No início de outubro do ano passado, foi sancionada a lei 14.994/24, que tem em sua tônica dar um tratamento muito mais rigoroso, endurecendo as penas e restringindo os direitos dos condenados na execução penal em casos de crimes praticados contra a mulher e em contexto de violência doméstica.
Para isso, foram promovidas várias alterações no Código Penal, na lei Maria da Penha, no CPP, na lei da execução penal, na lei dos crimes hediondos e na lei das contravenções penais.
Dentre as modificações legislativas mais relevantes, é importante destacar a transformação do feminicídio em um crime autônomo e o aumento de pena em diversos delitos. Além do próprio feminicídio, foram aumentadas as penas dos crimes de calúnia, difamação, injúria, ameaça, lesão corporal em contexto de violência doméstica e descumprimento de medida protetiva de urgência.
Pela primeira vez no Brasil, nasce uma pena máxima de 40 anos, que poderá ser aplicada na hipótese de prática de feminicídio. Outra inovação importantíssima é que, com o aumento das sanções, o juiz poderá decretar a prisão preventiva em relação a quase todos os delitos baseados em violência de gênero.
O processo que apura o crime de ameaça por razões de gênero também deixa de ser condicionado à representação da vítima e agora poderá prosseguir mesmo contra a sua vontade. Além disso, o condenado deixa de poder exercer o poder familiar quando comete crime com violência de gênero, poderá ser transferido para um estabelecimento prisional distante da residência da vítima e, caso tenha sido condenado por feminicídio, deverá usar tornozeleira eletrônica ao usufruir de qualquer benefício na execução penal.
No entanto, embora a lei tenha um grande apelo social e traga mudanças significativas, é preciso destacar que o punitivismo e o agravamento das punições não combatem nem diminuem a criminalidade, e muito menos a enraizada violência de gênero na sua fonte. Quando aplicadas isoladamente, as leis não são capazes de transformar a cultura da misoginia na sociedade e proteger, de fato, as mulheres, inclusive da própria violência reproduzida pelo sistema de justiça criminal.
Apesar de todos os avanços legislativos conquistados a partir do movimento feminista, a violência patriarcal continua vitimando inúmeras mulheres, sobretudo aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social, com números cada vez mais alarmantes. O poder punitivo constitui um modelo de manifestação de poder e controle, e não de solução efetiva para os problemas sociais, não sendo a intervenção penal capaz de concretizar plenamente os direitos fundamentais das mulheres, justamente por não atuar na identificação das situações de violência – desde os sinais de alerta e as micro agressões –, na prevenção e na disponibilização de canais de proteção e acolhimento das vítimas.
Para além disso, é fundamental reconhecer o sistema penal brasileiro enquanto um sistema seletivo, atingindo e marcando negativamente somente determinados grupos sociais estigmatizados. A seletividade estrutural do poder punitivo, consequentemente, evidencia a dissimulação operada pelos discursos oficiais a respeito dos fins da pena de prisão, desmistificando as funções de repressão e prevenção.