Introdução - a cena que se repete
Imagine a seguinte situação: um CFO de uma grande indústria, após anos de batalha judicial, recebe a tão aguardada notícia - a sentença foi favorável, reconhecendo o direito da empresa a receber milhões de reais de um devedor estratégico. A comemoração, porém, dura pouco: quando chega o momento da execução, descobre-se que não há bens localizados, que o patrimônio foi pulverizado em holdings, ou que veículos e imóveis já estavam em nome de terceiros.
Essa frustração, infelizmente, não é ficção. É a rotina de inúmeras empresas que, mesmo com vitória judicial, veem seu crédito se transformar em papel sem valor.
Durante décadas, esse ciclo de frustração alimentou o descrédito do processo executivo no Brasil. Mas esse paradigma começou a mudar. Com a digitalização dos tribunais, o CPC/15 e o avanço da tecnologia, uma nova lógica vem ganhando corpo: a execução cível 4.0, que combina Direito, inteligência artificial e análise de dados para transformar sentenças em ativos líquidos.
1) Da execução clássica ao novo modelo
No passado, a execução civil dependia de ferramentas limitadas: penhora de bens, hastas públicas, bloqueios pontuais. Enquanto isso, devedores sofisticados se antecipavam, ocultando ou blindando patrimônio.
O CPC/15 abriu uma brecha para o novo ao enfatizar:
- A efetividade da tutela jurisdicional (art. 4º);
- A cooperação processual (art. 6º);
- E o poder judicial de adotar medidas executivas atípicas (art. 139, IV).
Foi a partir desse marco que a tecnologia começou a se integrar ao processo: bancos de dados interligados (Sisbajud, Renajud, Infojud, CNIB), cruzamento de informações fiscais e financeiras, e agora, inteligência artificial.
2) A virada digital: Quando a IA entra em cena
Na execução 4.0, a inteligência artificial atua como um radar:
- Predição: Algoritmos mapeiam padrões e apontam onde há maior chance de recuperação.
- Automação: Petições de bloqueio, renovações e ofícios são gerados em segundos.
- Decisão estratégica: Cruzando balanços, participações societárias e fluxo de caixa, a IA embasa medidas como IDPJ e penhora de faturamento.
É como transformar a execução em um sistema de inteligência de guerra, em que cada movimento é calculado para aumentar as chances de resultado.
3) Business Intelligence: Do processo ao painel executivo
Se a IA ajuda a agir, o Business Intelligence permite enxergar.
Imagine um dashboard em que o CFO visualiza:
- Tempo médio até o primeiro bloqueio efetivo;
- Taxa de acordos antes da citação;
- Volume de créditos recuperados mês a mês;
- Ranking de varas e comarcas mais efetivas.
Esse painel muda a lógica da advocacia: em vez de relatórios genéricos, o cliente empresarial recebe indicadores objetivos, capazes de orientar decisões financeiras e de compliance.
4) O ciclo da execução cível 4.0
O processo deixa de ser linear e se torna contínuo:
- Diagnóstico da carteira (dados internos + Serasa/IBGE).
- Estratificação de risco (IA/score de recuperabilidade).
- Estratégia segmentada (clusters de devedores).
- Pesquisas patrimoniais iterativas.
- KPIs monitorados em tempo real.
- Ajustes dinâmicos (testes A/B em estratégias).
- Relatórios executivos para conselho e diretoria.
5) Limites jurídicos: Até onde ir?
A tecnologia não dispensa cautela. A LGPD exige finalidade e necessidade no uso de dados; medidas atípicas devem ser proporcionais e fundamentadas; e o devido processo deve ser respeitado em todas as fases.
A inovação só ganha legitimidade se vier acompanhada de transparência probatória, com documentação das diligências e registros de tentativas frustradas.
Conclusão - Advocacia de performance
O tempo da advocacia meramente reativa ficou para trás. A execução cível 4.0 inaugura uma advocacia de performance: baseada em dados, integrada ao negócio do cliente e orientada por resultados concretos.
Para o credor, isso significa transformar créditos parados em ativos líquidos. Para o advogado empresarial, representa reposicionamento estratégico: de operador do processo para parceiro de negócios.
Em síntese: quem domina dados, domina a execução.