Considerações sobre o conceito de soberania e os ataques do presidente Trump ao Brasil.
Há alguns dias atrás, o governo dos EUA, na pessoa do seu presidente Donald Trump, declarou que irá taxar em 50%, a partir de 1/8 próximo vindouro, os produtos Brasileiros exportados para esse país. As exportações do Brasil para os EUA giram em torno de 12 % do nosso PIB. Os produtos alcançados por essa elevada taxação são, principalmente, provenientes do agronegócio.
O Brasil prepara medidas para enfrentar essa taxação. Sinalizou que, primeiramente, buscará a via negocial. Somente, frustrada essa, invocará o princípio da reciprocidade, taxando também as exportações dos EUA para o Brasil. Já foram adotadas algumas providências, tais como reuniões entre o governo Federal e empresários do setor afetado, acionamento da OMC, reuniões entre empresários do Brasil e dos EUA, bem assim a ida de um grupos de senadores para discutir o assunto com autoridades dos EUA. Nos parece, dado a irredutibilidade do presidente Trump, que essas medidas serão ineficazes. Com efeito, a OMC, no cenário atual da ordem mundial é uma entidade bastante frágil para se contrapor às investidas de Trump. As negociações entre governo Federal e empresários brasileiros e entre estes e empresários dos EUA também se mostram débeis. Por fim, o comitê de senadores que foi aos EUA não sabem sequer com quem tratar do assunto. O fato é que, por diversas razões, o presidente Trump se mostra intransigente no assunto e não dá sinais de que irá capitular.
Segundo especialistas, o presidente Trump invoca vários argumentos, muitos deles falaciosos, para a implementação dessa absurda taxação, sem que, prima facie, se possa depreender pesos entre eles: que haveria déficit para os EUA nas relações comerciais com o Brasil, o que é uma rematada mentira, pois é visível que eles apresentam superávit de mais de quatrocentos bilhões; suposta e infundada perseguição do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo STF no processo que o acusa de golpe de Estado, o que também não procede, na medida em que a acusação contra ele é absolutamente legítima e porque tem sido observado o devido processo legal; perseguição pelo STF contra as big techs americanas, o que também é uma inverdade, pois o que o STF está exigindo é que elas observem a legislação Brasileira, notadamente para funcionarem no país.
Pois bem. Antes de voltarmos a esse caso concreto, cumpre tecermos algumas considerações sobre o conceito de soberania e a sua aplicação a ele.
Historicamente, o conceito de soberania está inçado de acerbas controvérsias radicadas nos quadrantes da filosofia do Direito, ciência política, Teoria do Estado e Direito Constitucional.
A antiguidade não conheceu o conceito de soberania, em tampouco a idade média. Com efeito, a Grécia clássica e Roma antiga não se depararam com essa discussão. Somente com o advento do Estado moderno é que tal conceito eclode. Nada garante, como veremos, que, no futuro, essa discussão e debate em torno dele possa existir.
Os juristas franceses do século XIX, capitaneados por Bodin, consideravam a soberania como uma categoria absoluta, traduzida num poder absoluto, ilimitado e incontrastável. Essa visão, desde Jellinek até os dias atuais, não prevalece mais.
Com efeito, não prevalece mais a noção de soberania como um poder absoluto, ilimitado e incontrastável. Em revés, desde Jellinek até hoje, a soberania é tratado como conceito histórico e relativo. A soberania dos Estados pode existir ou não. Essa relatividade do conceito é mais forte e visível no plano das relações internacionais entre Estados.
Do ponto de vista da soberania interna, a controvérsia é menor, pois avulta e aparece a percepção de que o Estado tem o poder de organizar a vida em sociedade nos seus lindes territoriais, se sobrepondo de forma coercitiva, com suas leis, atos administrativos e decisões judiciais, aos demais poderes sociais.
Nessa toada, vale transcrever o magistério do saudoso professor Paulo Bonavides, em Ciência Política, 14 ª edição, Malheiros Editores, págs. 112 e 113, verbis:
"Relativo, uma vez que tomado de início por elemento essencial do Estado - conforme sucedeu ainda entre juristas do século XIX - raro o autor hoje que após os trabalhos exaustivos de Jellinek ainda se ocupa da soberania sob o prisma do Direito Internacional, como de um dado essencial constitutivo do Estado. Há Estados soberanos e Estados não soberanos. Do ponto de vista externo, a soberania é apenas qualidade do poder, que a organização estatal poderá ostentar ou deixar de ostentar.
Do ponto de vista interno, porém, a soberania, como conceito jurídico e social, se apresenta menos controvertida, visto que é da essência do ordenamento estatal uma superioridade e supremacia, a qual, resumindo já a noção de soberania, faz que o poder do Estado se sobreponha incontrastavelmente aos demais poderes sociais, que lhes ficam subordinados. A soberania assim entendida como soberania interna fixa a noção de predomínio que o ordenamento estatal exerce num certo território e numa determinada população sobre os demais poderes sociais”.
Nessa esteira, o renomado professor salienta, ainda, a crise contemporânea desse conceito, que, hoje em dia, é cada vez mais relativo. Com efeito, nesse diapasão, é de se notar que, no plano internacional, a soberania dos Estados é por demais evanescente. Os Estados mais poderosos econômica e militarmente impõem sua vontade sobre os outros, assistindo a ONU passivamente a tudo. É só atentar para o caso de Israel, que viola sistematicamente o Direito Internacional, no tocante aos direitos humanos, quando impõe pesados e fratricidas ataques ao povo palestino. No caso do Brasil ora sob análise, não é diferente. Se não forem adotadas medidas extremas, como aplicação da reciprocidade, ao que tudo indica o Brasil terá que ficar suplicando o recuo dos EUA ou ceder às determinações do presidente Trump. O mesmo se diga com relação à globalização e à circulação dos capitais financeiros pelo mundo, enfraquecendo a autoridade dos Estados, notadamente no sul global, e também de seus bancos centrais. Ainda para exemplificar não se pode olvidar que o Brasil, que sempre evocou a tese do “petróleo é nosso”, entregou de bandeja, às empresas estrangeiras, em sua maioria, a exploração de petróleo na foz do Amazonas.
No plano interno, no tocante ainda à fragilidade do conceito de soberania, a pressão de grupos internos, como grupos movidos por ideologias de natureza vária, pressões de grupos econômicos hegemônicos, inclusive sediados no exterior etc. pode esmaecer as decisões do aparelho de Estado. É só ver, para exemplificar, os constantes e massivos ataques da extrema direita ao STF, visando desqualificá-lo e minar a sua autoridade.
Por fim, para arrematar, vale dizer que, ainda que se possa admitir que o conceito de economia esteja em desuso na contemporaneidade, ele está previsto no texto da CF/88, em seu art. 1º 1, I, bem assim no art 4º da Carta Magna, que trata da disciplina do Brasil em suas relações internacionais, em especial nos seus incisos I (independência nacional), II (autodeterminação dos povos, III (não intervenção) e V (igualdade entre os Estados).
Ademais, tal conceito de soberania ecoa intensamente no sentimento da população, na defesa da pátria. Nessa esteira, pensamos que é o momento propício, sem embargo da declaração de reciprocidade, para o presidente Lula convocar não só o empresariado, mas também os trabalhadores e a sociedade civil organizada para a adoção das medidas necessárias para a defesa de nossa soberania em face desses abusos do presidente Trump. Para isso não basta o pronunciamento em televisão, rádio e demais mídias. Isso é importante também; mas seria necessário ainda um contato mais de perto com o povo através da sua ida pessoal em comícios e manifestações Brasil afora, como, mutatis mutandis, tem feito o presidente Petros da Colômbia. Ademais, forçosamente terá, o governo Federal, que injetar vultosos recursos na economia, na salvaguarda dos empresários e trabalhadores envolvidos no problema, rompendo com esse absurdo arcabouço fiscal, como o fez, justiça seja feita, Bolsonaro na pandemia, ao furar o teto de gastos inaugurado por Temer. Isso, ademais e sem dúvida, também lhe garantirá, ao presidente Lula, o sucesso no pleito eleitoral de 2026.