A saúde, por ser considerada um direito fundamental (art. 196 da CF), tem sido objeto de intensa judicialização, o que resultou na sistematização e uniformização de decisões judiciais.
Apresentamos, a seguir, algumas decisões importantes referentes ao tema, especificamente quanto à disponibilização de medicamentos pela Administração Pública, destacadas nos temas de repercussão geral do STF, temas repetitivos do STJ, bem como as súmulas que abordam a questão.
Trazemos, assim, uma síntese das principais teses fixadas pelo Poder Judiciário indicando os cenários atinentes aos processos judiciais que envolvam fornecimento de medicamentos (incluindo aqueles não disponibilizados pelo SUS - Sistema Único de Saúde) e novas diretrizes para julgamento de processos judiciais sobre a questão.
STF:
Tema/repercussão geral 6: O STF decidiu que, como regra, a Justiça não pode determinar que o Estado forneça medicamentos que não estão na lista oficial do SUS, independentemente do seu preço. Em situações excepcionais, a Justiça pode determinar o fornecimento de medicamentos que não estão nas listas do SUS, desde que a pessoa comprove: (i) que o remédio foi negado pelo órgão público responsável; (ii) que a decisão da CONITEC de não incluir o medicamento nas listas do SUS é ilegal, que não houve pedido de inclusão ou houve demora excessiva na sua análise; (iii) que não há outro medicamento disponível nas listas do SUS capaz de substituir o solicitado; (iv) que há evidências científicas de que o remédio é eficaz e seguro; (v) que o remédio é indispensável para o tratamento da doença; e (vi) que não tem condições financeiras para comprar o remédio. Além disso, ao analisar pedido de entrega de um medicamento não incluído no SUS, o juiz deve: (i) avaliar a decisão da CONITEC de não incluir o medicamento nas listas oficiais e a negativa do pedido pelo órgão público responsável; (ii) consultar o NATJUS - Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário ou outros especialistas; (iii) notificar os órgãos responsáveis para que avaliem a possibilidade de incluir o medicamento nas listas do SUS, se o medicamento for concedido. Em nenhum caso, o juiz pode decidir apenas com base em laudos médicos apresentados pela pessoa que solicita o medicamento.
Tema/repercussão geral 262 STF: “O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certas doenças.”
Tema/repercussão geral 500 STF: “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamentos por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na lei 13.411/16), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultra raras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.”
Tema/repercussão geral 1234 STF: Trouxe de início a definição clara do que são considerados medicamentos não incorporados - medicamentos fora do SUS, medicamentos fora da lista de componentes básico, casos de uso off-label sem protocolo de tratamento, medicamentos sem registro na Anvisa e medicamentos já fornecidos pelo SUS para uma finalidade, mas solicitados para outra não prevista no protocolo de tratamento.
Fixou a decisão quanto a competência para julgar os processos de concessão de medicamentos não incorporados, que agora depende do valor da causa, sendo que para medicamento com registro na Anvisa de valor inferior a 210 salários-mínimos a competência é da Justiça estadual, e igual ou superior a 210 salários-mínimos a competência é da Justiça Federal. No caso de medicamentos sem registro na Anvisa, a competência é exclusiva da Justiça Federal (Tema 500 do STF).
Quanto ao custeio, a decisão definiu o custeio integral da União nos casos que tramitam na Justiça Federal, nos casos tramitando na Justiça estadual (entre 7 e 210 salários-mínimos) o custeio será de 65% pela União, com ressarcimento via repasse fundo a fundo e abaixo de 7 salários-mínimos, custeio integral pelo Estado (embora a tese não seja explícita sobre a exclusão dos municípios).
Para medicamentos oncológicos o STF trouxe regra específica: i) ações ajuizadas até 10/06/24 o ressarcimento é de 80% pela União; ii) ações ajuizadas após 10/06/24 o percentual será o definido pela Comissão Intergestores Tripartite.
O Tema ainda traz critérios rigorosos para a análise judicial em casos de fornecimento de medicamentos, devendo o juiz analisar o ato administrativo de não incorporação na CONITEC e a negativa de fornecimento administrativo, devendo o juiz, desta forma, considerar essas decisões em sua análise. Contudo, não poderá o juiz substituir a vontade do administrador pela sua própria ou entrar no mérito das decisões administrativas, devendo limitar-se a um controle de legalidade do ato administrativo (se em conformidade com a CF, a legislação vigente e a política pública do SUS).
O STF determinou no Tema em referência que o ônus da prova passa a recair sobre o autor da ação que visa a disponibilização do medicamento. O autor deve demonstrar a segurança e eficácia do tratamento requerido, não bastando apenas a prescrição médica, devendo ainda, comprovar a inexistência de um substituto terapêutico já incorporado ao SUS.
Ademais, determina o STF a criação de uma “Plataforma Nacional de Informações” que permitirá visão global das demandas judiciais e administrativas referentes ao tema, com consulta aberta ao cidadão e que auxiliará na definição e ajuste de políticas públicas, além de criar fluxos de atendimento específicos para diferentes situações e ajudará a definir as responsabilidades de custeio.
STJ:
Tema/repetitivo 84: “Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação.”
Tema/repetitivo 98: “Possibilidade de imposição de multa diária (astreintes) a ente público, para compeli-lo a fornecer medicamento à pessoa desprovida de recursos financeiros.”
Tema/repetitivo 106: “A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência."