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Da inadequação do agravo de instrumento como meio de impugnação da decisão que autoriza o DIP Financing

O presente artigo tem por escopo demonstrar, com rigor técnico, a inadequação do agravo de instrumento como meio para impugnação imediata das decisões que versem sobre o DIP Financing, porquanto tais insurgências devem observar o procedimento específico previsto no art. 66 da lei 11.101/05.

4/6/2025

Introdução

No âmbito da recuperação judicial, assim como na seara empresarial em sentido amplo, o crédito exerce função estratégica, ao viabilizar aportes financeiros essenciais à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, bem como, aos investimentos indispensáveis à alavancagem e continuidade das atividades empresariais.

Todavia, é certo que o acesso aos créditos e investimentos está diretamente atrelado à condição econômico-financeira da empresa e, sobretudo, à sua reputação no mercado. 

Nesse contexto, a título de exemplificação, quando deferido o processamento da recuperação judicial, nos termos do art. 69 da lei 11.101/05, impõe-se a obrigatoriedade da menção da expressão “em recuperação judicial” após o nome empresarial, circunstância que, inegavelmente, impacta negativamente na percepção do mercado, restringindo de forma significativa o acesso ao crédito.

Não obstante as dificuldades enfrentadas no mercado financeiro pelas empresas em recuperação judicial, o legislador, atento à necessidade de assegurar instrumentos eficazes de soerguimento, promoveu, por meio da lei 14.112/20, substancial aprimoramento na redação da lei 11.101/05, passando a disciplinar, de forma mais clara e segura, o instituto do Debtor-In-Possession Financing ou simplesmente DIP Financing.

Tal mecanismo, viabiliza a concessão de crédito à empresa em crise econômico-financeira, assegurando-lhe os recursos indispensáveis à continuidade das atividades empresariais e à preservação da função social da empresa, conforme preconizado no art. 47 da lei 11.101/05.

Porém, embora rico no campo teórico, na prática, impõe-se exigências severas às empresas em recuperação judicial, as quais, para obterem o capital pretendido, devem, invariavelmente, ofertar garantias como, por exemplo, a constituição de alienação fiduciária sobre bens integrantes do ativo não circulante, nos moldes do art. 69-A da lei 11.101/05.

Nesse contexto, impende destacar outra questão sensível. É cediço que, diante da necessidade de ofertar garantias sobre o ativo imobilizado, muitos credores manifestam resistência, sob o receio da empresa em recuperação judicial perder o bem, caso não cumprido os termos da operação, passando, então, a intentar medidas para obstar a concessão do DIP Financing.

Contudo, uma vez regularmente autorizado o DIP Financing pelo juízo recuperacional, é comum que alguns credores adotem um caminho processualmente inadequado, ao interpor agravo de instrumento contra tal decisão, como se fosse o meio próprio para impugná-la. 

Ainda, fundamentam-se, de forma isolada, no disposto no CPC acerca do cabimento do agravo contra decisões interlocutórias, olvidando-se, entretanto, de que a matéria se submete ao procedimento especial traçado pelo art. 66, §1º, I e II da lei 11.101/05.

Do procedimento prévio ao deferimento da operação de DIP financing

O primeiro ponto que merece atenção por parte dos recuperandos e dos credores diz respeito ao caput do art. 66 da lei 11.101/05, o qual estabelece que a deliberação por parte dos credores, previamente à decisão do juízo recuperacional acerca da operação de DIP Financing, somente será obrigatória na hipótese de existência de comitê de credores. 

Ou seja, não se trata de requisito essencial a manifestação dos credores e inexistindo comitê de credores, atrai, por consequência, a aplicação subsidiária do art. 28 da mesma legislação.

No referido art. 28 da lei 11.101/05, diz-se que, inexistindo comitê de credores, cabe a Administração Judicial deliberar previamente sobre o DIP Financing e, posteriormente, seguindo-se com a autorização do juízo recuperacional. 

Art. 28. Não havendo Comitê de Credores, caberá ao administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, ao juiz exercer suas atribuições.

Na mesma ordem de ideias, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Egrégio TJ/SP, nos autos do agravo de instrumento sob 2144087-78.2024.8.26.0000, destacou que inexistindo comitê de credores, cabe ao Administrador Judicial analisar as eventuais providências e, posteriormente, basta a autorização judicial pelo juízo recuperacional para operação do DIP Financing. Observe:

Recuperação judicial. Decisão que concedeu à recuperanda, ora agravada, autorização para formalização de operação na modalidade ‘DIP Financing’, ocasião em que ofertou em garantia a mínima parte de um dos seus ativos. Irresignação do agravante. Inadmissibilidade. Requisitos legais para autorização do Financiamento DIP preenchidos. Artigo 69-A da Lei nº 11.101/2005. Ausência de comitê de credores, de modo que cabe ao Administrador Judicial manifestar-se, cuja providência já fora tomada na origem, com a posterior autorização judicial. Procedimento que não irá prejudicar o adimplemento dos créditos trabalhistas, visto que o credor financiador nada receberá antes do pagamento da Classe I. Recorrente, ademais, que não observou o critério legal para ofertar a sua impugnação na origem. Agravo desprovido. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 21440877820248260000 Barueri, Relator.: Natan Zelinschi de Arruda, Data de Julgamento: 30/09/2024, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 30/09/2024)

Assim, é certo que o procedimento prévio à decisão por parte do juízo recuperacional, passa-se pela análise do comitê de credores para eventual deliberação e, inexistindo, basta a manifestação por parte do Administrador Judicial.

Por outro lado, sobrevindo decisão que autoriza a constituição de garantia em prol da operação do DIP Financing, necessário se faz, para obstar tal operação, seguir o procedimento previsto no art. 66 da lei 11.101/05 e não a interposição do agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015 do CPC.

Da via processual adequada para impugnação da decisão que deferiu a constituição de garantias em prol do DIP Financing

É corriqueiro, na prática forense, que, após o deferimento da constituição de garantia ou oneração em favor da operação de DIP Financing, credores inconformados busquem submeter a controvérsia ao crivo do Tribunal de Justiça, sob o fundamento de tratar-se de decisão interlocutória passível de discussão por meio de agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015 do CPC.

Contudo, impende recordar que o art. 66 da lei 11.101/05, em seus parágrafos, estabelece um rito específico para impugnação da decisão que defere a constituição de garantias no âmbito do DIP Financing. 

O primeiro passo consiste na observância do §1º do referido dispositivo legal, o qual prevê que, no prazo de 5 dias contados da publicação da decisão, os credores poderão requerer a convocação de Assembleia Geral de Credores ao Administrador Judicial, com a finalidade exclusiva de deliberar sobre a operação. Para tanto, exige-se, cumulativamente, o oferecimento de caução integral correspondente ao valor da alienação ou oneração e a reunião de, no mínimo, 15% dos credores titulares de créditos sujeitos à recuperação judicial. Senão veja:

Art. 66. (...)   § 1º Autorizada a alienação de que trata o caput deste artigo pelo juiz, observar-se-á o seguinte: 

I - nos 5 (cinco) dias subsequentes à data da publicação da decisão, credores que corresponderem a mais de 15% (quinze por cento) do valor total de créditos sujeitos à recuperação judicial, comprovada a prestação da caução equivalente ao valor total da alienação, poderão manifestar ao administrador judicial, fundamentadamente, o interesse na realização da assembleia-geral de credores para deliberar sobre a realização da venda; 

A exigência da caução decorre, pois, a insurgência sem qualquer lastro jurídico por parte de um credor, pode prejudicar a empresa em recuperação judicial como, por exemplo, da desistência do próprio investidor em fomentar o negócio por meio do DIP Financing.

Ou seja, a caução possui como finalidade precípua resguardar o devedor em recuperação judicial de eventuais prejuízos decorrentes da convocação da Assembleia Geral de Credores, especialmente quando tal medida possa culminar no afastamento do investidor interessado no fomento, bem como, na garantia ofertada.

Ainda, como se depreende do dispositivo legal, a primeira oportunidade de insurgência não se dá por meio da interposição de agravo de instrumento, mas, sim, mediante manifestação formal dirigida ao Administrador Judicial no prazo de 5 dias, contados da publicação da decisão que autorizou a constituição da garantia em prol do DIP Financing. Trata-se, pois, de uma medida processual específica prevista na lei 11.101/05, que visa resguardar o contraditório dentro dos autos da recuperação judicial. Todavia, o procedimento não se exaure nesse momento. 

Na sequência, nos termos do inciso II do §1º do art. 66 da LRF, uma vez recebidas as manifestações no prazo legal e preenchidos os requisitos formais – a exemplo da caução integral e do quórum qualificado de 15% dos credores sujeitos –, o Administrador Judicial deverá elaborar e apresentar relatório ao juízo recuperacional. 

Cumprida essa etapa, será então requerida a convocação de Assembleia Geral de Credores com a finalidade exclusiva de deliberar sobre a operação do DIP Financing.

II - nas 48 (quarenta e oito) horas posteriores ao final do prazo previsto no inciso I deste parágrafo, o administrador judicial apresentará ao juiz relatório das manifestações recebidas e, somente na hipótese de cumpridos os requisitos estabelecidos, requererá a convocação de assembleia-geral de credores, que será realizada da forma mais célere, eficiente e menos onerosa, preferencialmente por intermédio dos instrumentos referidos no § 4º do art. 39 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) 

Por fim, novamente, considerando que, eventual deliberação sem qualquer razão lógica ou jurídica, pode prejudicar a empresa em recuperação judicial, observe também no §2º do artigo retromencionado que as custas e despesas decorrentes da realização da Assembleia Geral de Credores correrão por conta dos credores. Observe:

§ 2º As despesas com a convocação e a realização da assembleia-geral correrão por conta dos credores referidos no inciso I do § 1º deste artigo, proporcionalmente ao valor total de seus créditos.

Como pode ser observado, a interposição do agravo de instrumento logo após a decisão que autoriza o instituto do DIP Financing, é um erro latente, configurando um atalho processual, seja para dispensar a constituição de garantia, a reunião dos Credores e da necessidade de arcar com as despesas da convocação.

A bem da verdade é que o art. 66 da lei 11.101/05, resguarda as empresas em recuperação judicial de sofrerem com irresignações alheias, criando um procedimento sério, evitando-se prejuízo na obtenção de fomentos, já que a condição de enfrentar o processo recuperacional, restringem a aquisição de créditos no mercado financeiro comum, restando o DIP Financing como uma das medidas que, não pode ser anulado por quaisquer alegações vãs.

Conclui-se, portanto, que não é possível a interposição de agravo de instrumento de imediato a decisão que autoriza o DIP Financing, meramente socorrendo-se ao art. 1.015 do CPC, sendo imprescindível seguir estritamente o previsto no art. 66 da lei 11.101/05.

Bruno Onoda
Advogado do escritório Deneszczuk, Antonio e Amaral Sociedade de Advogados, especialista em Recuperação Judicial relacionados ao Agronegócio.

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