Resumo
A súmula 102 do TJ/PE consolidou o entendimento de que, com o término do vínculo empregatício, a operadora de saúde tem o dever de ofertar ao ex-segurado um plano de saúde individual ou familiar sem novos prazos de carência e com a mesma contraprestação praticada no plano coletivo empresarial. O artigo analisa os fundamentos legais da súmula, sua base constitucional, os reflexos no Judiciário e a importância prática para a advocacia especializada em saúde suplementar.
Introdução: a perda do emprego não pode significar a perda do direito à saúde
Em um país onde o acesso à saúde privada é muitas vezes uma necessidade - diante das limitações estruturais do SUS - a manutenção do plano de saúde após a demissão do trabalhador é um tema de grande relevância social e jurídica.
O TJ/PE, atento a essa realidade, editou a súmula 102, firmando entendimento que protege o ex-empregado contra práticas abusivas das operadoras de planos de saúde e reafirma a função social dos contratos no setor da saúde suplementar.
O que diz a súmula 102 do TJPE?
Extinto o vínculo laboral do segurado em regime coletivo empresarial, a operadora de saúde deve lhe dispor plano ou seguro na modalidade individual ou familiar, sem novos prazos de carência e no mesmo valor da contraprestação.”
Este enunciado visa impedir que as operadoras de planos de saúde simplesmente encerrem o atendimento ao beneficiário quando ele perde o vínculo com a empresa contratante, obrigando-as a oferecer alternativa de continuidade contratual.
A base jurídica da súmula 102
Embora a lei 9.656/98 - que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde - não preveja expressamente essa obrigação, a jurisprudência tem recorrido a princípios constitucionais e infraconstitucionais para suprir a lacuna.
Dentre os fundamentos jurídicos que sustentam a súmula, destacam-se:
- Art. 6º da Constituição Federal: direito à saúde como direito social fundamental;
- Art. 421 do CC: função social do contrato;
- Art. 4º, III, do CDC: necessidade de equilíbrio nas relações de consumo;
- Art. 51, IV e §1º, II, do CDC: nulidade de cláusulas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva.
A súmula do TJPE, portanto, representa um esforço interpretativo que visa equilibrar as relações entre consumidores e operadoras, protegendo o direito à continuidade da assistência à saúde.
Consequências práticas da súmula para consumidores e operadoras
Com a súmula 102, o ex-segurado tem o direito garantido de migrar para um plano individual ou familiar oferecido pela mesma operadora, sem imposição de novas carências e sem alteração do valor da mensalidade.
Além disso, a súmula:
- Impossibilita a interrupção arbitrária de tratamentos em curso;
- Resguarda pacientes em situação de vulnerabilidade (ex.: em tratamento oncológico, uso de medicamentos de alto custo ou terapias contínuas);
- Reduz a judicialização de casos envolvendo cancelamentos abruptos, ao criar jurisprudência uniforme.
O que fazer em caso de descumprimento?
Diante da negativa da operadora em cumprir a súmula, o consumidor poderá:
- Notificar extrajudicialmente a empresa;
- Requerer tutela de urgência em juízo para imediata manutenção do tratamento ou reativação do plano;
- Postular indenização por danos morais e materiais, especialmente quando houver interrupção de tratamento essencial;
- Fundamentar o pedido judicial diretamente na súmula 102 do TJ/PE, o que reforça a previsibilidade e segurança jurídica do pleito.
Importância estratégica para a advocacia da saúde
A súmula é um instrumento de alta relevância para advogados que atuam com saúde suplementar. Além de fornecer base sólida para ações individuais, ela também serve como parâmetro de negociação extrajudicial com as operadoras e fortalece a atuação técnica em defesa dos direitos dos pacientes.
Sua existência ainda permite a inversão do ônus argumentativo, colocando sobre a operadora a responsabilidade de justificar eventuais descumprimentos - o que, via de regra, esbarra no entendimento consolidado do TJ/PE.
Considerações finais: um passo adiante na proteção da dignidade
A edição da súmula 102 pelo TJ/PE é um marco importante no cenário da saúde suplementar brasileira. Ela representa um avanço civilizatório na interpretação dos contratos de plano de saúde, fortalecendo a ideia de que o direito à saúde não se encerra com a perda do emprego.
A permanência do vínculo assistencial, nas mesmas condições anteriormente pactuadas, é mais do que uma garantia contratual - é um imperativo ético e jurídico. E, diante da crescente vulnerabilidade de trabalhadores no Brasil, a súmula se torna cada vez mais atual e necessária.