O agronegócio contemporâneo, responsável por parcela expressiva do PIB - Produto Interno Bruto nacional e pela liderança brasileira no comércio internacional de commodities, exige, para a sua plena sustentabilidade econômica, a adoção de práticas jurídicas altamente especializadas.
Nesse contexto, a formalização adequada dos contratos agrários e comerciais representa fator determinante na mitigação de riscos, na proteção patrimonial e na segurança das operações.
Por mais que o setor rural tenha, por décadas, operado com elevada informalidade, essa realidade não mais se sustenta no ambiente jurídico e econômico atual, onde a ausência de contratos formalizados, robustos e juridicamente precisos expõe produtores, investidores, financiadores e compradores a riscos de inadimplemento, litígios de elevada complexidade e perdas patrimoniais vultosas.
Os contratos agrários, regidos fundamentalmente pela lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra) e pelo decreto 59.566/1966, são instrumentos indispensáveis na regulação das relações jurídicas que envolvem a cessão de uso da terra para exploração agrícola, pecuária, extrativa ou mista.
Entre as diversas modalidades, destacamos como as mais utilizadas (i) o arrendamento rural, que é a cessão onerosa do imóvel, com pagamento em dinheiro ou produto, conferindo ao arrendatário total autonomia na exploração da atividade; (ii) a parceria agrícola ou pecuária, em que há a divisão dos riscos, custos e resultados da atividade entre proprietário e parceiro, sendo esta relação marcada pela cooperação econômica e, ainda, (iii) o comodato rural, isto é, a cessão gratuita da posse do imóvel, geralmente por prazo determinado, sem contrapartida financeira.
Contratos no campo: A importância de enxergar além da lavoura
Em meio à crescente profissionalização do agronegócio, a solidez contratual tornou-se tão essencial quanto a escolha da semente ou o preparo do solo.
No entanto, muitos produtores ainda negligenciam os riscos jurídicos inerentes aos contratos, o que pode comprometer toda a operação rural, sobretudo em cenários de adversidade climática ou instabilidade de mercado.
Parcerias e arrendamentos também escondem armadilhas: a indefinição quanto à titularidade da produção ou à repartição dos resultados costuma ser fonte de litígios, eis que a ausência de regras claras compromete a relação entre as partes e pode gerar ações judiciais onerosas e prolongadas.
Além disso, a inobservância das exigências legais específicas para modalidades de arrendamento e parceria compromete a validade e a eficácia do contrato, gerando insegurança jurídica e afastando financiadores e investidores.
Dito isso, a gestão jurídica preventiva não é mais um diferencial, mas sim uma necessidade.
A análise criteriosa dos contratos, por profissionais que dominam tanto a realidade do campo quanto o ordenamento jurídico aplicável ao setor, é essencial para proteger o patrimônio, garantir a previsibilidade financeira e estabelecer relações comerciais mais estáveis e vantajosas.
Pontos jurídicos críticos:
Destacamos alguns aspectos que exigem atenção redobrada na elaboração dos contratos celebrados no âmbito do agronegócio. São eles:
- Observância obrigatória dos prazos mínimos e máximos legais, sob pena de nulidade ou caracterização de vínculo empregatício dissimulado.
- Definição precisa de responsabilidades ambientais, especialmente quanto à manutenção de Reserva Legal, APP - Áreas de Preservação Permanente e passivos ambientais existentes.
- Distribuição clara das obrigações fiscais, inclusive no tocante à emissão de notas fiscais, recolhimento de tributos e obrigações acessórias.
- Previsão de cláusulas de produtividade, penalidades por descumprimento, critérios para revisão de preços, condições de rescisão antecipada e garantias patrimoniais.
A informalidade nesses contratos, além de gerar insegurança jurídica, expõe as partes a questionamentos fiscais, ambientais e trabalhistas, com consequências que podem ser absolutamente desastrosas.
Assim, as relações comerciais no agronegócio demandam contratos redigidos com elevado rigor técnico, capazes de assegurar o cumprimento das obrigações e a mitigação de riscos.
Cláusulas essenciais:
A ausência de certas cláusulas nos contratos agrários frequentemente resulta em litígios de elevada complexidade, especialmente em cenários de flutuação cambial, quebras de safra, inadimplemento de parceiros comerciais ou disputas sobre qualidade e especificações dos produtos.
A esse respeito, merecem destaque, por exemplo, as cláusulas de especificações sobre qualidade, quantidade, padrões sanitários e certificações, especialmente quando destinados à exportação e a estipulação de prazos de entrega e locais de recebimento, com definição clara dos riscos e responsabilidades na logística (Incoterms, se aplicável1).
São igualmente imprescindíveis, cláusulas que prevejam penalidades robustas em caso de inadimplemento, incluindo multas, cláusulas penais, perdas e danos, além da possibilidade de rescisão contratual imediata.
É importante mencionar, ainda, a fixação de garantias contratuais, tais como penhor agrícola, alienação fiduciária de recebíveis, seguro da operação e garantias bancárias e a definição de condições claras para força maior, caso fortuito, eventos climáticos extremos e situações que possam impactar a execução do contrato.
O contrato de barter (troca), amplamente utilizado no agronegócio brasileiro, consiste na troca de insumos agrícolas por compromisso futuro de entrega da produção, sendo uma forma de financiamento não bancário extremamente sofisticada.
Neste tipo de contrato, a própria produção em período futuro é a garantia de seu adimplemento, e ele é usualmente acompanhado da criação de CPR - Cédula de Produto Rural, na qual constará a obrigação de entrega do produto ao final da colheita da próxima safra.
Aspectos jurídicos sensíveis:
Sob o viés jurídico, alguns pontos merecem especial atenção, como a devida caracterização da operação como troca vinculada à obrigação futura de entrega, afastando discussões sobre sua natureza como venda a prazo ou financiamento disfarçado, e a constituição de garantias reais robustas, como o penhor agrícola sobre safra futura, a alienação fiduciária de recebíveis ou grãos armazenados e a hipoteca sobre bens imóveis, quando aplicável.
É importante se atentar, igualmente, para a definição objetiva dos critérios de qualidade, quantidade, calendário de entrega e penalidades pelo inadimplemento, e para as cláusulas específicas que regulem os impactos de eventos climáticos, pragas, oscilações de mercado e variações cambiais, além de cláusulas de resolução de conflitos.
Da mesma maneira, merecem especial atenção:
- A observância das exigências legais para enquadramento no crédito rural, incluindo a finalidade específica dos recursos; os prazos máximos; os limites de crédito e as garantias reais e pessoais exigidas;
- O rigor na constituição de garantias, como penhor agrícola, hipoteca, alienação fiduciária e aval;
- A previsão de cláusulas que disciplinem os efeitos de eventos climáticos, de mercado ou operacionais que impactem a capacidade de pagamento e
- A proteção jurídica do mutuário contra práticas abusivas, especialmente em contratos de crédito não vinculados ao SNCR - Sistema Nacional de Crédito Rural, cuja natureza é essencialmente privada.
Como é possível perceber, diante da elevada complexidade jurídica e econômica dos contratos no agronegócio, é importante a atuação de assessoria jurídica especializada, não apenas na elaboração dos instrumentos, mas também na negociação pré-contratual, na análise de riscos e adequação dos termos às especificidades da operação, e na verificação de garantias reais e contratuais, com blindagem patrimonial dos ativos envolvidos.
Conclusão
No cenário contemporâneo do agronegócio, a informalidade contratual é um descuido que pode ocasionar graves riscos com efeitos nefastos para a saúde econômica dos negócios rurais.
Nesse contexto, como se viu, a formalização de contratos robustos, precisos e juridicamente blindados constitui-se em elemento central da governança empresarial, da proteção patrimonial e da viabilidade econômica das operações.
O produtor rural, a cooperativa, a trading, o fornecedor de insumos ou o investidor que negligencia esse aspecto jurídico, inevitavelmente, estará expondo seu negócio a passivos ocultos, litígios onerosos e riscos que podem comprometer safras inteiras, contratos de exportação ou até mesmo a continuidade da atividade empresarial.
Assim, blindar a atividade rural contra riscos jurídicos é tão estratégico quanto adubar o solo certo, na hora certa.
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1 Incoterms, ou Termos Internacionais de Comércio, são um conjunto de regras definidas pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) para a celebração de contratos internacionais. Seu objetivo é definir e padronizar as regras relativas aos direitos e às obrigações de compradores e vendedores em contratos dessa natureza.