O instituto do amicus curiae (do latim, e que significa "amigo da corte") tem suas origens ligadas ao Direito romano, que admitia que pessoas não relacionadas diretamente aos conflitos analisados, pudessem fornecer informações para auxiliar os magistrados a decidir em determinados casos, especialmente os mais complexos.
Foi no sistema da common law britânico e norte-americano que o instituto se desenvolveu e se estruturou, alertando magistrados sobre precedentes ignorados, bem como com o fornecimento de dados científicos para fundamentar as decisões.
No Brasil, as leis 9.868/1999 e 9.882/1999 previram a atuação do “amigo da corte” em sede de ADIn e ADPF, o que oportunizou que se tornassem determinantes em temas como: a união estável entre pessoas do mesmo sexo, pesquisas com células-tronco embrionárias, interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol, entre outros.
Mais recentemente o CPC regulamentou a temática, em seu art. 138:
Do amicus curiae
Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.
§ 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º.
§ 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.
§ 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.
A regra, portanto, é que o amicus curiae não possui legitimidade recursal, salvo exceções interpretadas também com certa restrição pelo STJ e STF. Afinal, seu caráter no sistema processual brasileiro é essencialmente colaborativo e não litigante.
Mesmo com as suas peculiaridades, que o diferenciam do sistema judiciário tradicional, o TCU - Tribunal de Contas da União também tem admitido a figura do amicus curiae no âmbito de seus julgamentos. Se os órgãos de controle externo desempenham papel essencial na fiscalização da correta aplicação dos recursos públicos e na promoção da accountability, a participação de entidades da sociedade civil é uma tendência crescente.
Assim, se uma pessoa física ou jurídica, detentora de notório conhecimento técnico ou experiência sobre determinado tema, tem condições de colaborar com informações qualificadas e opiniões relevantes em um processo — seja judicial ou de fiscalização e controle.
Contudo, isso não confere legitimidade para atuar como parte processual no TCU, pelo caráter acessório e limitado da sua participação.
Desde o acórdão 2.281/13 – plenário, que teve como relator o ministro Weder de Oliveira, firmou-se no TCU o seguinte entendimento: “Amicus curiae e ‘parte interessada’ são categorias jurídico-processuais distintas”. Inclusive, anteriormente a Corte de Contas da União afastava completamente a aplicabilidade do instituto nos processos em tramitação, como se verifica no acórdão 2.008/15-plenário, sob a relatoria do ministro Vital do Rêgo: “A figura do amicus curiae (amigo da corte), prevista na Lei 9.868/1999, não encontra guarida no rito processual do TCU, definido por seu Regimento Interno e pela Lei 8.443/1992”.
Entretanto, a temática evoluiu, especialmente depois que o CPC incorporou, em seu art. 138: “a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada”, que gerou a aplicação subsidiariamente do instituto no TCU. Assim, no acórdão 1.659/16-plenário, cuja relatora foi a ministra Ana Arraes, se pode ler: “É possível admitir o ingresso de associação em processo do TCU na condição de amicus curiae”.
Já no acórdão 1.550/17-plenário, relator: Walton Alencar Rodrigues, ficou assentado que: “Não há direito subjetivo de órgão ou entidade, estatal ou não, de participar do processo na qualidade de amicus curiae”, pois se trata de “faculdade exclusiva do relator que preside o processo”. Também foi estabelecido jurisprudencialmente no acórdão 1.981/17-plenário, cujo relator foi o ministro Weder de Oliveira, que “Não cabe recurso contra decisão que indefere pedido de terceiro para ingresso nos autos como amicus curiae”.
Também merecem destaque os acórdãos 2.916/19-plenário e 687/22-plenário. O primeiro, relatado pelo ministro Marcos Bemquerer deixou registrado, quanto às faculdades processuais do amicus curiae em processos no âmbito do TCU que “se limitam, em regra, além do fornecimento de subsídios à solução da causa, à apresentação de memoriais e à produção de sustentação oral, ressalvado o disposto no art. 138, § 2º, do CPC”.
O segundo, cujo relator foi o ministro Walton Alencar Rodrigues, admitiu a atuação do amicus curiae no TCU, por aplicação subsidiária do CPC, mas reforçou, baseado na doutrina processualista, o cumprimento de determinados requisitos:
i) a relevância da matéria, que requer que a questão jurídica objeto da controvérsia extrapole os interesses subjetivos das partes; ii) a especificidade do tema, que se relaciona com o conhecimento técnico ou científico do postulante acerca do objeto da demanda, potencialmente útil à formação de convicção pelo julgador sobre a matéria de direito; e iii) a representatividade adequada, fundamentada na necessidade de que o postulante defenda os interesses gerais da coletividade ou daqueles que expressem valores essenciais de determinado grupo ou classe, necessitando que os fins institucionais da pessoa (física ou jurídica, órgão ou entidade especializada) tenham relação com o objeto do processo.
Diante desse cenário evolutivo, embora o TCU tenha adotado uma postura mais aberta quanto à admissão do amicus curiae, permanece a busca pela clareza e rigor ao estabelecer os limites de sua atuação. Sempre reafirma que a admissão do instituto não se trata de equiparação com as partes processuais e apresenta novas respostas para novas situações.
No recente e importante acórdão 789/25 – plenário, o ministro Marcos Bemquerer, em sede de embargo, cuidou de reafirmar “as faculdades processuais do amigo da corte”. No caso julgado, uma pessoa jurídica havia sido admitida como amicus curiae, com o objetivo de “ampliar o debate”, em uma complexa auditoria. Desde o início, foram definidos limites objetivos de sua atuação processual. Ainda assim, foram interpostos embargos de declaração.
O ministro relator, fundamentado em julgados da Corte de Contas (alguns supracitados) e do STF (ADPF 588. relator ministro Luis Roberto Barroso; ADIn 3.406. relatora ministra Rosa Weber) decidiu, no que foi acompanhado pelo plenário, que não cabe ao amicus curiae “participar de fases processuais já superadas”, tampouco apresentar argumentos com caráter recursal, como se fosse parte do processo. O sumário do acórdão é bastante esclarecedor, in verbis:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR ENTIDADE AUTORIZADA A INGRESSAR NO PROCESSO COMO AMICUS CURIAE. FIXAÇÃO DAS FACULDADES PROCESSUAIS DO AMIGO DA CORTE. ARRAZOADO QUE OBJETIVA REDISCUTIR QUESTÕES ANTERIORMENTE ASSENTADAS PELO TRIBUNAL E VERGASTAR O ACÓRDÃO 456/2025 - PLENÁRIO. TERCEIRO INTERVENTOR NÃO PODE EXERCER PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DE PARTE NO PROCESSO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS E REGULAMENTARES APLICÁVEIS AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.
Destarte, mesmo que seja inegável a contribuição do amicus curiae para o bom debate jurídico, ele não adquire plenas prerrogativas de parte processual. Tal compreensão mantém-se consonante com a natureza do instituto, cuja função primordial é auxiliar na formação do convencimento do julgador, sem, contudo, interferir na dinâmica do contraditório estabelecido entre as partes legítimas e nem agir como parte interessada, disfarçada como “amigo”.
A delimitação desses contornos, no âmbito do TCU, representa importante conquista no campo jurisprudencial, permitindo conciliar à participação da sociedade civil nos processos de controle externo, com a segurança jurídica, celeridade e racionalidade processual.