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TJ/PE limita aplicação obrigatória do IAC do autismo: E agora?

Análise crítica da decisão que suspendeu a força vinculante do "IAC do Autismo" sobre a concessão de terapias para pacientes com TEA, e quais seus impactos nos julgamentos futuros do TJPE.

12/4/2025

Introdução

Nos últimos anos, o IAC - Incidente de Assunção de Competência do Autismo 0018952-81.2019.8.17.9000, julgado pela seção Cível do TJ/PE, tornou-se um marco na defesa do direito ao tratamento digno para pessoas com TEA - Transtorno do Espectro Autista.

A decisão histórica obrigava os planos de saúde a custearem terapias essenciais – como ABA, TEACCH, integração sensorial e até terapias especiais como musicoterapia, equoterapia e hidroterapia – conforme a prescrição do médico responsável.

Mas na última semana, uma nova reviravolta jurídica sacudiu esse cenário.

O que aconteceu?

No dia 10/4/25, a 1ª vice-presidência do TJ/PE acolheu, em parte, o pedido de efeito suspensivo (0004470-21.2025.8.17.9000) atrelado ao Recurso Especial de uma operadora de saúde, que recorreu ao STJ contra o IAC.

A operadora alegou que o tribunal estadual teria ultrapassado os limites da causa julgada e invadido competências regulatórias da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar. Além disso, apontou risco de desequilíbrio econômico nos contratos de plano de saúde.

A decisão do TJ/PE não anulou o IAC, mas concedeu o chamado efeito suspensivo modulado. Isso significa que o conteúdo do IAC continua válido, mas sua aplicação como “regra obrigatória” está suspensa até que o STJ dê a palavra final sobre o tema.

O que isso significa, na prática?

O que muda para as famílias e os pacientes?

É natural que essa notícia gere apreensão. Afinal, muitos pais e mães que dependem da Justiça para garantir o tratamento dos seus filhos com autismo veem no IAC um verdadeiro instrumento de justiça e dignidade.

A boa notícia é que o IAC ainda é um precedente forte, com alto poder persuasivo, construído a partir de uma decisão unânime, técnica, e com participação ampla da sociedade civil e entidades especializadas. Os fundamentos permanecem válidos e têm servido como referência em tribunais de todo o país.

A má notícia é que, até que o STJ julgue o recurso, não há mais garantia de aplicação automática do entendimento. Isso exige atenção redobrada dos advogados e uma atuação ainda mais estratégica na argumentação jurídica.

O que dizer, como especialista?

Na condição de advogado atuante na área da saúde, entendo que a suspensão da força vinculante do IAC não representa um retrocesso automático, mas sim uma pausa técnica para aguardar o desfecho no STJ.

No entanto, é preciso estar alerta: os direitos das pessoas com TEA não podem esperar indefinidamente. A judicialização continuará sendo uma ferramenta indispensável até que o sistema de saúde, público e privado, cumpra de forma efetiva as garantias previstas na Constituição e em leis como a Lei Berenice Piana (lei 12.764/12).

Por fim, entendo que existem riscos para as pessoas que possuam processos ainda em análise no Tribunal, pois tais demandas podem vir a sofrer com modificações de liminares e/ou revogação total ou parcial. E para o caso das pessoas que precisem entrar com novas ações, podem enfrentar dificuldades para buscar o reconhecimento de terapias, como Acompanhante Terapêutico (AT), entre outras.

Conclusão: O que fazer agora?

  1. Para os familiares e pacientes: continuem buscando seus direitos. O IAC segue sendo um excelente respaldo. Mesmo embora não tendo mais força vinculante, o fato é que o IAC se debruçou sobre questões técnicas, e no julgamento foram ouvidos profissionais de saúde de referência no setor. Portanto, há uma base técnica muito significativa no julgamento, que deve continuar sendo aproveitada
  2. Para os advogados: reforcem a fundamentação individualizada, demonstrem a urgência da terapia e destaquem o risco de dano irreversível à saúde.
  3. Para o Judiciário: sensibilidade e coerência com a jurisprudência já formada são essenciais, mesmo com a suspensão da vinculação obrigatória.

O caminho da inclusão e da justiça para as pessoas com TEA continua – e não há retrocesso que apague o que já foi conquistado.

Evilasio Tenorio da Silva Neto
Advogado especialista em Direito da Saúde e Direito Civil. Titular do TSA - Tenorio da Silva Advocacia, escritório considerado referência nacional na defesa dos usuários de planos de saúde e do SUS.

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