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O bloqueio eletrônico de ativos financeiros na execução trabalhista

Análise do bloqueio eletrônico via Sisbajud na execução trabalhista, sua evolução, limites legais, jurisprudência e equilíbrio entre efetividade e garantias constitucionais do devedor.

15/10/2025

1. Introdução

A execução trabalhista, pela sua natureza voltada à satisfação de créditos de caráter alimentar, ocupa posição singular no sistema processual brasileiro. O ordenamento jurídico confere-lhe prioridade, impondo ao Poder Judiciário a adoção de medidas capazes de assegurar que a decisão judicial transitada em julgado produza, de modo tempestivo, efeitos concretos na esfera patrimonial do credor. Nesse contexto, o bloqueio eletrônico de ativos financeiros via Sisbajud consolidou-se como um dos instrumentos mais eficazes para a concretização dessa tutela, permitindo ao juiz alcançar bens líquidos e de rápida conversão em pagamento.

A substituição do BacenJud pelo Sisbajud, em 2020, representou não apenas um avanço tecnológico, mas uma mudança qualitativa na forma como se operacionaliza a penhora eletrônica. A ampliação das funcionalidades - especialmente a introdução da modalidade “teimosinha”, que possibilita a reiteração automática de ordens de bloqueio - reflete uma política judiciária orientada para a efetividade e a celeridade, valores consagrados no art. 5.º, XXXV, da CF/88 e no art. 797 do CPC.

Todavia, a utilização dessa ferramenta não se dá em um vácuo normativo ou axiológico. A execução, mesmo quando instrumentalizada por sistemas eletrônicos, deve observar as garantias constitucionais do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, além de respeitar os limites legais de impenhorabilidade previstos no art. 833 do CPC. Trata-se de um exercício de ponderação, no qual o direito do credor ao recebimento do crédito e o direito do devedor à preservação de condições mínimas de subsistência devem coexistir em equilíbrio.

Este artigo tem por objetivo examinar, à luz da doutrina, da legislação e da jurisprudência recente do STF, do STJ e dos tribunais locais, os principais aspectos jurídicos, as controvérsias e as tendências relacionadas ao bloqueio de contas bancárias na execução trabalhista via Sisbajud. A análise parte da conceituação e evolução histórica do sistema, avança para a discussão de seus limites e exceções, e culmina na apreciação das questões ainda em aberto, buscando oferecer parâmetros técnicos para uma aplicação constitucionalmente adequada e socialmente justa da penhora eletrônica no processo do trabalho.

2. Fundamentação teórica e análise jurídica

2.1 Jurisdição constitucional e efetividade da execução trabalhista

A jurisdição constitucional, concebida como expressão da função jurisdicional do Estado voltada à tutela dos preceitos constitucionais, manifesta-se, no plano da execução trabalhista, na harmonização entre a eficácia da prestação jurisdicional e a observância dos direitos fundamentais das partes. A efetividade, nesse contexto, não se limita ao cumprimento formal da decisão judicial, mas envolve a concretização material do direito reconhecido, especialmente quando se trata de crédito de natureza alimentar, cuja satisfação integra o núcleo da dignidade da pessoa humana.

No campo da execução trabalhista, a CF/88 assegura, no art. 5º, XXXV, o acesso à jurisdição para a proteção de direitos lesados ou ameaçados, ao passo que, no art. 7º, X, consagra a proteção do salário contra a retenção dolosa. Esses dispositivos, interpretados conjuntamente, impõem ao Estado-juiz o dever de dotar a execução de instrumentos céleres e eficazes, aptos a superar condutas protelatórias do devedor e garantir a fruição tempestiva do crédito reconhecido.

O STF, ao exercer sua jurisdição constitucional, tem reiterado que a efetividade da execução trabalhista está diretamente vinculada ao cumprimento das ordens judiciais e à adoção de meios executivos adequados, desde que respeitados os limites constitucionais da impenhorabilidade. Essa diretriz aproxima-se do entendimento doutrinário segundo o qual a jurisdição, para além de função técnica, constitui atividade destinada à pacificação social com justiça, exigindo a aplicação prática das garantias constitucionais processuais.

No tocante ao bloqueio de ativos financeiros, o uso do Sisbajud como mecanismo de constrição patrimonial revela a interface entre a jurisdição constitucional e a processual: de um lado, garante-se ao credor o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva; de outro, preservam-se ao devedor os direitos à dignidade, ao mínimo existencial e ao devido processo legal. O desafio do intérprete e do aplicador da lei reside em equilibrar tais vetores, valendo-se da jurisprudência e dos princípios constitucionais como parâmetros de decisão.

2.2 O bloqueio de ativos financeiros via Sisbajud

2.2.1 Conceito e evolução histórica do sistema BacenJud/Sisbajud

O bloqueio eletrônico de ativos financeiros, atualmente viabilizado pelo Sisbajud - Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário, consiste em mecanismo informatizado de comunicação direta entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, gerido pelo CNJ em cooperação com o Banco Central do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Seu objetivo primordial é tornar indisponíveis, de forma célere e segura, valores existentes em contas bancárias ou aplicações financeiras em nome do executado, até o limite da dívida, para posterior conversão em penhora.

A origem dessa ferramenta remonta ao BacenJud, sistema implantado em 2001 por meio de convênio entre o Banco Central e o Poder Judiciário. Inicialmente concebido para substituir os ofícios físicos expedidos aos bancos, o BacenJud representou um avanço significativo na efetividade da execução, reduzindo o tempo de resposta das instituições financeiras e aumentando a taxa de sucesso na localização de ativos. Sua evolução, contudo, revelou limitações técnicas e operacionais - como a ausência de integração com novos produtos bancários e a dificuldade em viabilizar reiterações automáticas de ordens de bloqueio.

Em setembro de 2020, o BacenJud foi substituído pelo Sisbajud, que ampliou substancialmente as funcionalidades do sistema anterior. Entre as inovações, destacam-se: a implementação da chamada “teimosinha”, que permite a reiteração automática de ordens de bloqueio por prazo determinado, até a satisfação integral da obrigação; o acesso a extratos detalhados e históricos de movimentação; e a possibilidade de requisição de informações complementares, como contratos de câmbio e de crédito.

Do ponto de vista histórico, a transição do BacenJud para o Sisbajud reflete não apenas um aprimoramento tecnológico, mas também uma resposta institucional à necessidade constitucional de conferir efetividade à jurisdição - especialmente na execução de créditos trabalhistas e alimentares. A jurisprudência do STJ tem reconhecido a legitimidade dessa evolução, afirmando que a utilização reiterada de ordens de bloqueio não configura ilegalidade, desde que observados os limites legais e constitucionais de impenhorabilidade.

Assim, a trajetória do BacenJud ao Sisbajud demonstra a progressiva integração entre tecnologia e jurisdição, consolidando-se como instrumento indispensável para a realização do direito material reconhecido em juízo, sem afastar o controle judicial quanto à legalidade e proporcionalidade das constrições efetuadas.

2.2.2 A modalidade “teimosinha” e a eficiência na localização de ativos

A modalidade “teimosinha”, incorporada ao Sisbajud a partir de sua implantação em 2020, consiste na reiteração automática de ordens de bloqueio eletrônico por período previamente fixado pelo magistrado, até a integral satisfação do valor devido. Diferentemente do modelo tradicional, em que a ordem de constrição era única e dependia de novas determinações judiciais para ser repetida, a “teimosinha” mantém ativa a tentativa de bloqueio por dias ou semanas, rastreando continuamente eventuais créditos que ingressem nas contas do executado.

Do ponto de vista jurídico-processual, a ferramenta atende ao princípio da efetividade da execução (CPC, art. 797) e à diretriz constitucional de tutela jurisdicional tempestiva (CF/88, art. 5.º, XXXV). Ao reduzir a necessidade de despachos sucessivos e eliminar intervalos entre tentativas, aumenta-se a probabilidade de localizar ativos que, de outra forma, seriam dissipados antes da constrição. Essa característica é especialmente relevante em execuções trabalhistas, nas quais a natureza alimentar do crédito justifica medidas mais incisivas e céleres para garantir o adimplemento.

A jurisprudência recente consolidou a legitimidade do uso da “teimosinha”, desde que limitada no tempo e no valor da dívida. O STJ, no REsp 2.034.208/RS, reconheceu que a reiteração automática “não é revestida, por si só, de qualquer ilegalidade, porque busca dar concretude aos arts. 797, caput, e 835, I, do CPC”, ressaltando que o bloqueio deve respeitar as hipóteses legais de impenhorabilidade. Tribunais estaduais, como o TJ/MG e o TJ/TO, também têm admitido o uso mesmo para valores considerados ínfimos, firmando que a irrisoriedade não afasta a constrição, desde que vinculada ao crédito exequendo.

A experiência prática indica que a “teimosinha” amplia a eficiência na localização de ativos em contas com movimentação esporádica ou que recebem depósitos em datas específicas, como proventos, pagamentos de contratos e repasses periódicos. Ao monitorar automaticamente tais ingressos, o sistema impede que o devedor, ciente de um bloqueio pontual, organize-se para esvaziar contas antes de novas ordens judiciais.

Em síntese, a modalidade representa um salto qualitativo na utilização de meios executivos eletrônicos, equilibrando celeridade e eficácia, sem afastar o controle jurisdicional sobre a razoabilidade e proporcionalidade da medida. A sua adoção, contudo, deve ser acompanhada de fundamentação concreta que justifique o período de reiteração e a pertinência da medida à luz do caso concreto, prevenindo abusos e preservando o devido processo legal.

Clique aqui para acessar a íntegra do artigo.

Paulo Vitor Faria da Encarnação
Mestre em Direito Processual. UFES. paulo@santosfaria.com.br. Advogado. OAB/ES 33.819. Santos Faria Sociedade de Advogados.

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