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A inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre a industrialização por encomenda em etapas intermediárias do ciclo produtivo: Uma análise à luz do Tema 816 do STF

O artigo analisa a decisão do STF no Tema 816, que declarou inconstitucional a cobrança de ISS sobre a industrialização por encomenda em etapas intermediárias do ciclo produtivo. O estudo destaca a importância do respeito à competência tributária da União para a incidência do IPI. A decisão reforça a segurança jurídica e a previsibilidade no ambiente de negócios.

30/4/2025

Introdução

A delimitação das competências tributárias entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios representa um dos pilares do pacto federativo brasileiro, sendo essencial para a manutenção da ordem fiscal e da segurança jurídica. No contexto dessa divisão, a tributação das atividades de industrialização por encomenda — especialmente quando inseridas em etapas intermediárias do ciclo produtivo — tem sido objeto de intensos debates, dado o entrelaçamento conceitual entre serviço e industrialização.

Nesse cenário, o STF, ao julgar o RE 882.461/MG, reconheceu a inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre operações de industrialização por encomenda destinadas à comercialização ou à industrialização. O julgamento, realizado sob a sistemática da repercussão geral (Tema 816), firmou um precedente de grande relevância para a interpretação do sistema tributário nacional, reafirmando a necessidade de respeito às balizas constitucionais que regem a competência tributária de cada ente federado.

O julgamento do Tema 816 pelo STF

O STF, ao julgar o RE 882.461/MG, sob a sistemática da repercussão geral (Tema 816), firmou importante entendimento acerca da tributação das operações de industrialização por encomenda. Na ocasião, por maioria de votos, a Corte decidiu pela inconstitucionalidade da incidência do ISS - Imposto Sobre Serviços sobre atividades que consistem em etapas intermediárias do ciclo produtivo de mercadorias destinadas à comercialização ou à industrialização, por configurarem hipótese de tributação pelo IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, de competência da União.

A controvérsia acerca da tributação das etapas intermediárias do ciclo produtivo de mercadorias destinadas à comercialização ou à industrialização foi instaurada a partir de uma ação ajuizada por uma empresa estabelecida em Contagem (MG), cuja atividade econômica era a requalificação de chapas de aço por encomenda. A empresa sustentava que tais atividades deveriam ser consideradas como industrialização, inseridas no processo produtivo de terceiros, o que afastaria a incidência do ISS, previsto no subitem 14.05 da lista de serviços anexa à LC 116/03. O município, por sua vez, defendia que as operações seriam classificadas como prestação de serviços, atraindo, assim, a tributação municipal.

Em seu voto, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, destacou que a industrialização por encomenda, quando ocorrida como parte do processo produtivo, não se caracteriza como prestação de serviço, mas sim como operação típica de industrialização, cujo regime tributário está constitucionalmente delimitado no art. 153, IV, da CF/88, que atribui à União a competência para instituir o IPI.

Tal entendimento reafirma o compromisso da Suprema Corte com o respeito aos limites constitucionais de competência tributária entre os entes federativos, princípio estruturante do sistema tributário brasileiro, previsto no art. 145 da Constituição da República, e detalhado nos arts. 153 a 156.

Ainda nessa linha, a CF/88 estabelece que compete aos municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar (art. 156, III). Por outro lado, compete à União instituir impostos sobre produtos industrializados (art. 153, IV). Assim, a incidência do ISS sobre operações que se caracterizam como industrialização por encomenda, inseridas no ciclo produtivo, configura invasão da competência tributária da União.

O respeito à divisão de competências tributárias é um dos pilares do pacto federativo, assegurando que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios exerçam seu poder de tributar de maneira coordenada e dentro das balizas constitucionais.

A tentativa de tributar a industrialização por encomenda por meio do ISS, quando essa atividade integra uma cadeia produtiva e configura hipótese de incidência do IPI, representa não apenas uma violação da legislação infraconstitucional, mas sobretudo uma afronta direta à CF, que impede a sobreposição de competências.

No caso concreto do Tema 816, o STF não apenas solucionou a controvérsia em favor do contribuinte, mas também reafirmou a necessidade de observância estrita das normas constitucionais que delimitam o espaço de atuação tributária de cada ente federado. Tal definição é fundamental para assegurar previsibilidade ao ambiente de negócios e para garantir que incentivos industriais e políticas fiscais regionais não sejam neutralizados por atuações tributárias conflitantes.

Por fim, destaca-se que a decisão proferida no âmbito do Tema 816 possui efeito vinculante para as demais instâncias do Poder Judiciário e para a Administração Pública, devendo ser observada em casos idênticos, o que contribui para a uniformização da jurisprudência e para a estabilidade das relações jurídico-tributárias.

Conclusão

A decisão do STF no Tema 816 representa um marco relevante para a segurança jurídica e para a estabilidade das relações tributárias no Brasil, ao reafirmar a inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre atividades de industrialização por encomenda inseridas no processo produtivo de terceiros. O entendimento da Corte reafirma a lógica constitucional da distribuição de competências tributárias, assegurando que cada ente federativo atue dentro dos limites estabelecidos pela CF/88.

Nesse sentido, podemos dizer que o posicionamento contribui não apenas para a uniformização da jurisprudência, mas também para a previsibilidade das relações comerciais e fiscais, evitando conflitos entre as esferas municipal e Federal. Trata-se de uma vitória do princípio federativo e do respeito à legalidade tributária, aspectos essenciais para a preservação de um ambiente de negócios saudável e para a eficácia das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento industrial no país.

Alexsander Matheus Bispo Xavier
Advogado com atuação voltada para Contecioso Estratégico e Consultivo Tributário, Direito Constitucional e Direito Eleitoral. Bacharel em Direito pelo UniCeub.

Giovana Sousa Ferreira
Advogada Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito Administrativo pela FGV. MBA em Gestão Tributária pela USP. Ex-Conselheira Fiscal da International Association of Artificial Intelligence (I2AI) - Biênio 2023/2024. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF.

Gustavo Borges de Melo
Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela UDF. Especialização em Direito Civil e Processo Civil. Cursando MBA em Gestão Tributária na USP

Menndel Assunção Oliver Macedo
Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito, Estado e Constituição pelo SuiJuris. MBA na Massachusetts Institute of Business (MIB) Especialização em Contabilidade Tributária no IBET. Diretor Jurídico da Câmara Brasil-Ásia (CBA). Cientista Tributário da Federação Nacional das Operações Portuárias (FENOP).

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