Neste segundo artigo da série sobre os Termos de Compromisso na Lei das Bets, trataremos (1) dos requisitos, (2) dos impedimentos, (3) dos benefícios administrativos previstos em lei a serem concedidos àqueles interessados em encerrar os processos administrativos movidos pela SPA/MF contra si, bem como (4) da inexistência de benefícios cíveis e criminais automáticos a partir da celebração de Termos de Compromisso na Lei de Bets.
Avançar nestes temas é essencial porque, para que o Termo de Compromisso se torne uma solução utilizada com regularidade pelos operadores do mercado de apostas de quota fixa, é fundamental que a Lei nº 14.790/2023 (“Lei das Bets”) e as portarias normativas editadas pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (“SPA/MF”) definam com clareza as condições para que pessoas físicas ou jurídicas se tornem elegíveis a esse tipo de solução negociada, devendo também estabelecer incentivos que tornem a assinatura do termo uma opção preferível à continuidade do litígio na seara administrativa. Em artigo anterior, já apresentamos as condutas sancionáveis, os sujeitos passíveis de persecução, as penas prescritas e a dosimetria incidente nas penalidades previstas na Lei de Bets.1
(1) Requisitos legais para a celebração de Termos de Compromisso na Lei de Bets
A Lei das Bets define quatro requisitos cumulativos para a assinatura de um Termo de Compromisso:
(i) a cessação da infração ou de seus efeitos lesivos;
(ii) a correção das irregularidades apontadas;
(iii) indenização dos prejuízos gerados; e
(iv) o cumprimento das demais condições acordadas no caso concreto, sendo obrigatório o recolhimento de contribuição pecuniária à Conta Única do Tesouro Nacional2.
Fica claro que o interessado em firmar o Termo de Compromisso deve atuar de maneira proativa para remediar sua infração, devendo ainda estar disposto a pagar multa a ser acordada com a SPA/MF, já que não há margem para perdão total das penalidades pecuniárias que seriam impostas ao infrator.
Outros requisitos colocados de maneira mais sutil pela Lei das Bets incluem:
(i) a assinatura do termo deve atender a um juízo de conveniência e oportunidade por parte do Ministério da Fazenda3;
(ii) a opção pela solução negociada deve atender ao interesse público4; e
(iii) a proposta deve ser apresentada enquanto o processo administrativo sancionador ainda estiver em primeira instância administrativa, ou seja, antes da prolação de decisão pela Subsecretaria de Ação Sancionadora5.
Uma análise comparativa com o Termo de Compromisso da Controladoria-Geral da União (“CGU”), instrumento de solução negociada firmado no âmbito da Lei nº 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”), bem como o Termo de Compromisso junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) previsto na Lei nº 12.529/2011 (“Lei de Defesa da Concorrência”), ajudam a identificar algumas escolhas regulatórias interessantes por parte da SPA/MF.
A CGU exige que a empresa interessada admita sua responsabilidade pelos atos lesivos investigados como condição para a celebração de um Termo de Compromisso6. Similarmente, em casos de Termo de Compromisso envolvendo cartel7, o CADE exige o reconhecimento de participação nos fatos. Essa exigência, no entanto, pode desestimular potenciais interessados em uma solução negociada, pois expõe a empresa compromissária e seus colaboradores a riscos difíceis de mensurar nas esferas cível e penal8.
A Lei das Bets faz opção diversa, o que é bastante positivo, a nosso ver. Ao permitir a assinatura de Termos de Compromisso sem confissão em relação a matéria de fato e nem reconhecimento da ilicitude da conduta analisada9, restringe o acordo ao encerramento da persecução na esfera administrativa de forma célere10.
A CGU também espera que a empresa compromissária forneça provas e relatos detalhados sobre o ato lesivo investigado que estejam sob sua posse11. Igualmente, em casos de cartel, quando há a negociação de Termo de Compromisso perante a Superintendência-Geral do Cade (SG/CADE), exige-se a colaboração12. O Termo de Compromisso da CGU e do CADE (em casos de cartel e quando negociados pela SG/CADE) acabam funcionando, portanto, como instrumentos de alavancagem investigativa, permitindo que a autoridade tenha acesso a elementos de prova. Essa exigência bastante robusta de cooperação faz com que ambos os Termos de Compromisso acabem se aproximando muito mais dos requisitos dos Acordos de Leniência, enquanto instrumentos de natureza dúplice como ferramenta de abreviação investigativa/do processo e também como meio de obtenção de prova, do que com a natureza jurídica originária dos Termos de Compromisso, enquanto instrumentos de mera abreviação investigativa/do processo.
Novamente em contraste, e novamente de modo positivo, a nosso ver, a Lei das Bets não prevê uma exigência similar, o que reforça a percepção de que Termo de Compromisso da Lei das Bets servirá como um instrumento de abreviação investigativa/do processo administrativo sancionador.
(2) Impedimentos legais para a celebração de Termos de Compromisso na Lei de Bets
Há pelo menos um impedimento legal previsto na legislação: operadores que incidam em condutas tipificadas na Lei de Lavagem de Dinheiro.
As plataformas estão sujeitas ao cumprimento de obrigações previstas nos artigos 10 e 11 da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998), como a identificação de clientes e a manutenção de cadastros atualizados, manutenção de registros de transações realizadas em moeda nacional e estrangeira, adoção de políticas de prevenção à lavagem de dinheiro, dentre outras13. O descumprimento dessas obrigações sujeita as plataformas às penalidades previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro, sendo incabível a assinatura de Termo de Compromisso abarcando tais infrações14.
(3) Benefícios administrativos a partir da celebração de Termos de Compromisso na Lei de Bets
O principal benefício gerado pela assinatura do Termo de Compromisso é a não instauração ou suspensão do processo administrativo sancionador destinado à apuração de determinada infração, que será convertida em arquivamento após o término do prazo fixado no termo, se cumpridas todas as obrigações compromissadas15.
Além disso, é possível mencionar o benefício administrativo da redução parcial da penalidade pecuniária, cuja extensão será definida pela (i) amplitude e utilidade da colaboração para a instrução processual; e (ii) o momento de propositura do Termo de Compromisso16.
Quanto ao item (i), vale rememorar que a Lei das Bets não coloca o fornecimento de provas e informações como conditio sine qua non para a assinatura do Termo de Compromisso. No entanto, o fato de a compromissária ter provas/informações a compartilhar com a SPA/MF pode impactar positivamente no desconto a ser concedido quando da assinatura do Termo. Ou seja, parece-nos possível firmar-se Termo de Compromisso sem contribuição para a alavancagem investigativa, mas a compromissária pode sujeitar-se a uma sanção pecuniária menor caso consiga apresentar informações consideradas relevantes pela SPA/MF.
Ademais, embora a Lei das Bets e as Portarias da SPA/MF não o digam expressamente, entende-se que os benefícios do Termo de Compromisso podem incluir o afastamento de penalidades mais gravosas, como a suspensão parcial ou total das atividades, a cassação da autorização, e a proibição de participar de licitação que tenha por objeto concessão ou permissão de serviços públicos na administração pública federal.
(4) Inexistência de benefícios automáticos a partir da celebração de Termos de Compromisso na Lei de Bets
Caso uma infração possa também configurar uma conduta punível na esfera criminal, a Portaria SPA/MF 1.233/24 deixa claro que o Termo de Compromisso firmado na seara administrativa não gera benefícios na esfera criminal17. Nesse cenário, a alternativa viável à pessoa física que desejasse obter proteção na seara criminal seria a assinatura em paralelo de acordo de não persecução penal (“ANPP”), instrumento de solução consensual instituído pela Lei 13.964/19 (“Pacote Anticrime”), que tem como requisitos: (i) não estar configurada hipótese de arquivamento da ação penal; (ii) a confissão formal do investigado; (iii) a infração penal não envolver conduta violenta ou que gere grave ameaça; (iv) a pena mínima pela conduta ser inferior a quatro anos18.
De outro lado, a Lei das Bets e as Portarias da SPA/MF mantiveram-se silentes sobre possíveis benefícios cíveis gerados pela assinatura de um Termo de Compromisso, o que abre margem para que uma conduta que tenha sido objeto de ajuste na esfera administrativa ainda dê ensejo, por exemplo, ao ajuizamento de ações de reparações de danos por parte dos usuários ou de ações civis públicas pelo Ministério Público, a Defensoria Pública, ou por associação que atue na defesa dos direitos do consumidor. Uma alternativa para mitigação desse risco seria a negociação de um Termo de Ajustamento de Conduta (“TAC”) com a instituição legitimada, instrumento regido pelo artigo 5º, §6º, da Lei nº 7.347/198519.
Além disso, tendo em vista a aparente possibilidade de persecução, pela SPA/MF, de pessoas jurídicas diferentes dos operadores de apostas e que atuam nesse setor, mas que estão sujeitos a outro arcabouço regulatório – caso, por exemplo, das instituições financeiras, reguladas pelo Banco Central, e das empresas de telecomunicações, reguladas pela ANATEL – torna-se mister entender se eventual TAC celebrado por essas entidades poderão dar ensejo a outros processos na esfera administrativa.
Nesse cenário, é possível que o Ministério da Fazenda estabeleça mecanismos de cooperação interinstitucional em negociações, de modo a proporcionar aos signatários dos Termos de Compromisso uma alternativa negocial que encerre definitivamente as possibilidades de persecução nas esferas administrativa, cível e criminal, mitigando o risco do surgimento de novos desdobramentos nessas esferas.
No terceiro e último artigo da série, deitaremos luzes sobre as autoridades envolvidas na avaliação e assinatura do termo de compromisso, explicando quais as etapas esperadas em uma negociação de Termos de Compromisso na Lei de Bets.
_______
1 Disponível aqui, acesso em 14.4.2025.
2 Artigo 43, incisos I a III, da Lei nº 14.790/2023, combinado com artigo 40, incisos I a III, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024. Disponíveis em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm e https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-1.233-de-31-de-julho-de-2024-575659805, acesso em acesso em 14.4.2025.
3 Artigo 43, caput, da Lei nº 14.790/2023.
4 Artigo 43, caput, da Lei nº 14.790/2023.
5 Artigo 43, caput, da Lei nº 14.790/2023, combinado com artigo 19, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.
6 Artigo 2º, inciso I, da Portaria Normativa nº 155/2024 da CGU. Disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/xmlui/handle/1/93512, acesso em 14.4.2025.
7 Regimento Interno do CADE. Art. 185. Tratando-se de investigação de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, o compromisso de cessação deverá, necessariamente, conter reconhecimento de participação na conduta investigada por parte do compromissário. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/regimento-interno/Regimento-interno-Cade-versao-14-04-2023.pdf.
8 ATHAYDE, Amanda.; DE GRANDIS, Rodrigo. Programa de Leniência Antitruste e Repercussões Criminais Desafios e Oportunidades Recentes. In: Vinicius Gomes de Carvalho. (Org.). A Lei 12.529/2011 e a Nova Política de Defesa da Concorrência. 1ed.São Paulo: Singular, 2015, v. 1, p. 287-304.
9 Artigo 43, §5º, da Lei nº 14.790/2023.
10 Essa diferença entre os regimes regulatórios dos termos de compromisso da SPA/MF e da CGU foi apontada por nossa colega Camila Sobrinho, a quem agradecemos por compartilhar essa observação.
11 Artigo 2º, inciso I, da Portaria Normativa nº 155/2024 da CGU. Disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/xmlui/handle/1/93512, acesso em 14.4.2025.
12 Regimento Interno do CADE. Art. Art. 186. Tratando-se de investigação de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, a proposta final encaminhada pelo Superintendente-Geral ao Presidente do Tribunal, nos termos do art. 181, § 4º deste Regimento Interno, deverá, necessariamente, contar com previsão de colaboração do compromissário com a instrução processual. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/regimento-interno/Regimento-interno-Cade-versao-14-04-2023.pdf.
13 Artigos 10 e 11, da Lei nº 9.613/1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm, acesso em 14.4.2025.
14 Artigo 3º, caput e §§1º e 2º, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024, combinado com artigo 12, da Lei nº 9.613/1998.
15 Artigo 43, caput e §12, da Lei nº 14.790/2024.
16 Artigo 43, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.
17 Artigo 46, da Portaria SPA/MF nº 1.233/2024.
18 Artigo 28-A, da Lei nº 13.964/2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm., acesso em 14.4.2025.
19 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm, acesso em 14.4.2025.