro pela internet, foi organizada em cerca de 7 dias, isto em um clube que nunca antes em sua história havia realizado uma eleição em um formato diferente do presencial.

Destaque-se que o próprio clube, oficialmente, pareceu não ratificar os procedimentos preparatórios para tal eleição no formato híbrido, apontando suspeitas quanto à empresa responsável pelo pleito, a qual, diga-se, parece que sequer foi contratada pelo clube mas, de forma pessoal, pelo Presidente da Assembleia Geral.

Em resumo, as eleições do Club de Regatas Vasco da Gama viraram um processo Kafkiano, onde não se vê um final razoável, onde os incidentes parecem ofuscar a objetividade e racionalidade em se fazer um pleito minimamente organizado, confiável, que de fato acolha a vontade do sócio votante em um processo democrático.

Infelizmente, o que era para ser uma grande festa democrática vascaína, com os sócios pela primeira vez elegendo de forma direta seu Presidente, se tornou mais um capítulo lamentável na história das eleições do clube centenário.

Antonio Cavaliere Gomes
Procurador Federal. Pós Graduado em Direito Público.

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