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A lei 14.181/21 e o superendividamento do consumidor

Os instrumentos e vantagens da nova legislação e a prática junto aos órgãos de defesa do consumidor.

11/5/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Conforme instituto brasileiro de defesa do consumidor, estima-se que o Brasil tenha mais de 60 milhões de pessoas endividadas, 30 milhões deles superendividados (aqueles que não estão conseguindo pagar suas dívidas), sendo a maioria, mulheres que chefiam mais de 45% dos lares brasileiros, o que agravou muito com a pandemia de covid-19.

Um estudo da ordem dos economistas do Brasil e instituto do capitalismo humanista concluiu que com a aprovação da Lei do superendividamento as famílias podem ter uma renda adicional de R$ 700/mês para serem dirigidos aos gastos essenciais: o cálculo estima um nível mínimo existencial de 65% da renda e os demais 35% devem ser dirigidos ao pagamento das dívidas, garantindo o recebimento dos débitos pelos credores.

Entre os avanços da nova legislação, a lei 14.181/21, a determinação de que os consumidores terão o prazo máximo de cinco anos para pagar suas dívidas, além do direito de negociação com todos os credores ao mesmo tempo com a garantia do chamado “mínimo existencial” para despesas básicas, com vedação das instituições financeiras de assediar ou pressionar consumidores para contratação de empréstimos.

Cumpre destacar as principais mudanças para o consumidor, conforme análise do IDEC - instituto brasileiro de defesa do consumidor:

1. "Mínimo existencial”: garantia de que uma quantia mínima de sua renda não seja usada para pagar suas dívidas, a fim de impedir que se contraia novas dívidas para pagar contas básicas como água e luz;

2. "Recuperação Judicial": os consumidores poderão repactuar suas dívidas e negociá-las com todos os credores ao mesmo tempo. A ideia é garantir um acordo mais justo para os consumidores, assim como é feito quando empresas admitem falência;

3. Transparência sobre os riscos da contratação de crédito passa a ser obrigatória: os bancos estão absolutamente proibidos de ocultar os riscos de você contratar um crédito. A atitude das instituições financeiras deve cultivar a transparência ao consumidor durante todo o processo de contratação;

4. Considerada prática ilegal a pressão ao consumidor para contratação: qualquer pressão dos bancos e instituições financeiras para seduzir os consumidores a qualquer sistema de crédito é ilegal e deve ser denunciada ao gerente, central de atendimento do próprio banco ou ouvidoria e enviar uma reclamação para o Banco Central; 

5. Informação sobre custo efetivo contratado e avaliar situação financeira é obrigatório: as instituições financeiras são obrigadas a informar os consumidores do custo efetivo total do crédito contratado. Isso deve ser informado previamente e de forma adequada, ou seja: todos os juros, tarifas, taxas e encargos sobre atraso;

6. Conciliação no Procon e Defensorias Públicas antes de ir à Justiça é um direito: antes de ir à Justiça e buscar um acordo com os credores, os consumidores terão direito a uma fase de conciliação com os órgãos de defesa do consumidor.

Com a negociação em bloco, o devedor consegue usar uma única fonte de renda para liquidar as contas em aberto. Para que o processo de revisão dos contratos aconteça, o cidadão superendividado deve procurar o Tribunal de Justiça de seu estado. Ainda é possível recorrer aos órgãos do sistema nacional de defesa do consumidor, como o Procon, a Defensoria Pública e o Ministério Público.

O devedor tem que apresentar aos credores um plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos. Se não houver acordo entre as partes, cabe ao juiz determinar prazos, valores e formas de pagamento.

A possibilidade de repactuação das dívidas não se aplicará, contudo, àquelas adquiridas dolosamente, sem propósito de pagamento por parte do consumidor; e aos contratos com garantia real, financiamento imobiliário e crédito rural.

A principal vantagem da negociação em bloco consiste no fato de que o inadimplente não precisará escolher qual dívida quitar. Ao incluir todos os débitos num mesmo plano de pagamento, acaba o impasse financeiro e psicológico de pagar uma dívida e faltar dinheiro para as demais.

Essas são algumas das importantes modificações visando a resgatar a dignidade de pessoas que foram atingidas pelo mercado de consumo, por ignorância, imprudência ou incontinência de gastos, permitindo-lhes uma segunda chance, e auxiliar os credores a resgatar uma parcela do crédito que já consideravam perdido.

Na prática, já são diversas as decisões dos tribunais de todo o país com efetividade da legislação, desde a declaração de abusividade dos contratos de empréstimo consignados via cartão de crédito sem informações claras e prévias ao consumidor, inclusive, sobre o fim do prazo de pagamento, passando pela suspensão das dívidas abusivas em caso de não comparecimento de credor para negociação, até a homologação de plano de pagamento de dívida no prazo máximo de cinco anos.

Milena Cintra
Advogada Cível e Consumidor. Especialista em Direito Público. Atualmente desempenhando também função de juíza leiga na Comarca de Salvador.

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