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Debates contemporâneos: O marco temporal para aplicação da súmula 385 do STJ

O dano moral presumido pela negativação indevida é amplamente conhecido. A preexistência de restrição legítima como óbice à indenização também. Assim, cabe ao operador do Direito debater a relativização da matéria pelos Tribunais.

14/5/2025

É de conhecimento geral entre os operadores do Direito que o dano moral, enquanto ofensa aos direitos individuais da personalidade, configura-se, em caráter presumido, na hipótese de inscrição indevida de dívidas em cadastros de inadimplentes.

Isto porque a popular “negativação indevida” representa patente violação à honra dos consumidores lesados; sobretudo aquela de caráter objetivo, entendida como o juízo que terceiros – no caso, potenciais credores – fazem da conduta social de determinado indivíduo. O “nome sujo” por uma dívida inscrita junto aos órgãos de proteção ao crédito certamente afeta a percepção dos demais credores sobre a conduta contratual do cidadão negativado, comprometendo, ao menos em tese, a realização de novos negócios.

Assim, inicialmente, em observância ao princípio legal que confere aos consumidores a presunção de hipossuficiência em relação aos fornecedores, o entendimento jurisprudencial se manteve firme na assertiva de dano moral presumido e indenizável nos casos de negativação indevida, pouco importando o estado em que se encontrava o consumidor à época do apontamento restritivo.

Todavia, já em meados do ano de 2009, após a ampliação do número de precedentes que compreendiam que a situação de negativação não acarretaria gravames morais na vida de consumidores já comprometidos por inscrições restritivas preexistentes, a 2ª seção do STJ apresentou a súmula 385, afirmando inexistir direito à reparação moral quando já houvesse, à época da negativação irregular, inscrição anterior legítima.

Fato é que o serviço prestado pelos órgãos de proteção ao crédito possui relevante função socioeconômica, uma vez que disponibilizam informações imprescindíveis à mitigação de riscos nas relações de crédito. Assim, a inserção indevida de registros, tem dado ensejo a incontáveis ações indenizatórias, que buscam a compensação moral pelo prejuízo à credibilidade do consumidor.

Entretanto, a controvérsia ora abordada exsurge a partir da análise de casos concretos de distinção da matéria sumulada, ou seja, quando a negativação indevida ocorre em momento no qual já subsiste registro restritivo anterior legítimo. Nesta hipótese, ainda que consagrada a chamada "exceção da pré-negativação", é possível identificar uma lacuna dramática na aplicação desse entendimento: o marco temporal empregado para verificar a preexistência de inscrições restritivas.

Muito embora a cognição consolidada pela mais recente jurisprudência do STJ observe que o marco utilizado para aferir a existência de anotações pretéritas e a incidência (ou não) da súmula 385 é a data em que se deu a inscrição restritiva impugnada (vide AgInt no REsp 2.153.829/PR -2024/0233862-9), há quem se posicione na contracorrente do Tribunal Superior, relativizando a matéria sumulada a partir da constatação de que as negativações preexistentes foram excluídas, seja antes ou mesmo após o ajuizamento da ação.

A título exemplificativo, merece atenção a exegese recentemente empregada pela 12ª Câmara de Direito Privado do E. TJ/SP, no julgamento da apelação cível de 1052921-68.2022.8.26.0576, a partir do qual afirmou-se que, embora constassem restrições anteriores em nome da autora, considerando que todas foram excluídas antes do ajuizamento da ação em comento, o provimento do pleito indenizatório se imporia, à revelia da condição de inadimplência já estabelecida em prejuízo da consumidora à época.

Todavia, conforme brilhantemente elucidado pelo exmo. ministro Luís Felipe Salomão nos autos do arresto supracitado, não há dúvidas de que o marco temporal para a análise da ocorrência ou não de prejuízo moral deve pautar-se pela data do suposto ilícito, reforçando que alterações posteriores nos cadastros em nada interferem na configuração do dano, pois, de fato, a existência de histórico de endividamento e inadimplência prévios já é suficiente para abalar, por si só, a confiança dos credores.

Sendo assim, o debate sobre o marco temporal para aplicação da súmula 385 do STJ revela importantes interpretações que impactam diretamente a segurança jurídica e a proteção da dignidade do consumidor. Embora o entendimento consolidado pelo STJ entenda como parâmetro a data da negativação impugnada para aferição da legitimidade de restrições preexistentes, a realidade jurídica demonstra que parte da jurisprudência tem relativizado esse marco, valorizando, até mesmo, circunstâncias como a exclusão posterior das restrições anteriores. Essa tensão entre a literalidade da súmula e a interpretação contextualizada dos tribunais locais indica a necessidade de amadurecimento do tema, a fim de garantir maior uniformidade nas decisões judiciais, respeitando tanto a função socioeconômica dos cadastros restritivos quanto o direito à reparação moral nos casos de violação indevida à honra do consumidor. Portanto, acreditamos que a matéria ainda em construção, cujo enfrentamento demanda equilíbrio entre a proteção dos direitos da personalidade e a preservação da coerência sistêmica do ordenamento jurídico.

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1 Flexibilização da súmula 385 do STJ admite indenização por danos ... Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/328206/flexibilizacao-da-sumula-385-do-stj-admite-indenizacao-por-danos-morais-mesmo-com-inscricao-preexistente. Acesso em: 28 abr. 2025.

2 Necessidade de superação do entendimento firmado na súmula 385 do STJ. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/345377/necessidade-de-superacao-do-entendimento-firmado-na-sumula-385-do-stj. Acesso em: 28 abr. 2025. 

3 STJ - Decisões Monocráticas. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?livre=RESP+2153829&operador=e&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T. Acesso em: 29 abr. 2025. 

4 Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: 1052921-68.2022.8.26.0576 São José do Rio Preto | Jurisprudência. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/2743612006/inteiro-teor-2743612010?origin=serp. Acesso em: 28 abr. 2025. 

Fabiana Barbassa
Sócia de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, com atuação nas áreas Civil e Recuperação de Crédito.

Isabela Tazinaffo Gaona
Advogada no escritório Brasil Salomão e Matthes advocacia. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela PUCRS. Graduada pela Faculdade de Direito de Franca

Maria Julia de Castro e Sousa
Advogada no escritório Brasil Salomão e Matthes advocacia. Mestranda em Direito pela UNESP/Franca. Graduada pela Faculdade de Direito de Franca

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