Migalhas de Peso

Afinal, o que é o Programa Jurisdicional de REDD+ do Tocantins?

Preservar sem possibilitar condições de sustento e meios de produção harmônicos não mais atende a realidade social humana.

7/8/2025

Os portais de notícias do Tocantins ultimamente têm citado, até com certa frequência, uma sigla não muito conhecida da população em geral: REDD+.

Mas afinal, o que essa sigla significa e qual o impacto dela em nossas vidas?

De acordo com o portal oficial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima1 do Governo Federal, “REDD+ é um incentivo desenvolvido no âmbito da UNFCCC - Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de Redução de Emissões de gases de efeito estufa provenientes do Desmatamento e da Degradação florestal, considerando o papel da conservação de estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal (+)”.

Resumindo: países que efetivamente reduzirem a emissão de GEE - gases de efeito estufa originados de desmatamento e degradação florestal através de ações de conservação, manejo sustentável e aumento de florestas, receberão recompensa financeira por tais ações.

Apesar de começar a esclarecer a essência do objeto, este conceito também faz surgir outras dúvidas: o que é “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima”? Quem custeia essa recompensa? Quem gere essa política? E por quais motivos esse tema está tão falado em nosso Estado. São estes e alguns outros pontos que pretendemos abordar a seguir.

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

Em 9 de maio de 1992, na cidade de Nova York (EUA), diversos países reconhecidos como desenvolvidos, assinaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que nada mais é que um tratado internacional entre as nações signatárias, onde se comprometem a promover ações efetivas de “estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático”, assegurando assim que “a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável”. (Art. 2º)

Dentre as diversas disposições do tratado, existem previsões sobre os países desenvolvidos proporem projetos para financiamentos a países em desenvolvimento visando executar e implementar as obrigações ambientais pactuadas. Como exemplo, podemos citar:

Art. 4: (...)

5. As Partes países desenvolvidos e outras Partes desenvolvidas incluídas no Anexo II devem adotar todas as medidas possíveis para promover, facilitar e financiar, conforme o caso, a transferência de tecnologias e de conhecimentos técnicos ambientalmente saudáveis, ou o acesso aos mesmos a outras Partes, particularmente às Partes países em desenvolvimento, a fim de capacitá-las a implementar as disposições desta Convenção. Nesse processo, as Partes países desenvolvidos devem apoiar o desenvolvimento e a melhoria das capacidades e tecnologias endógenas das Partes países em desenvolvimento. Outras Partes e organizações que estejam em condições de fazê-lo podem também auxiliar a facilitar a transferência dessas tecnologias.

Art. 12: (...)

4. As Partes países desenvolvidos podem, voluntariamente, propor projetos para financiamento, inclusive especificando tecnologias, materiais, equipamentos, técnicas ou práticas necessários à execução desses projetos, juntamente, se possível, com estimativa de todos os custos adicionais, de reduções de emissões e aumento de remoções de gases de efeito estufa, bem corno estimativas dos benefícios resultantes.

Após a ratificação deste tratado pelo Governo Brasileiro, ocorrida em 1994, o então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, promulgou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima através do decreto 2.652, de 1º de julho de 1998, vinculando juridicamente o compromisso do Brasil em cumprir os termos do ajuste.

Atualmente, fruto da Convenção-Quadro de 1992, Alemanha e Noruega são os principais parceiros do Brasil em pagamentos por resultados de REDD+. De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima2, já foram efetivamente aportados ao Fundo da Amazônia, somente por estes dois países, cerca de 1,3 bilhão de dólares.

Principais normas federais sobre mudança do clima

Em 2009, através da lei 12.187, de 29 de dezembro, foi instituída a Política Nacional sobre a Mudança do Clima. Essa lei foi criada com o objetivo de instrumentalizar a execução dos compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção-Quadro, além de outros tratados relacionados ao tema da mudança climática (como o Protocolo de Quioto, por exemplo). Nesta lei, foram criados o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, os Planos de Ação para Prevenção e Controle de Desmatamento nos biomaso Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, além de vários outros instrumentos e mecanismos com o mesmo fim: executar os compromissos de redução de emissão de gases de efeito estufa.

Já em 2012 foi editado o novo Código Florestal Brasileiro (lei 12.651, de 25 de maio) que, em consonância com as já citadas Convenção-Quadro e Política Nacional sobre Mudança do Clima, fez constar um capítulo exclusivo sobre o Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente (Capítulo X). O art. 41 do Código Florestal autoriza o Poder Executivo Federal a “instituir programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente, bem como para adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável”.

Em 2015, pelo decreto 8.576, de 26 de dezembro, foi instituída a Comissão Nacional para Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal - REDD+ (CONAREDD+), colegiado responsável por “coordenar, acompanhar e monitorar a implementação da Estratégia Nacional para REDD+ e por coordenar a elaboração dos requisitos para o acesso a pagamentos por resultados de políticas e ações de REDD+ no Brasil, reconhecidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima”. Esta Comissão depois passou a ser regida pelo Decreto nº 10.144, de 28 de novembro de 2019 e atualmente encontra-se regida pelo decreto 11.548, de 5 de junho de 2023. Em sua composição estão representantes de diversos Ministérios do Governo Federal, entidades ambientais, representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais, organizações não-governamentais, instituição de ensino superior e representante do setor privado com atuação na área socioambiental.

Essa comissão tem o papel de formular diretrizes e emitir resoluções sobre i) os pagamentos por resultados de REDD+ no País, reconhecidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; ii) a elegibilidade para acesso a pagamentos por resultados de REDD+ no País; iii) a captação, por entidades elegíveis, de recursos de pagamentos por resultados de REDD+; iv) o uso de recursos de pagamentos por resultados de REDD+ captados pelas entidades elegíveis, dentre outras relevantes funções.

decreto 11.548, de 2023, ainda estabelece em seu art. 11 que “o BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, por meio do Fundo Amazônia, será elegível para acesso a pagamentos por resultados de REDD+ no País, sem prejuízo de outras instituições ou mecanismos financeiros a serem estabelecidos em regulamento pela Comissão Nacional para REDD+”.

Cabe destaque ainda a lei 14.119, de 13 de janeiro de 2021, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Referida lei, que está em fase final de regulamentação por parte do Executivo Federal, cria mecanismo de incentivo à conservação, recuperação e uso sustentável dos ecossistemas através de pagamentos a todos aqueles que realizarem essas medidas, chamadas na referida lei de “serviços ambientais”

Em termos simplificados, serviços ambientais3 são atividades humanas individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos. Por exemplo, a restauração de uma área de preservação permanente com o plantio de mudas vai melhorar o ecossistema de vegetação nativa na beira do rio e assim favorecer o serviço de regulação do fluxo de água e de controle da erosão.

Recentemente, em 11 de dezembro de 2024, foi editada a lei 15.042, que institui efetivamente o SBCE - Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, ambiente regulado submetido ao regime de limitação das emissões de GEE de comercialização de ativos representativos de emissão, redução de emissão ou remoção de GEE no país, e tem por finalidade dar cumprimento à PNMC - Política Nacional sobre Mudança do Clima, instituída pela lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009, e aos compromissos assumidos sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, mediante definição de compromissos ambientais e disciplina financeira de negociação de ativos. Vamos falar muito desta Lei após analisarmos o arcabouço legal do Tocantins sobre mudança climática.

Principais normas estaduais sobre mudança do clima

O Estado do Tocantins começou a atuar enfaticamente sobre a pauta da mudança climática ainda em 2008. Naquele ano, foi editada a lei 1.917, de 17 de abril, instituindo a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Tocantins. Referida norma já previa “a ampla divulgação das informações e propostas consolidadas pela Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima e pelo Protocolo de Quioto, bem como sejam estimulados os projetos voluntários voltados à utilização do MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e outros mecanismos e/ou regimes de mercado de créditos de carbono certificados que contribuam efetivamente para a estabilização da concentração de gases de efeito estufa”.

Em 2014, por meio do decreto 5.000, de 21 de fevereiro, foi instituído o Plano Estadual de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura - Plano ABC-TO, cujas finalidades precípuas são a redução da emissão de GEE no sistema produtivo agropecuário e o incentivo da utilização de sistemas tecnológicos sustentáveis. Este decreto ainda cria o Grupo Gestor do Plano ABC-TO, composto por entidades do Poder Executivo Estadual, universidades e entidades paraestatais e privadas.

Em 29 de outubro de 2021, houve talvez a concretização do passo mais relevante para o Estado do Tocantins sobre o tema REDD+: A CONAREDD+ editou a resolução 5aprovando a elegibilidade do Estado do Tocantins para acesso e captação de pagamentos por resultados de redução de emissões provenientes do desmatamento no bioma Amazônia, e definiu a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Tocantins como responsável pela captação dos pagamentos. Com esta aprovação, o Poder Executivo Estadual se tornou apto a, por exemplo, ter acesso a recursos do Fundo da Amazônia caso execute efetivamente ações de Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal (REDD+). 

Seguindo a instrumentalização normativa estadual sobre o tema, em 5 de janeiro de 2023, foram editadas duas novas leis:

- A lei 4.111, que institui a PEPSA - Política Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais do Tocantins, e

- A lei 4.131, que institui o FunClima - Fundo Clima do Estado do Tocantins.

Enquanto a primeira visa ser a equivalente local da lei federal 14.119, de 13 de janeiro de 2021, a segunda cria o fundo específico para apoiar projetos, programas e ações que visem à mitigação da mudança do clima, a exemplo do que estabelece a lei federal 12.187, de 29 de dezembro de 2009.

O art. 19 da lei 4.111/23 foi regulamentado pelo decreto 6.906, de 27 de fevereiro de 2025, que cria a Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento da Política Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais, ao passo que a lei 4.131/23, apesar de prever em seu corpo a criação do Conselho Diretor que administrará o FunClima, até o presente momento não se tem conhecimento da edição de regulamento sobre as competências e a composição específica do colegiado.

Créditos de carbono

De acordo com o inciso V, art. 2º, da lei federal 15.042, de 11 de dezembro de 2024, crédito de carbono é o “ativo transacionável, autônomo, com natureza jurídica de fruto civil no caso de créditos de carbono florestais de preservação ou de reflorestamento - exceto os oriundos de programas jurisdicionais, desde que respeitadas todas as limitações impostas a tais programas por esta Lei -, representativo de efetiva retenção, redução de emissões ou remoção, nos termos dos incisos XXX e XXXI deste caput, de 1 tCO2e (uma tonelada de dióxido de carbono equivalente), obtido a partir de projetos ou programas de retenção, redução ou remoção de GEE, realizados por entidade pública ou privada, submetidos a metodologias nacionais ou internacionais que adotem critérios e regras para mensuração, relato e verificação de emissões, externos ao SBCE” (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa).

Em termos muito simples, crédito de carbono nada mais é que o produto comercializável (um “certificado”) que representa a redução ou remoção de uma tonelada de CO2 - dióxido de carbono ou de gases de efeito estufa da atmosfera. Ele pode ser comprado por empresas ou governos para compensar suas próprias emissões.

E é justamente aqui, neste ponto onde se começa a tratar das consequências e resultados financeiros das ações de REDD+, que repousam muitas dúvidas e questionamentos sobre o tema.

Programa jurisdicional

Através da citada lei 4.111, de 5 de janeiro de 2023, o Estado do Tocantins instituiu a PEPSA - Política Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais e definiu, através do art. 15, que a titularidade originária do crédito de carbono jurisdicional pertence ao Estado do Tocantins, e decorre das atribuições deste para a adoção de esforços de comando, controle, conservação, fiscalização e monitoramento de ações voltadas à preservação, proteção e recuperação do meio ambiente, podendo alienar diretamente os créditos de carbono jurisdicionais ou fazer uso da Agência de Fomento do Tocantins S.A. e da Companhia Imobiliária de Participações, Investimentos e Parcerias do Estado do Tocantins – Tocantins Parcerias, dentre outras.

Contudo, a também já citada lei federal 15.042, de 11 de dezembro de 2024 (editada quase dois anos após a lei estadual 4.111/23) traz o conceito do programa adotado pelo Estado do Tocantins (o jurisdicional), e resguarda o direito dos proprietários de áreas inseridas no programa jurisdicional de se retirarem. Vejamos:

Art. 2º Para os efeitos desta lei, considera-se:

XXVI - programas jurisdicionais “REDD+ abordagem de mercado”: políticas e incentivos positivos para atividades relacionadas à redução de emissões por desmatamento e degradação florestal e ao aumento de estoques de carbono por regeneração natural da vegetação nativa, em escala nacional ou estadual, amplamente divulgados, passíveis de recebimento de pagamentos por meio de abordagem de mercado, incluindo captação no mercado voluntário, observada a alocação de resultados entre a União e as unidades da Federação de acordo com norma nacional pertinente, resguardado o direito dos proprietários, usufrutuários legítimos e concessionários de requerer, a qualquer tempo e de maneira incondicionada, a exclusão de suas áreas de tais programas para evitar dupla contagem na geração de créditos de carbono com base em projetos, nos termos do art. 43 desta lei, proibida, em qualquer caso, para evitar a dupla contagem, qualquer espécie de venda antecipada referente a período futuro;

E mais: o art. 43 da referida lei federal se constitui em verdadeiro regulamento conceitual sobre titularidade de créditos de carbono e programa jurisdicional de crédito de carbono “REDD+ abordagem de mercado”, além de resguardar em vários momentos o direito real de propriedade.  Vejamos sua reprodução integral, com pontos relevantes destacados:

Art. 43. A titularidade originária dos créditos de carbono cabe ao gerador de projeto de crédito de carbono ou de CRVE, sendo válida, como forma de exercício dessa titularidade, a previsão contratual de compartilhamento ou cessão desses créditos em projetos realizados por meio de parceria com desenvolvedores de projetos de crédito de carbono ou de CRVE, que, neste caso, também passam a ser titulares, reconhecendo-se:

I - a titularidade originária da União sobre os créditos de carbono gerados em terras devolutas e unidades de conservação federais, ressalvado o disposto no inciso VI deste caput, e nos demais imóveis federais que sejam, cumulativamente, de propriedade e usufruto da União, desde que não haja sobreposição com área de propriedade ou usufruto de terceiros, ressalvado o disposto no § 9º deste artigo;

II - a titularidade originária dos Estados e do Distrito Federal sobre os créditos de carbono gerados em unidades de conservação estaduais e distritais, ressalvado o disposto no inciso VI deste caput, e nos demais imóveis estaduais e distritais que sejam, cumulativamente, de propriedade e usufruto dos Estados ou do Distrito Federal, desde que não haja sobreposição com área de propriedade ou usufruto de terceiros, ressalvado o disposto no § 9º deste art.;

III - a titularidade originária dos municípios sobre os créditos de carbono gerados em unidades de conservação municipais, ressalvado o disposto no inciso VI deste caput, e nos demais imóveis municipais que sejam, cumulativamente, de propriedade e usufruto dos municípios, desde que não haja sobreposição com área de propriedade ou usufruto de terceiros, ressalvado o disposto no § 9º deste art.;

IV - a titularidade originária dos proprietários ou usufrutuários privados sobre os créditos de carbono gerados em imóveis de usufruto privado;

V - a titularidade originária das comunidades indígenas sobre os créditos de carbono gerados nas respectivas terras indígenas descritas no art. 231 da Constituição Federal;

VI - a titularidade originária das comunidades extrativistas e tradicionais sobre os créditos de carbono gerados nas respectivas unidades de conservação de uso sustentável que admitem sua presença, previstas nos incisos III, IV e VI do caput do art. 14 da lei 9.985, de 18 de julho de 2000;

VII - a titularidade originária das comunidades quilombolas sobre os créditos de carbono gerados nas respectivas terras remanescentes das comunidades dos quilombos, previstas no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

VIII - a titularidade originária dos assentados beneficiários de programa de reforma agrária residentes em projetos de assentamento sobre os créditos de carbono gerados nos lotes de projetos de assentamento dos quais tenham usufruto, independentemente de já possuírem ou não título de domínio;

IX - a titularidade originária dos demais usufrutuários sobre os créditos de carbono gerados nos demais imóveis de domínio público não mencionados nos incisos I a VIII deste caput, desde que o usufruto não seja do ente público que tem a propriedade do imóvel.

§ 1º Os projetos públicos de crédito de carbono, que não se confundem com os programas jurisdicionais previstos no § 6º deste art., serão desenvolvidos com estrito respeito à propriedade privada e ao usufruto legítimo alheio e somente poderão ser realizados nas áreas referidas nos incisos I, II e III do caput deste artigo e quando o ente público tenha, cumulativamente, propriedade e usufruto de tais áreas, desde que não haja sobreposição com área de concessão ou de propriedade ou usufruto legítimo de terceiro, sendo possível que o ente público, atendidas essas condições, desenvolva diretamente em tais áreas projetos estatais de crédito de carbono ou, alternativamente, implemente nestas áreas projetos privados de crédito de carbono em parceria com desenvolvedor de projeto de crédito de carbono ou CRVE, observado que, neste último caso, será necessária a realização de licitação.

§ 2º O desenvolvimento dos projetos públicos de crédito de carbono por entidades estatais mencionados no § 1º, que não se confundem com os programas jurisdicionais previstos no § 6º deste art., somente poderá ocorrer nas áreas referidas nos incisos I, II e III do caput deste artigo e desde que não haja sobreposição com as áreas dos incisos IV a IX do caput deste artigo, sendo possível, se for a vontade conjunta de mais de um ente público de diferentes esferas federativas, a realização de consórcio público, nos termos da lei 11.107, de 6 de abril de 2005 (lei de consórcios públicos), a fim de desenvolverem conjuntamente os mencionados projetos estatais em tais áreas, estabelecendo divisão de responsabilidades, bem como a repartição dos créditos de carbono deles originados.

§ 3º O consórcio mencionado no § 2º deste art. poderá realizar parceria com desenvolvedor de projeto de crédito de carbono ou CRVE, desde que por meio de licitação.

§ 4º Geradores e desenvolvedores de projetos de crédito de carbono poderão, por meio de contrato, acordar regimes de financiamento e alienação diferenciados, nos termos desta lei.

§ 5º O contrato celebrado entre gerador e desenvolvedor de projeto de crédito de carbono deve ser averbado no registro de imóveis da circunscrição em que se localiza o bem imóvel usado como base para o projeto, exceto no caso de projetos públicos de créditos de carbono, observado que, em relação a essa averbação, o seu cancelamento ocorrerá com a extinção do contrato, o prazo de eficácia e as condições de renovação do contrato seguirão, no que couber, o disposto no art. 1.485 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (CC), e o perímetro da área do imóvel alcançada será descrito em memorial descritivo na forma do § 3º do art. 176 da lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (lei de registros públicos).

§ 6º Os entes públicos poderão desenvolver programas jurisdicionais de crédito de carbono “REDD+ abordagem de mercado”, observado o seguinte:

I - é vedada a venda antecipada de créditos de carbono;

II - é permitida a celebração de contratos que tenham como objeto condições comerciais para a venda de créditos de carbono gerados a partir da verificação de resultados obtidos;

III - é realizada a verificação de que trata o inciso II deste parágrafo mediante a apuração de resultados ocorridos em períodos anteriores, dos quais deverão ser excluídos aqueles advindos de áreas de imóveis em concessão ou de propriedade ou usufruto legítimo de terceiros que comunicaram sua opção pela exclusão do programa jurisdicional;

IV - é proibida, para evitar a dupla contagem, a venda de resultados futuros;

V - é vedada, de forma imediata e incondicionada, a venda de créditos de carbono relativa à área de qualquer imóvel cujo proprietário ou usufrutuário comunique ao CONAREDD+, a qualquer tempo, por meio de documento escrito, a vontade de ter seu imóvel excluído do programa jurisdicional, sendo nula de pleno direito qualquer venda posterior a tal comunicação;

VI - devem os entes públicos abster-se de qualquer exigência ou condicionante ao direito de exclusão previsto no inciso III deste parágrafo.

§ 7º Com a exclusão do imóvel em concessão ou de propriedade ou usufruto legítimo de terceiro do programa jurisdicional de crédito de carbono, a ser realizada obrigatoriamente logo após o comunicado referido no § 6º deste art., o imóvel excluído permanece sujeito a todas as normas ambientais, bem como a todas as políticas públicas ambientais, não deixando seu proprietário ou usufrutuário legítimo de fazer jus, apenas pela exclusão de seu imóvel do programa jurisdicional, a qualquer política pública social que o ente público tenha obrigação de prestar, tendo a exclusão do imóvel apenas o efeito de não mais permitir que o ente público venda crédito de carbono relativo ao imóvel em concessão ou de propriedade ou usufruto legítimo de terceiro, objeto da comunicação de exclusão do programa jurisdicional de crédito de carbono.

§ 8º No caso das áreas referidas nos incisos I, II e III do caput deste art. que tenham sido objeto de desapropriação, mas que ainda não tenham sido devidamente indenizadas, os entes públicos poderão realizar projetos estatais, observado que os recursos dos projetos destinados ao ente público poderão ser, parcial ou integralmente, utilizados para o pagamento das indenizações, até a sua quitação.

§ 9º Caso seja apenas parcial a sobreposição com área de propriedade ou usufruto de terceiros dos imóveis referidos nos incisos I, II e III do caput deste art., o ente público poderá desenvolver projeto estatal no restante da área em que não haja a sobreposição.

§ 10. A existência de programas jurisdicionais previstos no § 6º deste art., durante toda a sua vigência, não implica qualquer restrição ou limitação adicionais à utilização de áreas de propriedade privada ou usufruto de terceiros para quaisquer outras finalidades produtivas, atuais ou futuras, inclusive conversão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, nos termos da legislação ambiental geral, bem como para desenvolvimento de projetos privados de crédito de carbono, nos termos desta lei.

§ 11. A geração de créditos de carbono pelos projetos referidos no § 10 poderá ser realizada apenas após a comunicação ao CONAREDD+ da exclusão da área, nos termos do § 7º deste art..

§ 12. O previsto no § 10 aplica-se, inclusive, a áreas de propriedade privada ou de usufruto de terceiros que tenham sido excluídas de programas jurisdicionais de que trata o § 6º deste art..

§ 13. Os créditos de carbono gerados por programas jurisdicionais serão, excepcionalmente, de titularidade do proponente dos Poderes Executivos federal, estadual ou distrital, de maneira que tais programas devem sempre respeitar os direitos de propriedade privada e usufruto de terceiros, garantidos pela proibição dos programas jurisdicionais, em qualquer caso, de qualquer espécie de venda antecipada referente a período futuro, observado que os proprietários e usufrutuários referidos nos incisos IV a IX do caput deste art. não poderão ser prejudicados em seu direito de vender créditos de carbono referentes a qualquer período imediatamente subsequente à comunicação de exclusão de seus imóveis do programa jurisdicional, além do direito de qualquer proprietário ou usufrutuário, a qualquer tempo, de comunicar a exclusão de seu imóvel do programa jurisdicional, exclusão que será feita de forma imediata e incondicionada.

§ 14. Desde a fase de estruturação dos programas jurisdicionais de que trata o § 6º deste art., serão garantidos transparência das submissões às entidades acreditadoras e dos acordos, memorandos de entendimento e contratos assinados pelo ente público, bem como direito de informação requerido por qualquer entidade representativa de agricultores, indígenas, quilombolas e comunidades extrativistas com atuação na área do programa.

§ 15. Quando se tratar de projeto público de crédito de carbono, referido no § 1º deste art., realizado em unidade de conservação da natureza de domínio público, nos termos da lei 9.985, de 18 de julho de 2000, os recursos destinados ao ente público poderão ser, parcial ou totalmente, utilizados para pagamento de indenizações em processos de regularização fundiária na respectiva área.

§ 16. Os compradores de créditos de carbono que tenham natureza jurídica de fruto civil não poderão ser responsabilizados legalmente por vícios pertinentes aos imóveis em que se desenvolveram os projetos de geração desses créditos, salvo quando comprovada sua atuação com má-fé ou fraude.

§ 17. Nos programas jurisdicionais “REDD+ abordagem de mercado”, quando se tratar de créditos de carbono gerados a partir de resultados ocorridos em áreas de propriedade ou usufruto legítimo de terceiros, bem como de indígenas, quilombolas e extrativistas, é assegurado aos proprietários ou usufrutuários legítimos o recebimento de receitas proporcionais ao remanescente de vegetação existente nas áreas, inclusive a título de Área de Preservação Permanente e de Reserva Legal, nos termos da legislação ambiental geral.

Como visto, o art. 43 da norma federal, de observância obrigatória por todos, resguardou a todo proprietário ou possuidor de imóvel que eventualmente esteja inserido no programa jurisdicional, o direito de requerer a exclusão de sua área do programa, além de garantir expressamente a titularidade originária do crédito de carbono aos proprietários ou usufrutuários privados sobre aqueles que forem gerados em imóveis de usufruto privado (Inciso V do caput).

E qual o impacto do REDD+ em nossas vidas?

Bem, se você chegou até aqui, deve ter percebido facilmente que o tema é complexo, específico, demanda conhecimento de várias normas e conceitos técnicos, mas que possui um objetivo simples e necessário: proporcionar justiça socioeconômica, através de subvenções publicas, privadas, nacionais e internacionais, a todos aqueles que de algum modo efetivo preservam o meio-ambiente sem deixar de lado a produção sustentável, afinal, preservar sem possibilitar condições de sustento e meios de produção harmônicos não mais atende a realidade social humana. Assim, recompensar as ações que conjuguem a preservação ambiental com a produção e o desenvolvimento socioeconômico se revela como uma política pública não só necessária, mas essencial para a realidade de nosso Estado.

O REDD+, se implementado corretamente (e ao que tudo indica o Estado do Tocantins tem se esforçado muito para fazer o certo), tem tudo para ser uma política pública ambiental de resultados quase que imediatos. Com o REDD+, o titular originário ou o gerador de projeto de crédito de carbono, primeiro realiza o serviço ambiental para logo na sequência receber o pagamento por este serviço. É um mecanismo que estimula a implementação de novas medidas e serviços ambientais sustentáveis de mitigação dos gases de efeito estufa. Ou seja, é um ciclo “ganha-ganha”: ganha o meio-ambiente com menos emissões de gases de efeito estufa e ganha quem preserva e produz de modo sustentável.

Como citou Barack Obama durante a Cúpula de Paris4, em 2015, parafraseando um governador americano: "Somos a primeira geração a sentir o impacto das mudanças climáticas e a última que pode fazer algo a respeito". Que o REDD+ seja então um dos legados de nossa geração. 

_______

1 https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/secd/redd

2 https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/secd/redd/assuntos/financiamento-para-redd#:~:text=O%20Brasil%20possui%20acordos%20bilaterais,por%20meio%20do%20Fundo%20Amazônia.

3 https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/biodiversidade-e-biomas/biomas-e-ecossistemas/conservacao-1/servicos-ecossistemicos/servicos-ecossistemicos-1

4 https://obamawhitehouse-archives-gov.translate.goog/the-press-office/2015/11/30/remarks-president-obama-first-session-cop21?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc

Gustavo Bottós de Paula
Advogado formado pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Pós-graduado em Direito Público, Civil e Processual Civil. Diretor-Geral do Hospital e Maternidade Dona Regina, em Palmas, Tocantins.

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