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Medicamentos não disponíveis no SUS: Quando ainda é possível conseguir pela Justiça?

Pacientes que precisam de medicamentos que não são fornecidos pelo SUS: Quais passos são essenciais para garantir o acesso judicial?

4/6/2025

Introdução

A recente decisão do STF no Tema 6, proferida em setembro de 2024, representa um marco na judicialização da saúde pública no Brasil. Ao julgar a tese vinculante sobre o fornecimento de medicamentos não incorporados às listas oficiais do SUS, a Corte definiu que a concessão judicial desses tratamentos passa a ser excepcional, condicionada ao preenchimento de requisitos cumulativos.

Embora tenha restringido o acesso indiscriminado a medicamentos fora do rol do Sistema Único de Saúde, a decisão não suprimiu o direito constitucional à saúde, consagrado no art. 196 da Constituição Federal, mantendo a possibilidade de concessão judicial em situações excepcionais. Para isso, é necessário preencher seis critérios cumulativos, que são essenciais para fundamentar o pedido.

Veja neste artigo quais são esses critérios e o que pacientes e advogados precisam reunir para ingressar com uma ação judicial viável.

O que a decisão do STF exige para que o medicamento não incorporado seja fornecido judicialmente?

De acordo com a tese fixada pela Suprema Corte, o fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS somente será admitido judicialmente quando cumulativamente preenchidos seis requisitos objetivos.

Vejamos:

  1. Pedido administrativo prévio indeferido: O interessado deve comprovar que requisitou formalmente o medicamento ao SUS — por meio de protocolo junto à Secretaria de Saúde municipal ou estadual — e que o pedido foi negado expressamente. Essa negativa precisa estar documentada nos autos.
  2. Irregularidade na avaliação de incorporação: É necessário demonstrar que houve omissão, demora irrazoável ou vício técnico no processo de análise da tecnologia em saúde, conforme conduzido pela Conitec - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Essa irregularidade deve estar devidamente apontada e fundamentada.
  3. Ausência de substituto terapêutico na rede pública: O paciente precisa provar que não há qualquer alternativa terapêutica similar ou equivalente disponibilizada pelo SUS que possa substituir o medicamento pleiteado. A prescrição médica deve indicar expressamente a necessidade exclusiva da substância solicitada, vedando alternativas genéricas ou terapias intercambiáveis.
  4. Evidências científicas de eficácia e segurança: O medicamento deve contar com comprovação científica robusta, lastreada em evidências de alto grau de confiabilidade — como estudos clínicos em fase III, revisões sistemáticas ou metanálises publicadas em periódicos de impacto. A ausência de aprovação pela Anvisa não é, por si só, impeditiva, mas fragiliza a prova da eficácia.
  5. Imprescindibilidade terapêutica devidamente atestada: O profissional de saúde responsável pelo acompanhamento do paciente deve declarar, de forma fundamentada, que o medicamento pleiteado é imprescindível para o êxito terapêutico, seja para remissão do quadro clínico, seja para contenção de agravamento ou progressão da enfermidade.
  6. Comprovação de hipossuficiência financeira: Por fim, deve-se demonstrar que o paciente não possui condições financeiras de custear o tratamento por meios próprios. A comprovação pode se dar mediante declaração de hipossuficiência, documentos de renda, extratos bancários e outros meios adequados à instrução processual.

A ausência de qualquer um desses requisitos ensejará o indeferimento do pedido, conforme orientação vinculante fixada pelo STF.

Direito à saúde permanece garantido: Restrição não é proibição

Apesar do rigor técnico imposto, é fundamental destacar que a decisão do STF não eliminou o direito à judicialização da saúde, tampouco impediu a concessão de medicamentos de alto custo fora do rol oficial. Ela "apenas dificultou" o acesso.

A Corte reforçou a necessidade de um maior grau de responsabilidade processual, por parte dos advogados e da Administração Pública.

O princípio da dignidade da pessoa humana e a eficácia imediata dos direitos sociais permanecem plenamente válidos.

A atuação judicial segue sendo cabível e necessária, sobretudo em contextos de omissão estatal, ineficiência administrativa ou quando a análise técnica de incorporação se mostra falha ou desatualizada diante da evolução médica e científica.

Como os pacientes devem agir diante da negativa do SUS

Com a nova diretriz fixada pelo STF, a atuação do paciente e de sua família tornou-se decisiva para o êxito da judicialização.

O simples desejo ou necessidade do medicamento não é suficiente — é imprescindível documentar cada etapa do processo administrativo e clínico, com o apoio de profissionais habilitados.

Veja os cuidados que devem ser observados:

O paciente deve compreender que, embora a Justiça continue sendo um caminho possível, ele é agora mais técnico, mais exigente e menos tolerante à ausência de prova.

A conscientização e o preparo são tão importantes quanto o direito em si.

A nova realidade: Como advogados devem agir

A decisão do STF representa uma inflexão importante no modo como o Judiciário deve lidar com demandas relacionadas a medicamentos não incorporados ao SUS.

Não se trata de vedação absoluta, mas de restrição qualificada, que exige domínio técnico-jurídico, planejamento estratégico e robustez probatória.

Nesse novo cenário, advogados especializados em Direito da Saúde devem orientar os pacientes desde antes da judicialização, auxiliando na:

Do ponto de vista prático, a atuação jurídica deve se antecipar ao ajuizamento, transformando o processo em instrumento de efetivação do direito à saúde com base em critérios objetivos, e não apenas em invocações genéricas de normas constitucionais.

A nova jurisprudência exige mais preparo, mas continua permitindo a tutela do direito à vida e à saúde quando o Estado se omite ou atua com ineficiência.

Conclusão: Judicialização com estratégia é possível e necessária

A decisão do STF mudou o cenário da judicialização da saúde, mas não fechou as portas para quem realmente precisa.

Pacientes em situação de urgência, que reúnem os requisitos descritos, ainda podem buscar o tratamento necessário por via judicial.

Por isso, é fundamental contar com orientação jurídica especializada, reunir a documentação exigida e estruturar a ação com base em dados técnicos, científicos e financeiros bem demonstrados.

O direito à saúde continua assegurado pela Constituição, mas o caminho agora exige mais preparo e rigor. Pacientes e famílias precisam estar atentos — e os profissionais do Direito também.

Evilasio Tenorio da Silva Neto
Advogado especialista em Direito da Saúde e Direito Civil. Titular do TSA - Tenorio da Silva Advocacia, escritório considerado referência nacional na defesa dos usuários de planos de saúde e do SUS.

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