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Prisão domiciliar e jurisdição constitucional

Análise jurídica da prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, abordando fundamentos constitucionais, processuais e impactos para a liberdade de expressão e ordem pública.

26/9/2025

Introdução

O presente estudo tem por objetivo analisar, sob a perspectiva jurídico-constitucional e processual penal, a decisão do STF que impôs prisão domiciliar ao ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro. Tal medida decorreu de alegado descumprimento de medidas cautelares previamente fixadas, em contexto de apuração de condutas potencialmente atentatórias ao Estado Democrático de Direito.

A discussão que se apresenta envolve a ponderação entre direitos fundamentais - especialmente a liberdade de expressão - e a necessidade de tutela da ordem pública e da eficácia da jurisdição. A análise buscará contextualizar o caso concreto, identificar os fundamentos jurídicos constitucionais e processuais invocados, examinar a jurisprudência aplicável e discutir criticamente os argumentos favoráveis e contrários à decisão.

Com base em doutrina especializada e precedentes dos tribunais superiores, pretende-se oferecer contribuição para o debate acadêmico e profissional acerca dos limites e possibilidades das medidas cautelares pessoais no âmbito da jurisdição constitucional e da proteção das instituições democráticas.

1.1 Contexto fático e processual da prisão domiciliar

A decretação da prisão domiciliar do ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro, pelo ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do STF1, insere-se em um contexto de descumprimento reiterado de medidas cautelares anteriormente impostas, notadamente a proibição de uso de redes sociais, inclusive por intermédio de terceiros2. O caso, revestido de ampla repercussão política e social, desperta intensos debates jurídicos sobre os limites das medidas cautelares pessoais, a compatibilidade de tais restrições com o direito fundamental à liberdade de expressão e a proporcionalidade na atuação jurisdicional.3

Sob a perspectiva processual, a medida foi adotada em fase investigatória de inquérito que apura suposta prática de atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito4. A decisão contempla, além do recolhimento domiciliar, o uso de monitoramento eletrônico e restrições de visitas, prevendo saídas apenas em hipóteses autorizadas judicialmente.5

1.2 Fundamentos jurídicos constitucionais

1.2.1 Liberdade de expressão e seus limites

A liberdade de expressão, insculpida no art. 5º, IV e IX, da Constituição da República, não ostenta caráter absoluto, encontrando limites quando se confronta com outros direitos e valores constitucionais6. A jurisprudência do STF tem reiterado que a restrição a tal liberdade, quando motivada por condutas concretas que evidenciem abuso do direito, não configura censura prévia, mas medida cautelar legítima, especialmente em casos que envolvam risco de obstrução da Justiça.7

1.2.2 Devido processo legal e proporcionalidade

O devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV, da Constituição, impõe que quaisquer medidas restritivas de direitos sejam precedidas de fundamentação idônea, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa8. No caso em apreço, a decretação da prisão domiciliar foi justificada com base em elementos concretos indicativos de descumprimento de medidas cautelares prévias, o que, à luz da proporcionalidade, autorizaria o recrudescimento da resposta jurisdicional.9

1.2.3 Competência do STF

A competência do STF para processar e julgar medidas cautelares no âmbito de inquéritos que apuram condutas de altas autoridades decorre do art. 102 da Constituição10. Ademais, o STF exerce função de guarda da Constituição, o que inclui a adoção de providências urgentes para assegurar a eficácia de suas decisões e a preservação de direitos fundamentais.11

1.3 Fundamentos jurídicos processuais penais

1.3.1 Medidas cautelares pessoais e agravamento

O CPP, em seus arts. 282 e 319, prevê a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, bem como a possibilidade de seu agravamento ou substituição quando constatado descumprimento.12

1.3.2 Prisão domiciliar e monitoramento eletrônico

A prisão domiciliar, disciplinada no art. 317 do CPP, consiste no recolhimento do investigado ou réu em sua residência, só podendo dela ausentar-se mediante autorização judicial.13

1.3.3 Proibição de uso de redes sociais

A imposição de proibição de uso de redes sociais, direta ou por intermédio de terceiros, tem sido admitida pela jurisprudência.14

1.4 Jurisprudência relevante

A jurisprudência do STF e do STJ respalda a adoção de medidas cautelares mais gravosas diante do descumprimento de condições anteriormente impostas15, reconhecendo ainda a possibilidade de restrição à comunicação em redes sociais para impedir obstrução da Justiça.16

1.5 Argumentos pró e contra a decisão

Entre os argumentos favoráveis à decisão, destacam-se a preservação da ordem pública, a efetividade processual e a vedação ao abuso de direito17. Por outro lado, as críticas concentram-se na potencial violação do núcleo essencial da liberdade de expressão, na ampliação das restrições de visitas e na possibilidade de caracterização de excesso punitivo.18

2 Considerações finais

A análise da prisão domiciliar imposta ao ex-Presidente da República revela a complexidade do equilíbrio entre a salvaguarda de direitos fundamentais e a necessidade de preservar a ordem pública e a regularidade do processo penal. A decisão do STF, fundamentada em descumprimentos reiterados de medidas cautelares, enquadra-se nos parâmetros constitucionais e processuais penais, sobretudo à luz do princípio da proporcionalidade.

Não obstante, a medida suscita relevantes discussões jurídicas e políticas. De um lado, reforça a autoridade do Judiciário na proteção das instituições democráticas; de outro, exige vigilância crítica para evitar excessos e garantir que a restrição de direitos não ultrapasse os limites estritamente necessários. O caso evidencia a importância de um controle jurisdicional atento, pautado na motivação concreta e na observância rigorosa dos direitos e garantias fundamentais.

________

Referências

BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

CAPEZ, Fernando. Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2025.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 46. ed. São Paulo: Malheiros, 2023.

STF. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal 1336 AgR. Rel. Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 19 ago. 2024.

STF. Supremo Tribunal Federal. Petição 10391 AgR. Rel. Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 14 nov. 2022.

STJ. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus 134.861/SP. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. Julgado em 9 abr. 2024.

1 STF. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal 1336 AgR. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 19 ago. 2024. 

2 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

3 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

4 Idem, op. cit.

5 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

6 STF. Supremo Tribunal Federal. Petição 10391 AgR. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 14 nov. 2022.

7 CAPEZ, Fernando. Processo Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2025.

8 BADARÓ, op. cit.

9 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 46. ed. São Paulo: Malheiros, 2023.

10 Idem, op. cit.

11 NUCCI, op. cit.

12 Idem, op. cit.

13 STF, Petição 10391 AgR, op. cit.

14 STJ. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus 134.861/SP. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 9 abr. 2024.

15 STF, Petição 10391 AgR, op. cit.

16 MENDES; BRANCO, op. cit.

17 Idem, op. cit.

18 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

Paulo Vitor Faria da Encarnação
Mestre em Direito Processual. UFES. paulo@santosfaria.com.br. Advogado. OAB/ES 33.819. Santos Faria Sociedade de Advogados.

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