Uma adolescente de treze anos acusa o padrasto de ter cometido o crime de estupro de vulnerável, em consequência o juiz da vara de violência doméstica determina que o acusado não possa entrar na casa onde reside a adolescente, nem se aproximar dela, sendo o acusado notificado pelo oficial de justiça. A mãe, insatisfeita com a situação por estar apaixonada pelo acusado, leva tal para a casa onde mora com a filha. A filha liga para o pai que, por sua vez, chama a polícia e todos são encaminhados para a delegacia. A dúvida é: qual crime cometeu o padrasto e qual crime cometeu a mãe da adolescente?
Apesar de a mãe da adolescente de treze anos ser a representante legal, não pode tal mãe decidir se o ex-companheiro poderá ou não entrar na casa, pois se trata de uma adolescente em situação de vulnerabilidade, ou seja, pelo princípio do melhor interesse da criança e do adolescente previsto tanto no artigo terceiro do Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto no art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, não pode a mãe tomar tal decisão. De tal forma, não há do que se falar em vício de dolo, o acusado de entrar na casa e se aproximar da adolescente estará cometendo o crime de descumprimento das medidas protetivas de urgência.
Mas e a mãe, qual crime cometeu?
A explicação para essa pergunta não é tão simples. O padrasto cometeu o crime de descumprimento das medidas protetivas de urgência, chamado pela doutrina de “crime de mão própria” pelo fato de a proibição ser judicial e personalíssima, de tal forma outra pessoa não poderia descumprir as medidas protetivas de urgência. A mãe da adolescente é a chamada agente garantidora, por possuir legalmente a responsabilidade de cuidar e proteger tal filha. No momento em que a mãe, como agente garantidora, se omite em relação ao que está acontecendo, tal mãe pratica, de forma comissiva por omissão, ou omissiva imprópria, crime, respondendo (em tese) pelo mesmo crime do padrasto. Sim, foi dito “em tese” pelo fato de o padrasto ter cometido um “crime de mão própria”, crime este que, diferente do crime próprio, não admite coautoria. Qual a solução para o problema?
Poderia a mãe responder pelo crime de abandono de incapaz? Crime de omissão de socorro? Não, pelo princípio da legalidade.
Qual seria então o crime cometido pela mãe?
Como no caso de um crime comissivo por omissão o agente garantidor responda pelo crime resultado, sendo o crime resultado um crime de mão própria que não admite coautoria, a mãe responderá então como partícipe no crime de descumprimento das medidas protetivas de urgência, pois a participação de tal mãe era elementar do crime, pois de forma dolosa forneceu todos os meios para que o padrasto descumprisse as medidas protetivas de urgência. A mãe terá a pena diminuída de um sexto a um terço em relação ao crime de descumprimento das medidas protetivas de urgência, com fulcro no § 1º do art. 29 do CP. Os crimes de mão própria, como o de descumprimento das medidas protetivas de urgência, não admitem coautoria, mas admitem participação.
Uma pequena observação: já os crimes próprios, como os praticados somente por agentes públicos, como é o caso de crimes contra a Administração Pública, admitem tanto a coautoria como a participação, a depender do caso concreto, diferente dos crimes de mão própria que não admitem a coautoria, somente a participação.