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Inventário: Como fazer do Estado o seu principal herdeiro

O inventário pode consumir até 20% do seu patrimônio, congelar seus bens por anos e destruir sua família. Descubra por que ele não é um destino, mas uma escolha que você faz por omissão.

26/9/2025

Você passa a vida inteira trabalhando. Acorda cedo, dorme tarde. Engole sapos, assume riscos, abre mão de fins de semana. Tudo para construir um patrimônio, um futuro para sua família. Você se orgulha do que conquistou. Então, um dia, o inevitável acontece.

E é aí que um novo personagem, que nunca te ajudou a assentar um único tijolo, aparece ainda no seu funeral. Ele não vem para prestar condolências. Ele vem com uma prancheta e uma caneta, pronto para fazer a contabilidade da sua vida e abocanhar a primeira, e mais gorda, fatia do bolo. Esse personagem é o Estado.

Bem-vindo ao inventário. Aquele processo burocrático, lento e obscenamente caro que funciona como uma auditoria póstuma, um pedágio obrigatório que seu patrimônio paga para passar da sua mão para a dos seus herdeiros. É a prova final de que, no Brasil, você não é totalmente dono do que é seu, nem mesmo depois de morto.

A anatomia do desastre...

O inventário não é um único problema; é uma calamidade multifacetada. Gosto de pensar nele como a chegada de quatro cavaleiros, cada um trazendo uma praga específica para o seu legado.

1. O cavaleiro do custo

Este é o mais famoso. O inventário custa caro. Mas quanto? Prepare-se.

Somando tudo, é comum que um processo de inventário consuma entre 15% e 20% do patrimônio da família. Um patrimônio de R$ 5 milhões pode perder R$ 1 milhão só para ser transferido. É o Estado agindo como seu herdeiro mais eficiente.

2. O cavaleiro do tempo

Se o custo é o soco no estômago, o tempo é a tortura por afogamento. Um inventário judicial sem brigas (o que é raro) pode levar de 1 a 2 anos. Se houver qualquer tipo de disputa entre os herdeiros, estamos falando de 5, 10, às vezes 20 anos.

Durante todo esse tempo, os bens ficam "congelados". O apartamento não pode ser vendido para pagar uma dívida. As ações da empresa não podem ser integralmente gerenciadas. O dinheiro no banco fica bloqueado. A vida da sua família fica em compasso de espera, amarrada à velocidade glacial do Judiciário.

3. O cavaleiro do conflito

O dinheiro não aceita desaforo, e o luto potencializa ressentimentos. O inventário é o palco perfeito para que antigas mágoas familiares se transformem em batalhas judiciais. O irmão que acha que cuidou mais dos pais merece mais. A irmã que quer vender a casa de praia para ontem, enquanto o outro quer mantê-la por valor sentimental. O processo expõe e amplifica cada fissura na relação familiar até que se torne um abismo.

4. O cavaleiro da exposição

Pouca gente sabe disso, mas o inventário judicial é um processo público. Qualquer pessoa, com o número do processo, pode ir ao fórum e ver em detalhes tudo o que você possuía, quanto valia e quem herdou. É um convite aberto a curiosos, golpistas e pessoas mal-intencionadas. Sua privacidade financeira, construída com tanto zelo, é exposta em praça pública.

A resposta do mercado: Como planejadores inteligentes fogem da armadilha

Diante desse cenário apocalíptico, a indústria de planejamento patrimonial séria desenvolveu um arsenal de estratégias não para negar a morte, mas para neutralizar seus efeitos colaterais burocráticos. O aperto do Fisco e a ineficiência do Judiciário forçaram a criação de "rotas de fuga" inteligentes.

Alternativa 1: Planejamento sucessório

Já falamos disso, e muito, mas aqui ela brilha como ferramenta específica anti-inventário. Isso pode ser feito em vida, através de doações planejadas, com cláusulas de usufruto para o patriarca e regras de governança claras (império da vontade, incomunicabilidade, inalienabilidade), evitando a guerra familiar e o processo judicial.

Alternativa 2: Previdência privada (PGBL/VGBL)

Uma das ferramentas mais simples e eficazes. Os saldos em planos de previdência privada, por lei, não entram no inventário. Após o falecimento, o valor é pago diretamente aos beneficiários indicados em questão de semanas, não anos. É uma forma fantástica de garantir liquidez rápida para a família e de transferir parte do patrimônio financeiro sem nenhum custo de inventário.

Alternativa 3: Seguro de vida resgatável

Esta é talvez a mais subestimada e poderosa das ferramentas. O capital segurado de um seguro de vida também não entra em inventário e é isento de Imposto de Renda e ITCMD. Sua função estratégica é dupla:

Alternativa 4: O testamento

Para quem não quer ou não pode partir para estruturas mais complexas, o testamento é o mínimo existencial. Ele não evita o inventário, mas o organiza. Você, em vida, dita as regras do jogo. Define quem fica com o quê, pode nomear um administrador de confiança (o testamenteiro) e, o mais importante, pode evitar que um conflito de interesses paralise tudo. É dar um mapa ao juiz em vez de deixá-lo vagar no escuro.

Conclusão: Inventário é uma escolha, não um destino

Encarar o inventário não é pessimismo. É o ato final de responsabilidade de quem construiu algo. Deixar seu patrimônio cair nas garras desse processo é, na prática, uma decisão – uma decisão de não decidir.

É escolher submeter sua família a um processo caro, lento e doloroso. É escolher dar ao Estado uma parte maior do que ele merece. É escolher transformar seu legado em uma fonte de estresse e conflito.

O planejamento sucessório não é sobre a morte. É sobre a vida. É sobre garantir que a vida daqueles que você ama continue com a segurança e a tranquilidade que você sempre se esforçou para proporcionar. O resto é apenas burocracia. E a burocracia, como sabemos, sempre pode ser inteligentemente contornada.

Lucas Pereira Santos Parreira
Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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