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Dividendos, AVJ e o limite da realização tributável

A decisão do CARF reforça que a AVJ - Avaliação a Valor Justo não gera tributação automática sobre dividendos sem a efetiva realização do ativo. Cautela e estratégia são essenciais.

5/5/2025

A utilização da AVJ - Avaliação a Valor Justo — prevista nas normas contábeis brasileiras e referenciada na lei 12.973/14 — permite ajustar o valor contábil de ativos ao seu valor de mercado. Embora, em tese, a AVJ não devesse produzir efeitos tributários imediatos, seu uso como fundamento para a distribuição de dividendos tem provocado relevantes discussões jurídicas, especialmente diante da interpretação fiscal acerca da sua "realização indireta".

No julgamento do processo administrativo 11052.720011/2019-39, o CARF enfrentou a controvérsia de forma emblemática. No caso, uma sociedade empresária avaliou a valor justo um imóvel de sua propriedade, registrando contabilmente um ganho expressivo, superior a R$ 170 milhões. Posteriormente, esse valor foi incorporado ao lucro e serviu de base para a distribuição de dividendos.

A Receita Federal considerou que a operação teria configurado a realização do ativo, o que ensejaria a incidência de IRPJ e CSLL — resultando em lançamento fiscal que ultrapassou R$ 20 milhões. Contudo, a decisão do CARF foi favorável ao contribuinte, reconhecendo que a mera distribuição de dividendos com base em lucro decorrente de AVJ não caracteriza, por si só, a realização tributária prevista no art. 13, §1º, da lei 12.973/14. Para que se configure a tributação, seria necessária a ocorrência de eventos como alienação, baixa, depreciação, amortização ou exaustão do ativo — o que não se verificou no caso.

A relevância desse precedente transcende o caso concreto. Ao reafirmar a neutralidade fiscal da AVJ até sua efetiva realização, o CARF reforça a segurança jurídica dos planejamentos patrimoniais e impede interpretações fiscais ampliativas que extrapolem o texto legal. Entretanto, a decisão exige cautela. O uso da AVJ em operações que envolvam aumento artificial de capital, emissão de cotas com base em valores reavaliados, ou estratégias de redução de ITBI, pode caracterizar realização do ativo e ensejar tributação. Nestes casos, o ajuste contábil se confunde com efetivas operações patrimoniais, afastando a neutralidade fiscal pretendida.

Outro ponto relevante é que a AVJ apenas pode ser aplicada a bens já incorporados formalmente ao patrimônio da empresa. Qualquer tentativa de reavaliar ativos ainda não transferidos configura erro de premissa, expondo o contribuinte a riscos relevantes de autuação fiscal. O elemento central, portanto, reside na efetividade econômica e na intenção da operação. A utilização prudente da AVJ, em conformidade com a legislação e com demonstrações contábeis idôneas, é legítima e pode se revelar eficiente para fins societários e de distribuição de dividendos isentos.

A decisão do CARF, embora ainda isolada, oferece importante contribuição para a interpretação da AVJ sob a ótica da segurança jurídica e da legalidade tributária. Contudo, o cenário requer vigilância contínua, dada a ausência de jurisprudência administrativa e judicial consolidada sobre o tema. Em tempos de crescente sofisticação dos planejamentos patrimoniais, compreender os limites contábeis, fiscais e societários da AVJ é imprescindível para a construção de estruturas sólidas e sustentáveis.

Nicole Dubut Cruz
Mestre em Direito Internacional pela Miami University of Science and Technology, especialista em Direito Tributário, fundadora do Dubut Advocacia e CEO do Jusneural.

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