Foi aprovada na Câmara dos Deputados a PEC 3/01, conhecida como PEC da blindagem. Ela resultou de um acordão entre o governo federal e parlamentares do centrão e da extrema direita. O governo federal, visando a reeleição de Lula em 2026, assentiu , para aprovação de seus projetos de lei que tramitam na Câmara com algum aceno para a população - como é o caso da redução da isenção do IR para quem ganha a té 5 mil reais, e abrandamentos até 7 mil reais -, com a PEC da blindagem e a PEC da anistia moderada para os golpistas, ou seja, com redução das penas para eles. Por isso mesmo, o presidente Lula apoiou timidamente (para não dizer que não apoiou nada) as manifestações de rua do último domingo. Lamentavelmente, é essa a realidade.
Algumas alterações constitucionais, absolutamente nefastas para o país, aqui mencionadas apenas as mais graves, foram promovidas pela PEC em tela. Com efeito, antes da entrada em vigor da PEC 35/01, cuja redação está esboçada na redação atual do art. 53 da nossa Constituição, exigia-se aprovação prévia da respectiva casa do parlamentar para o processamento e investigação de deputados e senadores. Agora, na atual redação desse preceptivo constitucional, parágrafo terceiro, isso não ocorre: depois de recebida a denúncia no STF, por crime ocorrido após a diplomação, a casa respectiva do parlamento poderá suspender o curso do processo. Frise-se: com a PEC da blindagem o parlamentar, em qualquer hipótese, fica protegido contra investigações e processos. O que muda agora também, com a PEC aprovada na Câmara, é que a votação sobre as investigações e processos contra parlamentares não é mais nominal, mas sim secreta.
Com relação à prisão de parlamentares, ela, de igual forma do que acontece com a redação atual do art. 53, & 2º, da CF, só pode ser em razão de crime inafiançável, que pode ser sobrestada pela respectiva casa legislativa. Só que a Câmara, ao contrário da atual redação da do art. 53, & 2º, da Constituição, pode suspender a prisão mediante voto secreto.
De outra banda, as medidas cautelares contra os parlamentares, tais como busca e apreensão, quebra de sigilo bancário, interceptação telefônica etc, agora , com a PEC da blindagem, só podem ser determinadas pelo STF, e não por este e pelos juízes das instâncias ordinárias, como ocorre com a atual sistemática constitucional.
Ademais, os novos dispositivos constitucionais, oriundos da PEC sob comento, se aplicam, por simetria, a deputados estaduais e vereadores.
Por fim, frisando mais uma vez que estamos a tratar das alterações que reputamos mais grave para o país, o foro privilegiado dos parlamentares foi estendido para presidentes nacionais de partidos com representação no Congresso Nacional, o que é também um rematado absurdo, principalmente por não serem eles titulares de função pública.
Quanto às inconstitucionalidades perpetradas na atual redação da PEC em apreço, podemos citar as seguintes, salientando que, ao nosso sentir , selecionamos as principais.
A PEC viola, às escâncaras, o princípio constitucional da isonomia/igualdade, por permitir, ao contrário do que ocorre com os cidadãos comuns, que políticos seja acobertados por crimes por eles cometidos. Segundo esse princípio, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, é o que reza o art 5º, caput, da Constituição. Esse preceito é cláusula pétrea da CF, que não pode ser alterada por emenda constitucional, na forma do art. 60 , & 4ª, IV, da Carta Magna.
De outra banda, ocorre com essa PEC uma transgressão reflexa ao princípio republicano, que, embora não previsto textualmente no citado art. 60 como cláusula pétrea, está revestido de petrealidade, segundo a maioria dos juristas de escol, a partir do plebiscito de 1993.
Por outro lado, violado também restará, se aprovada essa malsinada PEC, o princípio da separação de poderes, que é também uma cláusula pétrea, prevista no art. 60, 4º, III, da Constituição, não podendo, portanto, ser inobservado. É que o Judiciário e o MP ficariam impedidos de investigar e processar os parlamentares acusados de crime antes do aval do parlamento.
De forma também reflexa, porque não prevista expressamente no aludido art. 60 da CF, restará violado o princípio democrático, que permeia toda tessitura constitucional. Nesse diapasão, é forçoso reconhecer que ele estrutura a Constituição, sendo um seu pilar fundamental, como pontuado na ADPF 5525 pelo STF.
De mais a mais, violado também restará o princípio de acesso à jurisdição, insculpido no art. 5º, XXV, da Constituição. É que de nada adiantará aos cidadãos e a sociedade civil organizada se socorrerem do Judiciário para coibir e punir parlamentares que tenham cometido crime, se isto depender de autorização do parlamento para fazê-lo.
Por fim, cumpre salientar, também, que o Ministério público , como dominus litis, na forma do art. 129, I, da CF, ficará privado, com a extensão desejada, de promover a ação penal contra deputados e senadores, o que, no meu entender, outrossim, configura violação de cláusula pétrea.
Para arrematar, oxalá, esperamos que o Senado Federal, fazendo coro com as vozes emanadas das ruas, rejeite essa malfadada PEC da blindagem. Se não o fizer, por absurdo, o STF o fará. Ademais, não podemos deixar de dizer que, embora o governo federal não paute movimentos de rua, o último domingo é a prova de que eles são fundamentais para pressionar o Congresso Nacional, mesmo que conservador. Não vale aquela cantilena governista de que a “correlação de forças” impede as mudanças necessária; o povo é que dita o destino do país.