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Entenda a nova lei de seguros

Nova lei amplia a proteção, mas também reforça os deveres de transparência.

5/6/2025

A nova lei dos seguros, sancionada no fim de 2024 e com vigência prevista para dezembro de 2025, inaugura um novo marco regulatório para o setor no Brasil. A norma avança ao estabelecer regras específicas para os contratos de seguro, conferindo mais clareza jurídica às relações entre seguradoras e segurados — tanto nos seguros corporativos quanto nos massificados. E é justamente nesse ponto que ela merece atenção: embora fortaleça garantias, também atribui ao segurado novos deveres de conduta, especialmente no que diz respeito à transparência na formação e execução do contrato.

Nos seguros de massa — como, por exemplo, os de automóvel, vida individual e residencial —, o consumidor já contava com a proteção do CDC. No entanto, a nova lei vai além, ao trazer dispositivos que favorecem uma interpretação mais protetiva ao segurado, mesmo fora do âmbito estritamente consumerista, inclusive nos contratos de maior complexidade, como os de grandes riscos e de pessoas jurídicas, na medida em que não faz qualquer distinção entre os tipos de seguros.

Em várias passagens, o texto legal determina que, em caso de divergência entre documentos contratuais ou dúvida na interpretação, deve prevalecer a leitura mais favorável ao segurado. Isso significa mais segurança jurídica para o contratante, evitando surpresas negativas em momentos críticos — como na regulação de um sinistro.

Por outro lado, o mesmo diploma legal reforça com clareza os deveres do segurado em todas as fases contratuais. Durante a contratação, por exemplo, o proponente deve prestar informações completas, corretas e relevantes à análise do risco. Não basta responder ao questionário padrão fornecido pela seguradora; é necessário informar também fatos relevantes que possam impactar a avaliação do risco, ainda que não estejam expressamente solicitados. Essa postura ativa do segurado é essencial para a adequada precificação e definição das condições de cobertura.

A lei trata de forma distinta as consequências de eventuais omissões por parte do segurado. Se a omissão for intencional (dolosa), o segurado poderá perder a garantia contratual, continuar obrigado ao pagamento do prêmio e ainda ressarcir despesas da seguradora. Se a falha ocorrer de forma culposa (negligente), haverá redução proporcional da indenização ou até a extinção do contrato, em situações em que o risco se revele incompatível com a política de subscrição da seguradora.

O compromisso com a transparência também se estende à fase de vigência do contrato. O segurado tem o dever de comunicar prontamente qualquer agravamento relevante do risco — como, por exemplo, alterações na operação de uma empresa segurada, mudanças de endereço em seguros patrimoniais ou modificação de hábitos em seguros pessoais. A ausência de comunicação pode comprometer o direito à indenização ou gerar necessidade de ajuste no prêmio.

Outro ponto de destaque diz respeito à ocorrência de sinistro. A nova lei exige que o segurado atue de forma colaborativa, adotando medidas para evitar ou minimizar perdas, comunicando a seguradora de forma tempestiva e fornecendo as informações necessárias para a apuração do evento. O descumprimento dessas obrigações pode levar à perda total ou parcial da indenização, dependendo da gravidade da omissão.

Nesse novo contexto, o papel do corretor de seguros ganha ainda mais relevância. Como agente técnico e consultivo, o corretor atua como elo entre segurado e seguradora, orientando o cliente sobre seus direitos e, principalmente, sobre seus deveres contratuais. A atuação qualificada do corretor contribui diretamente para evitar omissões, garantir uma contratação mais consciente e mitigar riscos de conflitos na regulação do sinistro, caso ocorra.

Na prática, o novo marco legal redefine o papel do segurado, que deixa de ser visto apenas como parte vulnerável e passa a ser um agente com responsabilidades claras. A relação contratual ganha contornos mais simétricos, exigindo maior diligência de ambas as partes.

Esse movimento acompanha uma tendência internacional de fortalecimento da confiança mútua nos contratos de seguro.

A boa-fé, antes um princípio abstrato, passa a ter contornos operacionais mais nítidos, e a transparência, portanto, não é mais uma virtude desejável: é um dever legal, cuja inobservância pode gerar consequências relevantes.

Em um país onde o nível de penetração de seguros ainda é relativamente baixo, a nova lei representa uma oportunidade de amadurecimento institucional. Ao conferir maior previsibilidade e equilíbrio às relações contratuais, contribui para aumentar a segurança jurídica e fomentar a expansão do mercado. No entanto, esse avanço depende da conscientização dos segurados, que precisam compreender que, ao lado de novos direitos, surgem também obrigações mais definidas.

O seguro é, por excelência, um contrato de confiança. E a nova lei deixa claro que essa confiança deve ser construída a partir de informações completas, corretas e tempestivas. Em outras palavras, o segurado passa a ter papel ativo na solidez do próprio contrato.

Marco Aurélio Franqueira Yamada
Advogado do escritório Mandaliti Advogados. Mestre em Direito. Especializações em Direito Civil e Processual Civil (ITE), Direito Empresarial (FGV-SP) e Direito Digital.

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