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O papel dos padrões celulares (2G-5G) e patentes na viabilização do círculo de inovação no Brasil

É imperativo manter o círculo virtuoso de inovação. Para tal é necessária (i) uma compensação justa e razoável via licenciamento de patentes e (ii) enforcement efetivo e eficiente das SEPs, especialmente em casos em que usuários se mostram relutantes em concluir uma licença FRAND.

4/6/2024
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Introdução

Das 6,4 bilhões de assinaturas de planos de celular no mundo hoje, 284 milhões estão ativas no Brasil. Graças às tecnologias presentes nos smartphones, podemos enviar, receber e acessar imagens, vídeos, livros, músicas, mapas e muito mais, de qualquer lugar. Uma conectividade confiável e veloz tornou-se crucial em nossa vida privada e para empresas. Temos mais flexibilidade (por exemplo, o trabalho remoto) sem perder em eficiência. Além disso, certas aplicações no âmbito da Internet das Coisas, conhecidas como "IoT crítica", exigem uma conexão extremamente confiável e de baixa latência, permitindo um fluxo de informações seguro, rápido e constante. Isso somente é possível devido aos padrões celulares, em especial 4G e 5G.

Padrões podem ser definidos como um conjunto de regras técnicas que devem ser seguidas para que produtos e serviços se comuniquem entre si. Graças aos padrões celulares, podemos ligar para amigos e familiares a qualquer hora e de qualquer lugar, utilizando telefones de fabricantes diferentes e de operadoras diversas. Para garantir essa comunicação, empresas seguem as mesmas regras técnicas, o mesmo padrão. Cada G (geração) dos padrões celulares constitui uma evolução tecnológica da geração anterior e marca o início de uma nova onda de inovação. Por exemplo, o 5G é até 100 vezes mais rápido do que o 4G.

Todos os setores beneficiam-se enormemente da utilização dos padrões celulares em seus produtos e serviços. Por exemplo, espera-se um aumento médio de 22% na produtividade das pequenas e médias empresas (PMEs) no Brasil devido à implementação de padrões celularesnos setores de alimentação e bebidas, e metalurgia. O 5G aumentará eficiência energética e a descarbonização de setores como transportes e energia, e permitirá uma agricultura de precisão, com potencial redução global de custos de até U$ 100 milhões e uma redução do desperdício de água de 150 mil milhões de metros cúbicos ao ano.

Uma das vantagens dos padrões é a sua aplicabilidade e acessibilidade global, permitindo que partes interessadas em diferentes lugares do mundo implementem a tecnologia padronizada. Dessa forma, empresas, inclusive PMEs, beneficiam-se do uso de tecnologia de ponta na criação de seus produtos e serviços sem incorrer nos altos custos de seu desenvolvimento. Viabilizando uma presença de mercado transnacional, em razão da implementação de padrões globais. As PMEs podem também participar e contribuir para o processo de criação da tecnologia padronizada, um processo aberto à quem tiver interesse. Um estudo de 2017 demonstrou que contribuições de PMEs e start-ups têm maiores probabilidades de serem aceitas (34,42%) do que aquelas de grandes empresas (28,91%). Para participar, basta tornar-se membro de um dos sete parceiros organizacionais do 3GPP. Como contribuintes, as PMEs podem obter receitas e crescer por meio do licenciamento de suas patentes. Tais benefícios estão alinhados com os objetivos do Plano Nacional de IoT.

Em suma, padrões celulares resultam em maior concorrência, redução de custos e aumento da variedade de produtos disponíveis para consumidores a preços mais competitivos, possibilitando à empresas inovarem a partir dessas tecnologias. A padronização tecnológica também incentiva o crescimento econômico global. A contínua inovação na indústria de  telecomunicações abre novas possibilidades, permitindo que empresas cresçam mais rapidamente e desenvolvam novos modelos de negócio, produtos e serviços.

Mas como a padronização tecnológica funciona?

Padrões celulares (2G a 5G): círculo de inovação

Os padrões celulares (2G a 5G) são desenvolvidos no âmbito do 3GPP, organização formada por sete Organizações de Desenvolvimento de Padrões (Standard Development Organizations, ou SDOs). As SDOs são entidades reconhecidas responsáveis pelo desenvolvimento colaborativo de padrões. O ETSI  é a SDO responsável pelos padrões de telecomunicações na Europa e a SDO responsável pelo secretariado do 3GPP. Experts em padronização tecnológica, dos setores público e privado, reúnem-se no âmbito do 3GPP para discutir os próximos desafios, definindo os objetivos do projeto de padronização. A partir disso, participantes podem contribuir com inovações para tais objetivos. Durante o desenvolvimento dos padrões 3G e 4G, por exemplo, foram apresentadas mais de 260.000 contribuições. No entanto, apenas as melhores tecnologias são selecionadas para serem incorporadas nos padrões. Neste caso, tais tecnologias representaram menos de 17% das contribuições feitas. Uma vez publicados pelo 3GPP (releases), os padrões são convertidos pelas SDOs em padrões nacionais e regionais.

A incorporação de tecnologias de ponta, complexas e altamente inovadoras é fundamental para o sucesso dos padrões celulares. Não é surpresa que o desenvolvimento de cada geração da tecnologia exija aproximadamente uma década e bilhões de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Como a maioria das tecnologias inovadoras, as tecnologias padronizadas são normalmente protegidas por patentes.

As patentes necessárias para implementação de um padrão tecnológico são conhecidas como patentes essenciais ao padrão (ou SEPs, do inglês standard-essential patents). Uma patente normalmente garante o direito de exclusividade ao seu titular, de modo que o seu uso por terceiros requer o consentimento do titular. No âmbito da padronização tecnológica, os titulares de SEPs normalmente se comprometem a conceder acesso às suas SEPs em termos e condições justos, razoáveis e não discriminatórios (do inglês fair, reasonable, and non-discriminatory, ou FRAND), permitindo o rápido desenvolvimento e ampla adoção dos padrões. Como explica a política de Diretos de Propriedade Intelectual do ETSI, busca-se um equilíbrio de interesses. De um lado, a garantia de acesso a tecnologias inovadoras aos utilizadores do padrão. Do outro, a garantia de uma compensação justa pelas inovações aos titulares de SEPs, bem como incentivos para contínuo investimento em P&D da próxima geração da tecnologia, alimentando o círculo de inovação.

Conclusão

Concluindo, é imperativo manter o círculo virtuoso de inovação. Para tal é necessária (i) uma compensação justa e razoável via licenciamento de patentes e (ii) enforcement efetivo e eficiente das SEPs, especialmente em casos em que usuários se mostram relutantes em concluir uma licença FRAND. Os tribunais brasileiros parecem entender isso e têm proferido decisões razoáveis e equilibradas. Todavia, certos usuários utilizam estratégias para atrasar e reduzir o pagamento de royalties. O desenvolvimento de tecnologias padronizadas resulta de altos investimentos em P&D. Sem uma compensação adequada e em tempo razoável, empresas inovadoras preferirão investir em tecnologias privadas. Ao fim, serão os consumidores (diante de produtos e serviços de menor qualidade e mais caros) e a economia brasileira que perderão oportunidades fantásticas oferecidas pelos padrões tecnológicos, tais como reconhecimento e presença global.

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*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente as opiniões da Ericsson.

Autor

Daniel Rainho Pesquisador de Políticas de Direitos de Propriedade Intelectual na Ericsson.

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