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Subvenções de ICMS: A guerra infinita entre o fisco e o contencioso judicial

Créditos presumidos de ICMS não integram IRPJ/CSLL, decisão do STJ protege pacto federativo e reforça segurança jurídica contra ofensiva da União.

17/9/2025

As subvenções de ICMS - Créditos presumidos

Subvenções de ICMS são benefícios financeiros ou fiscais concedidos pelos Estados no âmbito do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Esses incentivos têm como objetivo estimular determinadas atividades econômicas, como investimentos produtivos, geração de empregos, inovação tecnológica ou instalação de empresas em regiões menos desenvolvidas.

As subvenções de ICMS podem assumir diferentes formas, sempre com o objetivo de incentivar determinados setores econômicos, atrair investimentos ou estimular atividades estratégicas em determinada região. Uma das principais modalidades de subvenção é o crédito presumido: em vez de pagar o ICMS integral, a empresa pode se creditar de um valor fictício (presumido), reduzindo o imposto a recolher.

A questão das subvenções de ICMS e a tributação do IRPJ e da CSLL vem sendo um dos temas mais polêmicos da área tributária, porque envolve conflito entre o fisco federal e os benefícios concedidos pelos Estados. Enquanto os Estados concedem benefícios de ICMS (isenção, redução de base, crédito presumido etc.), a Receita Federal, historicamente, entende que esse “ganho” deveria ser tributado no IRPJ e na CSLL, como se fosse receita ou lucro.

Deste ponto de partida, trava-se a principal problemática: os créditos presumidos de ICMS, principal modalidade de incentivo fiscal estadual, constituem, ou não, a receita ou lucro tributável para fins de IRPJ e CSLL?

O alicerce: EResp 1.517.492/PR e pacto federativo

Por meio do julgamento do EResp 1.517.492/PR, o STJ, em uma decisão que pode ser considerada histórica, pacificou a tese de que os créditos presumidos de ICMS, principal modalidade de incentivo fiscal estadual, não constituem receita ou lucro tributável para fins de IRPJ e CSLL. O fundamento não foi uma vantagem ou benefício ao contribuinte, mas sim a proteção a um princípio constitucional basilar.

Para tanto, a Corte Superior dissecou a natureza jurídica do benefício: trata-se de uma renúncia de receita por parte do Estado, que, ao invés de arrecadar o tributo para depois transferir recursos ao particular (subvenção por transferência), simplesmente deixa de cobrá-lo. O objetivo é claro: reduzir os custos de implantação ou operação de empresas em seu território, atraindo investimentos e fomentando a economia local.

De forma exemplificativa, imagine um Estado que concede um crédito presumido de R$ 100 (cem reais) a uma empresa. Se a União pudesse tributar esse valor em 34% (trinta e quatro por cento), equivalente a alíquota somada de IRPJ/CSLL, ela estaria se apropriando de R$ 34 (trinta e quatro reais) do esforço fiscal estadual. Na prática, o incentivo concedido pelo Estado seria consumido/desgastado pela União, criando uma interferência direta em sua política de desenvolvimento econômico. É exatamente essa interferência que viola o pacto federativo.

Portanto, no julgamento do EResp 1.517.492/PR o STJ concluiu que a tributação do crédito presumido, na forma de subvenção de ICMS, criaria uma hierarquia indevida entre os entes federados, onde a União, por via oblíqua, poderia esvaziar a competência e a autonomia dos Estados em conceder benefícios ou isenções fiscais sobre tributos de sua competência. Logo, a tributação do crédito presumido ensejaria a violação do pacto federativo.

Este entendimento foi solidificado e elevado a um patamar de observância obrigatória com o julgamento do Tema repetitivo 1.182 pelo mesmo STJ, em 2023. Na ocasião, a Corte foi cirúrgica: ao mesmo tempo em que definiu regras para a tributação de outros benefícios fiscais, fez questão de apartar e proteger o crédito presumido, afirmando expressamente mantém-se hígido o entendimento já consolidado pelo STJ no EREsp 1.517.492.

A ofensiva legislativa: Ineficácia da lei 14.789/23

Inconformada com a jurisprudência que vinha se formando após o julgamento do EREsp 1.517.492, a União apostou na via legislativa para tributar o crédito presumido. A lei 14.789/23 foi editada com o objetivo explícito de superar o entendimento do STJ, revogando o art. 30 da lei 12.973/14 e estabelecendo um novo regime. A nova lei passou a exigir pré-requisitos específicos para a não tributação da subvenção.

A estratégia legislativa, contudo, falhou em seu objetivo central. O Judiciário, em decisões liminares e de mérito proferidas já em 2025, rapidamente sinalizou que a nova lei não altera a premissa fundamental da discussão. O raciocínio é simples e direto: o fundamento da decisão do STJ no EREsp 1.517.492/PR, com força vinculante após o Tema 1.182, é constitucional (a proteção ao pacto federativo), e não meramente legal.

Logo, uma lei ordinária, como a lei 14.789/23, não possui hierarquia para se sobrepor à Constituição. A lógica de que a União não pode invadir a competência estadual para neutralizar seus incentivos fiscais permanece válida e inabalada. Dessa forma, para os créditos presumidos de ICMS, que são renúncia de receita, as exigências e limitações da nova lei são consideradas inaplicáveis.

Novos horizontes: Expansão da tese para PIS/COFINS e a posição do STF

Após a firmada jurisprudência sobre o IRPJ e CSLL, novas decisões sobre o mesmo tema vêm sendo tomadas para afastar os incentivos de ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. Se o crédito presumido de ICMS não é receita para fins de IRPJ/CSLL, também não pode ser considerado receita para as contribuições sociais. Trata-se de um ingresso financeiro que não transita pelo patrimônio da empresa como receita própria, mas sim como uma recuperação de custo ou uma diminuição de despesa.

Essa tese, já vitoriosa em diversos julgamentos no CARF, aguarda uma definição final do STF no Tema 843 da repercussão geral. Embora o julgamento, previsto para maio de 2025, tenha sido retirado de pauta, já há uma maioria de votos formada (6 a 4) a favor dos contribuintes, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio. O placar sinaliza que o STF deverá selar a questão, confirmando que os incentivos de ICMS não compõem a base de cálculo do PIS e da COFINS.

Conclusão e implicações práticas

A disputa em torno das subvenções de ICMS revela as tensões do federalismo fiscal brasileiro. A jurisprudência, liderada pelo STJ (através de tese vinculante do Tema 1.182) e prestes a ser confirmada pelo STF, tem se mostrado um pilar de segurança jurídica para as empresas, garantindo que os incentivos fiscais estaduais cumpram sua finalidade de fomentar o desenvolvimento regional.

Para os contribuintes, o cenário é de otimismo, mas exige atenção. Diante da insistência da Receita Federal em autuar com base na nova legislação, a via judicial, por meio de ações como o mandado de segurança, continua sendo o caminho mais seguro para garantir o direito de excluir os créditos presumidos de ICMS da base de cálculo dos tributos federais. A mensagem do Judiciário é clara: no conflito entre a arrecadação da União e a autonomia dos estados, o pacto federativo deve prevalecer.

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Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 set. 2025.

BRASIL. Lei nº 14.789, de 29 de dezembro de 2023. Dispõe sobre o crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14789.htm. Acesso em: 10 set. 2025.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.517.492/PR. Relatora: Ministra Regina Helena Costa. Brasília, DF, 8 de novembro de 2017. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 1º fev. 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Recursos Especiais nº 1.945.110/RS e 1.987.158/SC. Tema Repetitivo 1182. Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Brasília, DF, 26 de abril de 2023. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 12 jun. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 835.818. Tema 843 da Repercussão Geral. Relator: Ministro Marco Aurélio. Julgamento pendente. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4687661. Acesso em: 10 set. 2025.

Bruno Aviani Jucá da Costa Valença
OAB/DF 78.838. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito Digital pelo UniCeub. Atuação voltada para o direito tributário, empresarial e cível.

Giovana Sousa Ferreira
Advogada Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito Administrativo pela FGV. MBA em Gestão Tributária pela USP. Ex-Conselheira Fiscal da International Association of Artificial Intelligence (I2AI) - Biênio 2023/2024. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF.

Gustavo Borges de Melo
Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela UDF. Especialização em Direito Civil e Processo Civil. Cursando MBA em Gestão Tributária na USP

Menndel Assunção Oliver Macedo
Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito, Estado e Constituição pelo SuiJuris. MBA na Massachusetts Institute of Business (MIB) Especialização em Contabilidade Tributária no IBET. Diretor Jurídico da Câmara Brasil-Ásia (CBA). Cientista Tributário da Federação Nacional das Operações Portuárias (FENOP).

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