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A validade da cláusula de não concorrência (non-compete) nos contratos de franquia

A cláusula de não concorrência em franquias exige equilíbrio entre proteção do know-how e respeito à livre iniciativa, sob pena de invalidade.

5/8/2025

A cláusula de não concorrência, também conhecida pela sua designação em inglês como cláusula de non-compete, em razão de sua origem no Direito Inglês, no caso que ficou conhecido como Mitchel v. Reynolds1, é um pacto contratual pelo qual uma das partes (ou ambas) se obriga a não exercer certas atividades profissionais ou empresariais que concorram com as atividades da outra parte, durante ou após o término da relação contratual. Ela tem por finalidade proteger interesses legítimos do contratante favorecido, contra condutas consideradas lesivas ou desleais.

Nesse contexto, a cláusula de não concorrência costuma ser muito relevante nos contratos de franquia e desempenha um papel estratégico na proteção do franqueador, garantindo a preservação de interesses como o know-how e a clientela adquirida ao longo do tempo. Trata-se de um mecanismo importante para evitar que ex-franqueados utilizem os conhecimentos, adquiridos durante a relação contratual, para criar ou operar um negócio concorrente e de maneira desleal.

Idealmente, nos contratos de franquia, o franqueador transfere ao franqueado um conjunto de conhecimentos, metodologias e segredos comerciais essenciais para o funcionamento e sucesso do negócio, sendo esse o seu principal diferencial atrativo: o negócio formatado. Diante disso, a previsão de uma cláusula de não concorrência, com a finalidade específica de proteger certos e determinados interesses legítimos, encontra respaldo na boa-fé objetiva e na necessidade de proteção do modelo de negócio desenvolvido.

No entanto, sua validade e eficácia exigem atenção a limites jurídicos bem estabelecidos, visando preservar o equilíbrio contratual e a segurança jurídica para ambas as partes, pois uma cláusula de não concorrência mal redigida ou excessivamente restritiva pode causar graves danos ao franqueado e ao mercado e, por isso, ter sua validade e eficácia afastadas pelo Poder Judiciário.

O CC brasileiro, nos arts. 113 e 422, reforça que os contratos devem ser interpretados conforme a boa-fé e que as partes devem agir com lealdade antes, durante e após a relação contratual. Assim, a restrição imposta ao ex-franqueado encontra fundamento na prevenção do uso indevido de informações privilegiadas obtidas durante a vigência do contrato.

Mas, se por um lado a cláusula de não concorrência se apresenta como favorável ao franqueador, por outro lado, esse tipo de cláusula restringe a livre iniciativa, o livre exercício de atividade econômica e a ampla concorrência, princípios fundamentais da ordem econômica. Não por acaso, o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, costuma analisar o impacto dessa cláusula para o mercado com um todo, atuando na repressão aos acordos prejudiciais à livre concorrência.

Para o franqueado, a cláusula de não concorrência pode significar a privação de exercício profissional ou atividade indispensável ao sustento, sendo de suma importância a análise cuidadosa desse tipo de cláusula antes de celebrar o contrato de franquia, a fim de evitar litígios quando do término da relação com o franqueador. Por essa razão, a cláusula de não concorrência deve ser prévia e claramente informada pelo franqueador, desde a Circular de Oferta de Franquia, como determina a lei 13.966/19, em seu art. 2º, incisos XV e XXI, sob pena de invalidade.

Antes de analisar a cláusula de não concorrência, é essencial compreender que os contratos de franquia são classificados como contratos de colaboração empresarial, caracterizados por certa subordinação do franqueado ao franqueador. Essa subordinação não se confunde com a relação de emprego, mas impõe ao franqueado a obrigação de seguir padrões e diretrizes estabelecidos pelo franqueador, tornando-o dependente da estrutura organizacional e comercial definida por este.

O reconhecimento dessa assimetria nos contratos de colaboração tem justificado a incidência de um dirigismo contratual mais acentuado, limitando a autonomia privada em favor da proteção dos interesses do franqueado. Diferentemente dos contratos empresariais em geral, que presumem paridade entre as partes (art. 421-A do CC), os contratos de franquia envolvem uma relação prévia e unilateralmente estruturada na qual essa liberdade contratual acaba sendo mitigada.

A crítica ao dirigismo contratual nos contratos de colaboração empresarial, incluindo os contratos de franquia, costuma ser fundada na premissa de que os contratos empresariais devem se presumir paritários e simétricos e não podem ser tratados presumivelmente como relações assimétricas que necessitam de tutela estatal. Embora muitas vezes o franqueado seja um pequeno empresário e o franqueador, uma grande corporação, argumenta-se que as relações entre empresários devam ser regidas pela ampla liberdade contratual, pressupondo que ambas as partes negociam em condições de igualdade e devem, por isso, suportar os riscos inerentes ao negócio.

De fato, a intervenção estatal excessiva nos contratos de franquia pode comprometer a segurança jurídica e a previsibilidade das relações empresariais. Ao limitar a autonomia privada, corre-se o risco de desestimular investimentos e a própria expansão do modelo de franquia, que depende de regras claras e previsíveis para atrair novos franqueados. Isso não significa, contudo, que a liberdade contratual seja ilimitada e que os contratantes possam convencionar cláusulas que contrariem a ordem pública, a boa-fé ou a função social dos contratos2.

O STJ tem consolidado o entendimento de que a cláusula de não concorrência precisa atender certos requisitos essenciais para ser válida. São eles: (i) Legítimo interesse - indicação precisa de finalidade que justifica excepcionar o princípio da livre iniciativa; (ii) Delimitação objetiva - o objeto da cláusula deve ser restrito às atividades diretamente concorrenciais indispensáveis à proteção dos interesses legítimos; (iii) Razoabilidade temporal - a proibição deve ter duração compatível com a necessidade de proteção; (iv) Compensação adequada - a restrição imposta deve ser compatível com o benefício proporcionado; (v) Delimitação territorial - área geográfica limitada ao contexto concorrencial que se pretende restringir.

Assim, a cláusula de não concorrência será válida e eficaz desde que respeite limites finalísticos, espaciais e temporais adequados, garantindo que sua imposição não configure um obstáculo excessivo à livre iniciativa do franqueado após a cessação do contrato. A proteção do know-how, de segredos comerciais e a prevenção de desvio de clientela são valores jurídicos reconhecidos como legítimos, justificando a restrição, desde que proporcional ao interesse do franqueador em preservar sua rede franqueada.

Ademais, decisões recentes indicam que, quando não se verifica a efetiva transferência de know-how ou segredo comercial que justifique a imposição da cláusula em território nacional, esta pode ser considerada abusiva. O TJ/SP decidiu que a cláusula de não concorrência não pode consistir em uma proibição ampla e genérica da atuação mercantil do franqueado em qualquer município brasileiro, pois esse tipo de restrição pode gerar a paralisação das atividades empresariais, afetando seus empregados e comprometendo sua capacidade financeira (TJ/SP - AC: 1111089-41.2019.8.26.0100, relator Cesar Ciampolini, julgado em 4/9/23).

Para evitar litígios e garantir que a cláusula de não concorrência cumpra sua função e tenha eficácia prática, é essencial que sua redação seja clara, objetiva e fundamentada. Algumas estratégias importantes incluem:

A assessoria jurídica especializada na elaboração e revisão desses contratos é essencial para evitar riscos de nulidade e litígios, garantindo segurança para franqueadores e franqueados. Assim, é possível garantir que as cláusulas estejam em conformidade com a legislação e as melhores práticas do mercado.

______________

1 Disponível em: https://appliedantitrust.com/02_early_foundations/ 1_eng_common_law/ mitchel_reynolds1711.pdf, acessado em 01.08.2025.

2 Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) - Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Art. 2.035 (...) Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

André Roberto de Souza Machado
Advogado, sócio do escritório SMGA Advogados. Doutor em Direitos, Instituições e Negócios e Mestre em Direito das Relações Econômica. Professor nos cursos de pós-graduação da FGV e PUC-Rio.

Matheus Rodolfo Afonso Alves
Advogado, sócio de SMGA Advogados, com atuação em Direito Empresarial, Direito Civil, Imobiliário e Contratos. Pós-graduando em Direito dos Contratos na PUC-RJ e Pós graduando em Direito Empresarial pela FACEOPAR.

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