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Tímidas reflexões sobre o impacto das tarifas aduaneiras de Trump nos contratos internacionais: Aspectos jurídicos e a eficácia da arbitragem

Tarifas de Trump desafiam contratos globais e destacam arbitragem e força maior como chaves para mitigar riscos.

13/5/2025

A recente implementação de tarifas aduaneiras pela administração Trump gerou considerável instabilidade nos mercados globais.

Embora os Estados Unidos tenham posteriormente recuado em muitas dessas medidas iniciais, que previam tarifas de até 50% sobre importações de países com significativo déficit comercial, essa guinada protecionista levanta importantes questões jurídicas, especialmente no âmbito contratual internacional.

Em um cenário econômico volátil como o atual, a arbitragem se destaca como um mecanismo crucial para a resolução de disputas.

Aumento de tarifas aduaneiras:

Seria o caso de força maior?

Os efeitos das tarifas aduaneiras foram imediatos e abrangentes: redução das margens de lucro, desorganização das cadeias de suprimentos, suspensão de projetos e fragilização de joint ventures.

Diante desse cenário, é inevitável que a força maior venha a ser invocada em disputas comerciais, levantando questões inéditas no direito contratual.

A análise da força maior em contratos internacionais exige uma avaliação circunstanciada, vinculada à redação contratual e à legislação aplicável.

Em geral, a força maior é definida como um evento que escapa ao controle do devedor, sendo razoavelmente imprevisível no momento da celebração do contrato e cujos efeitos não podem ser evitados por medidas adequadas, impossibilitando o cumprimento da obrigação (imprevisibilidade, exterioridade e impossibilidade).

Contudo, a definição legal pode ser derrogada por estipulações contratuais, que podem modificar as condições de aplicação, bem como ampliar ou restringir seu escopo.

A inclusão expressa de atos de governo ou mudanças regulatórias como eventos de força maior em uma cláusula contratual poderia assegurar sua aplicação em casos de alterações tarifárias.

No entanto, antecipar todas as possibilidades na fase de redação contratual é complexo. Ao adotar a definição legal sem ajustes contratuais, embora a exterioridade das medidas (emanadas de um Estado terceiro às partes) possa ser considerada estabelecida, os critérios de impossibilidade e imprevisibilidade demandam uma análise mais cautelosa.

O critério de impossibilidade é estrito, conforme reiterado pela jurisprudência e doutrina, que não consideram o aumento do ônus financeiro ou a maior dificuldade na execução como caracterizadores de impossibilidade.

Portanto, seria de todo oportuno, senão necessário demonstrar que as tarifas aduaneiras tornam materialmente impossível o cumprimento da obrigação contratual, um cenário que, embora não inverossímil (como demonstrado pelo fechamento de plantas de produção no México voltadas ao mercado americano), requer prova robusta.

A imprevisibilidade, por sua vez, suscita debates mais amplos. Embora as tensões comerciais, especialmente entre China e Estados Unidos, fossem notórias, a magnitude, o caráter expressivo das medidas anunciadas, seu método de cálculo (vinculado ao déficit comercial bilateral) e sua rápida evolução poderiam fundamentar um argumento de imprevisibilidade.

Na ausência dos requisitos da força maior, outros mecanismos contratuais, comuns em contratos internacionais, poderiam ser acionados, como cláusulas de hardship ou imprevisão, e cláusulas de revisão de preços, que permitem a renegociação dos termos contratuais em caso de alteração fundamental do equilíbrio econômico inicial.

Contudo, a volatilidade da política comercial americana pode dificultar a implementação desses mecanismos de negociação, paradoxalmente criando um ambiente propício a litígios.

Arbitragem e Urgência: Uma Combinação Eficaz?

No âmbito processual, a arbitragem internacional desempenha um papel crucial.

Em um contexto de economia globalizada, a arbitragem já se consolidou como um meio eficaz de resolução de disputas comerciais relacionadas a eventos como a pandemia de COVID-19 e as flutuações no mercado de energia decorrentes de tensões geopolíticas.

Atualmente ‘quase ‘ indispensável para a resolução de controvérsias em contratos internacionais, a arbitragem evoluiu para oferecer procedimentos de urgência, particularmente relevantes diante de alterações no equilíbrio contratual.

Assim, a inclusão de cláusulas compromissórias nos contratos torna-se ainda mais essencial.

Diversas instituições arbitrais, como a CCI (Câmara de Comércio Internacional), possibilitam a nomeação de um árbitro de urgência em poucos dias para preservar o status quo e os interesses das partes contratuais. Casos como o Al Raha Group, onde a força maior foi invocada devido a novas regulamentações migratórias, e o caso Luzar, relacionado a uma explosão portuária nos EUA, bem ilustram a intervenção eficaz de árbitros de urgência para ordenar a suspensão de rescisões contratuais e analisar a alegação de impossibilidade de cumprimento.

A jurisprudência e a prática arbitral oferecem valiosos e pontuais ensinamentos para os atores econômicos que enfrentam perturbações abruptas em seus ambientes contratuais devido às tarifas aduaneiras americanas.

Nesses casos, a arbitragem demonstra a eficácia de suas ferramentas para fornecer respostas adequadas, mesmo em situações de urgência.

Em suma, a crise das tarifas "Trump", os distúrbios econômicos resultantes e os litígios contratuais associados servem como um importante lembrete de que, em um mundo instável, a antecipação contratual e a agilidade processual são ativos cruciais para as empresas.

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“A ameaça de tarifas aduaneiras de Trump faz tremer a indústria automotiva do México", Le Monde, 1 de abril de 2025

Al Raha Group c. PKL Services, Caso AAA-ICDR n° 01-18-0003-0632, Ordem de Urgência Provisória, 27 de agosto de 2018

Luzar Trading, S.A. v. Tradiverse Corporation, Caso AAA-ICDR n° 01-18-0003-0504, Ordem de Urgência Provisória, 29 de agosto de 2023

Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade
Migalheira desde abril/2020. Advogada, sócia fundadora do escritório Figueiredo Ferraz Advocacia. Graduação USP, Largo de São Francisco, em 1.981. Mestrado em Direito do Trabalho - USP. Conselheira da OAB/SP. Conselheira do IASP. Diretora da AATSP.

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