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Prazos para as Fazendas Públicas. A resolução 569/24 do CNJ?

Resolução 569/24. Utilização do domicílio judicial eletrônico e do DJEN - Diário de Justiça Eletrônico Nacional.

21/5/2025

A expressão Fazenda Pública refere-se ao conjunto de pessoas de direito público que atuam na administração direta e indireta do Estado, nelas compreendidas União, os Estados, os municípios, o Distrito Federal e suas respectivas autarquias e fundações públicas.

No ordenamento jurídico brasileiro, às Fazendas Públicas são conferidas prerrogativas processuais, visando a proteção do interesse público e a peculiaridade de sua atuação em juízo.

Destacam-se dentre essas prerrogativas, aquela prevista no caput do art. 183 do CPC que estabelece o prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais e a intimação pessoal, que far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.

Tais prerrogativas são necessárias porque a Fazenda Pública tutela o interesse público e confere condição diferenciada das demais pessoas físicas ou jurídicas de Direito Privado.

Trata-se de norma fundamental que busca equilibrar a celeridade processual com a necessidade de organização e tramitação interna dos entes públicos, que frequentemente lidam com um volume massivo de processos e exigem procedimentos administrativos específicos para a tomada de decisões e o cumprimento de atos processuais.

No que diz respeito à prerrogativa do prazo em dobro, Leonardo Carneiro da Cunha leciona:

A Fazenda Pública desfruta da prerrogativa dos prazos diferenciados não somente quando atua como parte, mas também quando comparece em juízo como assistente de uma das partes ou, ainda, quando figura como interveniente. Observe-se, a propósito, que o art. 183 do CPC dispõe que a Fazenda Pública goza de prazo em dobro em todas as suas manifestações processuais, seja a que título for: como parte ou como interveniente.

Ressalta-se no entanto, que, em algumas situações não aplicam o prazo em dobro do art. 183 do CPC, quais sejam: prazo para contestar ação popular (art. 7°, IV da lei 4.717/1965), prazos nos Juizados Federais (art. 9° da lei 10.529/01), prazos nos Juizados da Fazenda Pública (art. 7° da lei 12.153/09), impugnação ao cumprimento de sentença (art. 535 do CPC), impugnação de execução fundada em título extrajudicial (art. 910 do CPC), prazos na ação direta de inconstitucionalidade, prazos na ação declaratória de constitucionalidade (lei 9.868/1999), prestar informações em mandado de segurança (art. 7°, I da lei 12.016/09), ajuizar ação rescisória (art. 975 do CPC).

Quanto à intimação pessoal, por sua vez, tradicionalmente implica na entrega direta do ato processual a um representante legal do ente público, garantindo a efetiva ciência e o início da contagem do prazo.

Especificamente quanto às citações e intimações das Fazendas Públicas, a dinâmica no âmbito do Estado de São Paulo tem sido moldada pela evolução dos sistemas processuais eletrônicos e por normativas internas do Tribunal de Justiça.

Atualmente, para os processos digitais que tramitam em todas as competências, as citações e intimações destinadas à Fazenda Pública estadual, municipal, suas autarquias e fundações são realizadas por meio eletrônico, utilizando o Portal Eletrônico.

Essa sistemática está consolidada nos comunicados conjuntos 508/18 e 418/20, que visam uniformizar e modernizar a comunicação processual, alinhando-se à digitalização crescente do Judiciário.

Adicionalmente, no que concerne especificamente às execuções fiscais, as Fazendas Públicas municipais e suas autarquias e fundações possuem a obrigação de realizar o cadastro previsto no item 1 do comunicado 262/15.

Assim, no cenário paulista, a regra geral vigente para processos digitais é a citação e intimação da Fazenda Pública estadual e municipal, suas fundações e autarquias, em qualquer competência, pelo portal eletrônico, conforme reiterado pelos comunicados conjuntos 508/18 e 420/20, o que não ocorre para a Fazenda Pública Federal e suas autarquias (com a notável exceção do INSS, que possui regramento específico nos comunicados conjuntos 527/19 e 1.383/18) e continuam a ser realizadas pelo modo convencional, observadas as especificidades locais, conforme dispõe o comunicado conjunto 617/16.

Essa distinção entre entes federativos e modalidades de processo reflete a complexidade da transição para o processo integralmente eletrônico e a necessidade de coordenação entre diferentes esferas do Poder Judiciário e da Administração Pública.

Nesse contexto de diversos atos infralegais complementares, da necessidade de digitalização de processos e na busca por maior eficiência, o CNJ editou a resolução 569, de 13/8/24, que altera a resolução CNJ 455/22 para disciplinar a utilização do domicílio judicial eletrônico e do DJEN - Diário de Justiça Eletrônico Nacional.

Referida normativa introduz mudanças significativas na forma como as citações e intimações são realizadas e, consequentemente, na contagem dos prazos processuais para as Fazendas Públicas, buscando uniformizar procedimentos em nível nacional e superar discrepâncias interpretativas, conforme destacado nos considerandos da própria resolução.

Uma das principais alterações promovidas pela resolução CNJ 569/24 reside na disciplina da contagem dos prazos processuais nos casos em que a lei não exigir vista ou intimação pessoal. O art. 1º da nova resolução modifica o § 3º do art. 11 da resolução CNJ 455/22 para estabelecer que, nesses casos, os prazos processuais serão contados a partir da publicação no DJEN, na forma do art. 224, §§ 1º e 2º, do CPC, possuindo valor meramente informacional qualquer comunicação concomitante por outros meios. Isso significa que a publicação no DJEN passa a ser o marco oficial para o início da contagem do prazo, substituindo outras formas de comunicação para determinados atos.

Além disso, a resolução 569/24 redefine a utilização do domicílio judicial eletrônico. O art. 2º altera o art. 18 da resolução CNJ 455/22 para determinar que o domicílio judicial eletrônico será utilizado exclusivamente para citação por meio eletrônico e comunicações processuais que exijam vista, ciência ou intimação pessoal da parte ou de terceiros, com exceção da citação por edital, que será realizada via DJEN.

Essa delimitação clara do escopo do domicílio judicial eletrônico denota a preocupação de evitar confusões e garantir que as comunicações mais relevantes, como a citação inicial, sejam direcionadas a essa plataforma específica.

As mudanças mais impactantes para as pessoas jurídicas de direito público, incluindo as Fazendas Públicas, estão detalhadas nos §§ 3º-A e 3º-B, acrescidos ao art. 20 da resolução CNJ 455/22 pelo art. 3º da resolução 569/24. O § 3º-A estabelece que, no caso das pessoas jurídicas de direito público, não havendo consulta à citação enviada ao domicílio judicial eletrônico no prazo de até 10 dias corridos, contados do envio, o ente será considerado automaticamente citado na data do término desse prazo.

É expressamente ressalvado que o disposto no art. 219 do CPC (que trata da contagem de prazos em dias úteis) não se aplica a esse período de 10 dias corridos para a consulta da citação, o que sugere que tal regra busca garantir a efetividade da citação eletrônica, estabelecendo uma presunção de ciência após um período razoável para acesso à comunicação, o que pode gerar preocupações, especialmente no âmbito das Administrações Públicas municipais, que de um modo geral não dispõem muitas vezes de computadores e internet para acesso às rotinas mais básicas.

Complementando essa regra, o § 3º-B do art. 20 dispõe que, no caso de consulta à citação eletrônica dentro dos prazos previstos nos §§ 3º (para pessoas jurídicas de Direito Privado) e 3º-A (para pessoas jurídicas de direito público), o prazo para resposta começa a correr no quinto dia útil seguinte à confirmação da leitura, disposição que busca alinhamento com a contagem do prazo de resposta à sistemática do CPC.

Por fim, o art. 4º da resolução 569/24 altera o § 4º do art. 20 da resolução CNJ 455/22 para tratar das demais intimações pessoais. Para os casos que exijam intimação pessoal (que não sejam citação), não havendo aperfeiçoamento (confirmação de leitura) em até 10 dias corridos a partir da data do envio da comunicação processual ao domicílio judicial eletrônico, esta será considerada automaticamente realizada na data do término desse prazo, nos termos do art. 5º, § 3º, da lei 11.419/06 (lei do processo eletrônico). Assim como na citação, o art. 219 do CPC não se aplica a esse período de 10 dias corridos para a confirmação da intimação pessoal.

Em suma, a resolução CNJ 569/24 se apresenta como um ato infralegal que busca a uniformização da comunicação processual eletrônica, impactando diretamente a contagem dos prazos para as Fazendas Públicas.

Ao estabelecer normativas para a citação e intimação via domicílio judicial eletrônico e DJEN, com prazos específicos para a consulta e presunção de ciência, a resolução busca conferir segurança jurídica e eficiência aos atos processuais, superando as particularidades e, por vezes, a fragmentação das normativas locais, como os comunicados do TJ/SP.

Embora as prerrogativas do art. 183 do CPC, como o prazo em dobro, permaneçam intocadas em sua essência, a forma de contagem e o marco inicial desses prazos são significativamente alterados pela nova disciplina do CNJ, exigindo a adaptação dos procedimentos pelos tribunais e pelos próprios entes públicos, conforme previsto no art. 5º da resolução, que concedeu o prazo de até 90 dias para essa adequação.

Portanto, já em vigor desde o dia 16/5/25, a contagem dos prazos processuais para as Fazendas Públicas no Estado de São Paulo, no que tange às comunicações eletrônicas, seguirá as orientações complementares trazidas pela resolução CNJ 569/24.

Richard Bassan
Advogado. Doutorando em direito, pós graduando em PE, venture capital e M&A. Mestre em economia e mercados e mestre em direito. Cartão digital Juscontact: http://www.juscontact.com.br/richardbassan

Renato Passos Ornelas
Mestre em Direito e Gestão de Conflitos pela Universidade de Araraquara (UNIARA). Professor Titular e Coordenador do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Amparense (UNIFIA).

Jessé Rodrigues Vieira
Advogado, procurador do município. Pós-graduado em processo civil e direito público.

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