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Defesa da manutenção do modelo societário exclusivo na advocacia: Um alerta contra a extensão às cooperativas

Proposta de permitir cooperativas de advogados viola ética e lei 8.906/1994, arriscando responsabilidade individual e independência profissional.

2/9/2025

A proposição 49.0000.2024.005075-5/COP, que tem por origem o IAB - Instituto dos Advogados do Brasil (Ofício PR/COM/50/2024), em trâmite no Conselho Federal da OAB, sob a relatoria do Conselheiro Federal Francisco Mauricio Rabelo de Albuquerque Silva (PE), de modificar o provimento 112/06 do Conselho Federal da OAB, ao arrepio da lei 8.906/1994, a fim de permitir que advogados possam se organizar sob a forma de cooperativas, representa um grave equívoco jurídico, ético e institucional, com potencial de comprometer as bases que sustentam a Advocacia como função essencial à justiça.

1. A natureza personalíssima e a ética da advocacia

A Advocacia é atividade de caráter personalíssimo e vocacionada à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, com previsão constitucional no art. 133 da Constituição Federal. Ao permitir a formação de cooperativas, transfere-se o foco da responsabilidade individual para uma estrutura em que o vínculo cooperado-cooperativa pode diluir o comprometimento ético pessoal do advogado com o cliente. A relação de confiança - que é o pilar da Advocacia - não pode ser fragmentada ou flexibilizada por um modelo jurídico criado para fins essencialmente econômicos e produtivos, como é o caso das cooperativas.

2. Incompatibilidade estrutural entre advocacia e cooperativismo

As duas espécies de sociedades de advogados, conforme disciplinado pelo Estatuto da Advocacia (lei 8.906/1994) e pelos provimento 112/06 e provimento 170/16, são formadas por profissionais que prestam serviços em nome próprio ou em conjunto, mas sempre com responsabilidade direta e solidária pelas consequências éticas e jurídicas de seus atos:

  • Sociedade de advogados: Constituída exclusivamente por advogados, com regras rígidas para responsabilidade societária, ingresso e retirada de sócios, além da proibição de capital externo e sócios de indústria (provimento 112/06).
  • Sociedade unipessoal de advocacia: Modelo que permite ao advogado atuar como titular de sua própria sociedade, com benefícios tributários e maior formalização (provimento 170/16).

O presidente da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados, Carlos Augusto Monteiro Nascimento, em reunião realizada, em 4 de agosto de 2025, no CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, durante sua exposição no CADEP - Comitê de Ética e Disciplina, informou que há 183.836 espécies de sociedades de advogados registradas no Brasil, sendo 75.789 (41,23%) plúrimas e 108.039 (58,77%) unipessoais.

O Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, prescreve:

Art. 37. Os advogados podem constituir sociedade simples, unipessoal ou pluripessoal, de prestação de serviços de advocacia, a qual deve ser regularmente registrada no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.

Art. 43. “O registro da sociedade de advogados observa os requisitos e procedimentos previstos em provimento do Conselho Federal.”

A lei 8.906/1994 prescreve:

Art. 34. “Constitui infração disciplinar:

II - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos nesta lei;”

A mudança do provimento, como pretendida, viola a lei 8.906/1994.

Mas tramita na Câmara dos Deputados o PL 2424/23, que tem por ementa: “Acrescenta dispositivo à lei 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a OAB, para criar a sociedade cooperativa de advogados.1

O movimento para se permitir criar sociedade cooperativa de advogados está em duas frentes, no Conselho Federal da OAB e no Congresso Nacional.

As cooperativas, nos termos da lei 5.764/1971, são sociedades de pessoas com forma e natureza jurídica próprias, organizadas para prestar serviços aos seus associados. O modelo cooperativista tem por finalidade a união de esforços para obtenção de vantagens econômicas, com divisão de resultados - conceitos incompatíveis com a forma como o serviço advocatício deve ser exercido.

A lógica cooperativista, orientada por objetivos econômicos e produtivos, tende a transformar a Advocacia em atividade mercantil, o que é expressamente vedado pelo art. 16 da lei 8.906/1994. A Advocacia não é e não deve ser tratada como serviço comum de mercado.

3. Riscos à fiscalização e à responsabilidade profissional

O modelo de sociedades de advogados permite à OAB um controle mais rigoroso sobre a atuação profissional, a composição societária e o cumprimento dos deveres éticos. Ao se autorizar a constituição de cooperativas, abre-se margem para uma pulverização da responsabilidade, tornando mais difícil a fiscalização da atividade, a apuração de infrações e o cumprimento dos preceitos do Estatuto da Advocacia.

Além disso, o modelo cooperativo permitiria a entrada disfarçada de interesses alheios à Advocacia, por meio de estruturas complexas de gestão ou financiamento que escapem ao controle da Ordem, ferindo o princípio da intransigente defesa da independência profissional do advogado.

4. Desvirtuamento do papel social da OAB

A OAB, ao longo de sua história, tem defendido com firmeza que a Advocacia não pode ser confundida com qualquer outra atividade econômica. A permissão para constituição de cooperativas entre advogados representaria uma inflexão perigosa desse posicionamento institucional, colocando em risco a identidade profissional da classe e contribuindo para a precarização da profissão - especialmente diante do risco de que as cooperativas funcionem como “escritórios de fachada”, promovendo uma intermediação de mão de obra incompatível com a dignidade da Advocacia.

Conclusão

Modificar o provimento 112/06, além de ferir a lei 8.906/1994, para permitir cooperativas de advogados é caminhar em sentido contrário à preservação da ética, da responsabilidade individual e da independência da Advocacia. É transformar o exercício profissional em atividade empresarial comum, abrindo brechas perigosas à mercantilização da profissão. O modelo atual de sociedades de advogados, embora possa ser aprimorado, preserva a essência da profissão e deve ser mantido como o único admissível sob a legislação da OAB.

Com a palavra, o Conselho Federal da OAB.

_______

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2360887

Stanley Martins Frasão
Advogado, sócio de Homero Costa Advogados Diretor Executivo do CESA Centro de Estudos das Sociedades de Advogados Membro da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB

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