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Resiliência e o mercado de seguros no contexto global

A resiliência no mercado de seguros é essencial para enfrentar crises, proteger a sociedade e manter a estabilidade econômica, unindo inovação, regulação e solidez.

2/7/2025

A palavra resiliência significa a “capacidade de superar, de recuperar de adversidades”1. No campo da ecologia, por exemplo, onde essa palavra é comumente utilizada, a resiliência é a aptidão de um ecossistema resistir a distúrbios e, readaptando-se, manter sua existência em equilíbrio.2    

Quando aplicada ao setor segurador, a resiliência envolve a capacidade de manter compromissos com o segurado, mesmo frente a cenários de alta incerteza, como pandemias, catástrofes naturais ou crises econômicas. Mas é também uma característica estrutural: exige solvência, diversificação de riscos, regulação sólida e boa governança corporativa.

Muito mais do que isso, o setor dos seguros colabora para que a própria sociedade se torne mais resiliente, protegendo mercados, estabilizando economias e reestruturando comunidades atingidas por catástrofes.

A resiliência no mercado de seguros contribui para que a sociedade, tão complexa e multifacetada, também seja resiliente.

Há alguns instrumentos e exemplos que vêm se mostrando veredeiros pilares para a resiliência do ramo segurador.

É o que passamos a explorar, como fruto de investigação e experiência, ainda que essa exposição seja muito breve.

O primeiro deles é o resseguro: por meio dele, o segurador pode transferir ao ressegurador, total ou parcialmente, o risco de ressarcimento do sinistro. É uma técnica que possibilita dividir verticalmente a responsabilidade3, permitindo não somente que a seguradora pulverize os riscos - o que é de especial valia no caso de seguros de altíssimo valor -, mas também que o consumidor tenha maiores possibilidades de ressarcimento.4

Essa técnica tem se mostrado de extrema relevância, principalmente para diluição de riscos de grande monta, notadamente aqueles decorrentes de catástrofes e em que exista concentração de grandes exposições.

No mercado brasileiro, há resseguradoras tanto locais - empresas constituídas no Brasil e com funcionamento conforme a legislação brasileira - como as denominadas “admitidas” e “eventuais” - empresas estrangeiras com patrimônio líquido mínimo e procurador domiciliado no Brasil, além de escritório de representação no caso das admitidas -, o que permite capilaridade e sofisticação na transferência de riscos.5

O segundo instrumento do qual nos propomos a rapidamente discorrer é o cosseguro: assim como o resseguro, ele é uma forma de pulverizar o risco do sinistro, mas por uma distribuição horizontal da responsabilidade6. Nele, diversas seguradoras dão cobertura simultânea a um mesmo segurado.

É um instrumento importante no caso de riscos complexos ou de grande valor, tais como relativos a indústrias, grandes eventos, empreendimentos imobiliários etc.7

Além de trazer segurança ao consumidor, o cosseguro, ao dividir o risco com várias seguradoras, fortalece o mercado securitário como um todo.

Por fim, há mais um instrumento, recentemente incorporado no sistema jurídico brasileiro: trata-se da LRS - Letra de Risco de Seguro.

Esse instrumento foi regulado pela resolução 453/22 do Conselho Nacional de Seguros Privados. Inspirado no ILS - Insruance Linked Securities, o LRS possibilita a captação de recursos no mercado de capitais para suportar operações de seguros e resseguros.

Por meio dele, as seguradoras transmitem aos investidores os riscos da atividade: caso ocorra o sinistro, as apólices emitidas são chamadas para que efetuem a necessária cobertura.

Caso não ocorra no espaço de tempo determinado, os detentores terão direito ao valor do prêmio pago - acrescido de retorno financeiro. Esse mecanismo permite uma aproximação entre o mercado financeiro e o setor segurador, diversificando fontes de capital.8

Esses três instrumentos de resiliência expostos com brevidade contribuem não só para a solidez patrimonial, mas garantem respostas rápidas e efetivas do mercado segurador diante de grandes sinistros ou eventos sistêmicos. A integração entre seguradoras, resseguradoras, investidores e órgãos reguladores é a chave para manter a resiliência em um ambiente de riscos cada vez mais interconectados.

Ainda assim, cada país possui situações particulares, sejam sociais, políticas ou econômicas, que demandam do mercado segurador uma visão acurada do momento atual e futuro, não só para que se mantenha lucrativo, mas para que possa servir com precisão a sociedade na qual se insere.

O setor securitário brasileiro, por exemplo, sempre foi símbolo de adaptação. Não muito tempo antes de 1994 - ano marcado pela medida econômica governamental chamada de Plano Real, que tinha o objetivo de conter a inflação descontrolada da época -, o setor segurador já correspondia - sem considerar PGBL, VGBL e saúde - a 1,2% do PIB nacional9. Mesmo tendo passado pela rápida modernização tecnológica, crises políticas e econômicas e pela pandemia, a estimativa é que até o fim desse ano, o mercado segurador corresponda a 6,4% do PIB10.

Em todo o mundo, o que não faltam são evidências da resiliência do mercado segurador.

Uma delas, que a marcou indelevelmente o mundo todo e ainda está viva em nossa memória, ainda é memória recente para todos nós, ocorreu com o advento do Covid-19.

Mesmo com a enorme e inesperada crise sistêmica que forçosamente todos os setores da economia e da vida (individual e social) tiveram que enfrentar, os seguradores continuaram honrando seus compromissos e adaptando os serviços prestados às difíceis condições do momento, que, repita-se, impactavam as mais diversas áreas do mercado. Apesar da alta taxa de sinistralidade - em especial nos seguros de vida - o mercado segurador percebeu crescimento nesse período. Houve, inclusive, um aumento mundial no esforço pela digitalização de serviços11. Fenômeno assemelhado que é sempre conveniente anotar deu-se com os serviços judiciários que passaram a responder, com incrível velocidade, aos novos modelos de prestação de todas as suas atividades.

Voltando ao mercado de seguros, é de se registrar outro exemplo, que é o caso dos eventos climáticos extremos, infelizmente cada vez mais frequentes, e que exigem maior sofisticação atuarial.

O desastre das enchentes no Estado do Rio Grande do Sul, ocorrido em 2024, demonstrou como os seguros foram essenciais para o enfrentamento da catástrofe. As enchentes tiveram por consequência um total de 58 mil avisos de sinistro, que resultaram em R$ 6 bilhões em indenizações a serem pagas.12

Mesmo com a altíssima taxa de sinistralidade - um aumento de 162,5% entre maio e abril - o mercado segurador se manteve firme e eficaz no adimplemento de suas obrigações.13

Não se pode deixar de fazer referência, também, ainda mais frente aos recentíssimos acontecimentos, à maneira como o mercado segurador tem atuado frente a guerras e conflitos militares.

O conflito Rússia x Ucrânia, por exemplo, já causou prejuízo estimado entre 1US$ 1 bilhão e US$ 4 bilhões ao Lloyds of London, apenas no setor da aviação, o que levou a disputas judiciais na Inglaterra. Apesar das perdas, a repartição da responsabilidade pelo uso do resseguro garante que as seguradoras se mantenham solventes, e que nas próximas renovações - mediante reajustes - possam cobrir seus gastos e permanecer no mercado.  Além disso, algumas seguradoras vêm oferecendo coberturas especificas para os casos de danos decorrentes de guerra.14

Encaminhando este texto para o final, destacamos que, ainda assim, há desafios e perspectivas para fortalecer a resiliência do mercado de seguros.

As mudanças climáticas e catástrofes naturais demonstram a necessidade de aprofundar o debate acerca de seguros paramétricos, fundos de catástrofe e resseguros público-privado. Como exemplo dessa preocupação, merece destaque o PL 1.410/22, que tramita na Câmara dos Deputados brasileira, e que visa à instituição de um seguro obrigatório para o caso de desastres naturais relacionados a chuvas.

É necessário, quando se faz referência a eventos climáticos, que o mercado de seguros assuma uma posição mais ativa, não se limitando apenas ao pagamento de indenizações, mas auxiliando na prevenção de riscos.15

O crescimento exponencial de riscos digitais também demonstra a necessidade do mercado de seguros cada vez mais buscar a inovação para se manter relevante e eficaz quanto à cibersegurança.

É igualmente necessário buscar a ampliação do acesso aos seguros.

Muito embora o setor continue a crescer, ainda existem grandes lacunas de proteção, principalmente nos países em desenvolvimento.

A utilização de microsseguros - destinados a população de baixa renda e microempresas - e o uso do open insurance amplia a base do mercado, além de trazer segurança a populações mais vulneráveis, fortalecendo a resiliência social. Além disso, a educação financeira e securitária permite que o consumidor compreenda a necessidade e o papel do seguro em sua vida, o que impacta, da mesma forma, na resiliência do mercado.

Por fim, é necessário que o Estado aja com regulação proporcional e eficaz, equilibrando controle e inovação.

A resiliência do mercado segurador, portanto, é um ativo coletivo: envolve seguradoras, resseguradoras, reguladores, corretores e consumidores.

Muito mais do que resistir a crises, o setor tem a missão de ser protagonista em uma sociedade mais preparada para domar o risco.

O mercado segurador não oferece apenas produtos, mas sim a possibilidade do consumidor e de sua família viverem com segurança. Cada vez que uma seguradora consegue honrar com seus compromissos, independentemente da situação em que se encontre o cenário global, empresas sobrevivem, empregos são mantidos e famílias são amparadas.

A resiliência do seguro não é estática: é construída diariamente, no equilíbrio entre prudência e inovação.

_______

1 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. https://dicionario.priberam.org/resili%C3%AAncia.

2 DEMANGE, Lia Helena Monteiro de Lima. Resiliência ecológica: o papel do indivíduo, da empresa e do Estado. Revista de Direito Ambiental, vo. 82, p. 17 – 35, Abr - Jun 2016.

3 CORDEIRO, António Meneses. Direito dos Seguros. 2. ed. Almedina: 2016. E-book.

4 VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil: Contratos. 25. ed. Barueri: Atlas, 2025.  E-book.

5 SANTOS, João Marcelo dos. Novas regras de seguros e resseguros – uma mudança de rumo. Disponível em: https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Artigos-e-Noticias/Artigos-e-Noticias/Novas-regras-de-seguros-e-resseguros-%E2%80%93-uma-mudanca-de-rumo.html

6 CORDEIRO, António Meneses. Direito dos Seguros. 2. ed. Almedina: 2016. E-book.

7 VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil: Contratos. 25. ed. Barueri: Atlas, 2025.  E-book.

8 SADDI, Jairo. Letras de Risco de Seguro. Valor Econômico, 2024. Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/letras-de-risco-de-seguro.ghtml.

9 https://www.cnseg.org.br/noticias/resiliencia-do-setor-de-seguros-em-tempos-de-disrupcao-trabuco-roberto-santos-e-molina-debatem-na-conseguro

10 https://cnseg.org.br/noticias/setor-segurador-crescera-acima-de-10-em-2025

11 https://newsroom.transunion.com.br/o-impacto-da-covid-19-no-setor-de-seguros-vai-continuar-ate-2021/

12 https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/05/02/enchentes-no-rs-trazem-choque-de-realidade-ao-setor-de-seguros.ghtml

13 SARAIVA NETO, Pery. Riscos climáticos, mercado segurador e recursos para reconstrução. Conjur, 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-ago-29/riscos-climaticos-mercado-segurador-e-recursos-para-reconstrucao/.

14 SANT’ANNA, Emilio. Mercado de seguros se adapta a prejuízos de guerras, que seguem fortes. Valor Econômico, 2024. Disponível: https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/seguros/noticia/2024/10/28/mercado-de-seguros-se-adapta-a-prejuizos-de-guerras-que-seguem-fortes.ghtml.

15 https://cqcs.com.br/noticia/zurich-reune-especialistas-em-sao-paulo-para-discutir-resiliencia-climatica-no-setor-de-seguros/

Luiz Rodrigues Wambier
Advogado, Doutor em Direito pela PUCSP, Professor nos Programas de Mestrado e Doutorado do IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa.

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