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Falsas premissas na discussão sobre Improbidade Administrativa

É essencial respeitar um juízo de proporcionalidade, diferenciando a atuação culposa do agente, que pode gerar obrigação de ressarcimento e possível aplicação de sanções disciplinares, da atuação daquele que age de má-fé, com desonestidade, este sim passível de responder pela prática de ato de improbidade.

14/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A preocupação com o ressarcimento ao erário por prejuízos causados pela atuação de agentes públicos aparece de forma recorrente como argumento justificador da modalidade culposa dos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário, tipificados pelo artigo 10 da lei 8.429/92.

É argumento comum também nos debates a respeito da alteração da lei de improbidade, como se as alterações criassem um obstáculo à recomposição do erário por prejuízos causados em caso de culpa grave, de eventual atuação temerária e irresponsável de agentes públicos.

O argumento é tão sedutor, quanto equivocado e acaba levando pessoas de boa-fé a conclusões precipitadas. É falsa a premissa de que a classificação do ato como improbidade administrativa é pressuposto para o ressarcimento ao erário.

A responsabilidade de agentes públicos pelos prejuízos que causarem, agindo eles por dolo ou culpa, está expressamente prevista no artigo 37, §6º da Constituição da República e independe do reconhecimento da prática de ato de improbidade.

Independente da configuração ou não de ato de improbidade, é cabível o ajuizamento de ação judicial para pleitear o ressarcimento ao erário por prejuízos causados pela atuação temerária de agentes públicos. Apenas na excepcionalíssima hipótese de invocação da imprescritibilidade é que, nos termos da atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a tipificação do ato como ímprobo torna-se relevante para efeitos de ressarcimento.

Como a maioria dos debates que despertam paixões e envolvem temas polêmicos, a discussão a respeito da lei de improbidade muitas vezes se afasta da necessária racionalidade. Seja por conveniência estratégica ou por falta de um maior cuidado ou rigor técnico, fato é que a discussão é muitas vezes colocada sobre falsas premissas, como a de que improbidade é pressuposto para o ressarcimento ou, ainda, que não-configurado o ato de improbidade administrativa, o agente estaria imune a qualquer outra forma de controle ou responsabilização.

Há, entre nós, inúmeros órgãos de controle e formas de responsabilização. Além da ação ordinária de ressarcimento, não podemos esquecer da ação popular, do mandado de segurança, do controle exercido pelo Tribunais de Contas e das inúmeras infrações e sanções administrativas, passíveis de serem aplicadas em processo administrativo disciplinar.

Afastada a caraterização de ato de improbidade, há outras formas de responsabilização e controle. Não se trata de tudo ou nada, como por vezes parece transparecer dos debates simplistas e apaixonados.

Para que os sistemas de responsabilização e controle tenham um mínimo de racionalidade, para que respeitem os vetores constitucionais de razoabilidade e proporcionalidade, as graves sanções decorrentes da prática de atos de improbidade devem ser reservadas aos casos efetivamente graves, em que o agente agiu com desonestidade e má-fé.

Nos termos do artigo 37, §4º da Constituição, “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Assim, além do ressarcimento – que é possível sem a tipificação de ato de improbidade, como já dito – a tipificação de ato de improbidade administrativa implica gravíssimas sanções como a suspensão dos direitos políticos e perda da função pública, além de multas pecuniárias bastante elevadas nos termos previstos em lei.

É essencial, portanto, respeitar um juízo de proporcionalidade, diferenciando a atuação culposa do agente, que pode gerar obrigação de ressarcimento e possível aplicação de sanções disciplinares, da atuação daquele que age de má-fé, com desonestidade, este sim passível de responder pela prática de ato de improbidade, submetido às graves sanções previstas na Constituição e na lei.

O debate a respeito da forma como fazer essa diferenciação, do regime legal a ser adotado, é absolutamente legítimo, mas deve respeitar a necessária racionalidade, reconhecendo que a declaração de improbidade não é pressuposto do ressarcimento ao erário e que há outra formas de responsabilização dos agentes públicos, inclusive nos casos de atuação culposa.

Francisco Octavio de Almeida Prado Filho
Sócio-fundador do escritório Almeida Prado Advogados e presidente da Comissão de Estudos sobre Improbidade Administrativa do IASP.

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