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Reuso de peças de campanha eleitoral: Possíveis implicações jurídicas

O artigo analisa os riscos jurídicos do reuso de peças audiovisuais de campanha eleitoral, destacando possíveis enquadramentos como propaganda extemporânea, promoção pessoal e violações autorais.

6/10/2025

Introdução

O procedimento eleitoral brasileiro é marcado por rigorosa disciplina normativa, especialmente quando o tema é propaganda eleitoral. Dentre os instrumentos regulados pela Justiça Eleitoral, temos o horário eleitoral gratuito em rádio e tv, espaço de uso exclusivo dos partidos e candidatos durante o período oficial de campanha. Uma dúvida recorrente após o pleito é se os conteúdos audiovisuais produzidos para esse fim podem ser reaproveitados pelos políticos em contextos diversos, seja em redes sociais, eventos ou ações institucionais.

A motivação para este conteúdo surgiu após identificarmos, neste segundo semestre de 2025, publicações em redes sociais com conteúdos de campanha produzidos para pleitos anteriores, como uma espécie de “esquenta” para as eleições de 2026.

Deste modo, o presente artigo busca analisar os possíveis riscos e implicações jurídicas desse reuso de material de campanha à luz da legislação, doutrina e jurisprudência brasileiras.

Síntese do arcabouço normativo aplicável

A base normativa da propaganda eleitoral encontra-se estabelecida, essencialmente, nos seguintes instrumentos:

A lógica normativa é que a propaganda eleitoral está autorizada apenas no período específico da campanha e os atos praticados fora desse período, se mantiverem caráter eleitoral, podem ser enquadrados como propaganda extemporânea ou irregularidades correlatas.

O uso pós-eleitoral dos materiais de campanha

O reuso de peças audiovisuais do horário eleitoral gratuito após o término das eleições não tem autorização expressa na lei. Ele pode, dependendo da forma, do meio e do conteúdo, implicar vários riscos jurídicos, conforme discorreremos a seguir.

1. Propaganda eleitoral extemporânea

A reutilização de material audiovisual com a manutenção de símbolos de campanha, como número, slogan, jingle, dizeres, pedidos de voto explícitos ou implícitos, pode ser considerada propaganda eleitoral fora de época. O TSE tem jurisprudência consolidada sobre quando manifestações fora do período eleitoral configuram propaganda extemporânea.

A jurisprudência do TSE enfatiza que para caracterizar propaganda eleitoral antecipada ou extemporânea é necessário pedido explícito de voto ou equivalentes semânticos (“palavras mágicas”). Nesse sentido:

“ELEIÇÕES 2024. [...] REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. CANDIDATOS AOS CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. ENTREVISTA COM EXPRESSÕES DE CUNHO ELEITOREIRO. ‘PALAVRAS MÁGICAS’. [...] PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS POR MEIO DO USO DE EXPRESSÕES COM CARGA SEMÂNTICA EQUIVALENTE A ‘VOTE EM’.  [...] 4. A jurisprudência do TSE admite a configuração de propaganda eleitoral antecipada quando há uso de ‘palavras mágicas’ – expressões com carga semântica equiparada a pedido explícito de votos. 5. As falas proferidas na entrevista revelam pedido de vitória nas urnas e não se limitam à exaltação de qualidades ou ao pedido de apoio político, caracterizando, portanto, propaganda antecipada nos moldes vedados pelo art. 36, § 3º, da Lei n. 9.504/1997. Precedentes. [...].” (AC. DE 15/8/2025 NO AGR-RESPEL N. 060010881, REL. MIN. ANTONIO CARLOS FERREIRA.)

Em decisões recentes, o TSE tem considerado ilegal expressões como “pense no prefeito bom”, quando usadas fora do período eleitoral, por entender que contêm pedido implícito de voto. Nesse sentido:

“ELEIÇÕES 2024. [...]. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. PEDIDO EXPRESSO DE VOTOS. USO DE EXPRESSÃO SIMILAR. [...] 5. As expressões contidas na divulgação do jingle ‘pense no prefeito bom’, ‘eu tô com ele de novo’ e ‘é o prefeito do povo’ equiparam-se, semanticamente, às denominadas ‘palavras mágicas’, de modo a evidenciar pedido explícito de voto. 6. A compreensão firmada nesta Corte Superior é no sentido de que ‘o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas 'palavras mágicas', como, por exemplo, 'apoiem' e 'elejam', que nos levem a concluir que o emissor está defendendo publicamente a sua vitória’ [...] 7. A utilização de jingles com divulgação de qualidades pessoais de pretenso candidato e menção a eventual reeleição constitui ato próprio de campanha eleitoral, o que reforça a configuração da propaganda eleitoral antecipada. [...] Tese de julgamento: A divulgação de imagens do prefeito e candidato à reeleição nas Eleições 2024, junto a seus apoiadores, acompanhada de jingle de campanha contendo as expressões ‘pense no prefeito bom’, ‘eu tô com ele de novo’ e ‘é o prefeito do povo’, configura propaganda eleitoral antecipada formulada de modo explícito, com menção a pedido de voto ao então candidato à reeleição ao cargo de prefeito. [...].” (AC. DE 5/6/2025 NO AGR-RESPEL N. 060006319, REL. MIN. NUNES MARQUES.)

Em julgados envolvendo carreatas ou jingles fora do período eleitoral, o TSE decidiu que, se não houver pedido explícito de voto, não se configura propaganda extemporânea. Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. ARTS. 36 E 36–A DA LEI 9.504/97. CARREATA. DIVULGAÇÃO DE JINGLE. PRÉ–CANDIDATO. AUSÊNCIA. PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTO. MEIO PERMITIDO. AFRONTA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INEXISTÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. No decisum monocrático, manteve–se a improcedência de representação por propaganda extemporânea ajuizada em desfavor do agravado, pré-candidato ao cargo de prefeito de Olivença/AL nas Eleições 2020, ante ausência de pedido explícito de votos, uso de meios proscritos e mácula ao princípio da isonomia de oportunidades entre os candidatos. 2. Consoante o entendimento desta Corte, reafirmado para as Eleições 2020, o ilícito de propaganda antecipada pressupõe, de um vértice, a existência de pedido explícito de votos ou, de outro, quando ausente esse requisito, manifestação de cunho eleitoral mediante uso de formas que são proscritas no período de campanha ou afronta à paridade de armas. 3. Nos termos da moldura fática do aresto a quo, em 13/9/2020, realizou-se, no Município de Olivença/AL, carreata com concentração de pessoas e na qual se reproduziram jingles de campanha. Contudo, conforme assentado, "não há prova de divulgação de mensagens na qual se pede expressamente pelo voto popular". 4. Além da ausência de pedido explícito de votos, a realização de carreata e a divulgação de jingle de campanha não são vedadas no período eleitoral. Ademais, inexiste mácula ao princípio de isonomia entre os candidatos. Desse modo, não se verifica a ocorrência de propaganda eleitoral antecipada. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (TSE - REspEl: 06000730220206020019 OLIVENÇA - AL 060007302, Relator.: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 19/08/2021, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 162)

Logo, o simples reuso de vídeo não configura irregularidade, mas, se ele mantiver sua estrutura e conteúdo de campanha, há risco de enquadramento como propaganda extemporânea.

2. Uso indevido dos meios de comunicação - publicidade institucional

O reuso de material de campanha em canais públicos ou oficiais, como rádio, TV governamental, site ou redes sociais institucionais, pode implicar na configuração de promoção pessoal indevida, visto que a CF/88, em seu art. 37, § 1º, veda expressamente a promoção pessoal de autoridade por meio de publicidade oficial.

O TSE já determinou que, ainda que não haja pedido explícito de voto, o uso de meio proscrito ou institucional pode agravar a gravidade da conduta

Decisões recentes vêm impondo multas nas hipóteses em que peças de campanha são inseridas em publicidade institucional com viés promocional, mesmo sem pedido explícito. Nesse sentido:

“[...] PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. CONTEÚDO ELEITORAL. MEIO PROSCRITO. OUTDOOR [...] 4. A Corte Regional Eleitoral, soberana na análise de fatos e provas, manteve a multa imposta na sentença, em razão de veiculação de propaganda antecipada, mesmo que ausente pedido explícito de voto, tendo em vista a utilização de meio proscrito (outdoor) em publicidade institucional. 5.  Quanto ao argumento da agravante de que a mensagem divulgada não tem nenhuma conotação eleitoral, não há como alterar a conclusão das instâncias ordinárias, de que ficou caracterizado ‘o caráter autopromocional das peças e não apenas institucional, bem como conteúdo eleitoral’ sem novo exame das provas constantes dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE. 6. O entendimento da Corte Regional Eleitoral está alinhado com a orientação do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que ‘a realização de atos de pré-campanha por meio de outdoors importa em ofensa ao art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504/97 e desafia a imposição da multa, independentemente da existência de pedido explícito de voto’[...]” (AC. DE 16.09.2021 NO AGR-RESPEL N° 060004743, REL.  MIN. SERGIO SILVEIRA BANHOS.)

Assim, se um vídeo de campanha reaproveitado for inserido em comunicação governamental para promover o gestor, há forte risco de configuração de campanha extemporânea e de conduta de promoção pessoal, vedada constitucionalmente.

3. Direito autoral e de imagem

Além dos aspectos eleitorais, a reutilização de músicas, locuções, imagens de terceiros etc., deve observar contratos de cessão de direitos. Se não houver previsão para uso pós-eleitoral, pode haver reclamações cíveis por direitos autorais ou de imagem.

Implicações práticas e risco de sanções

Em suma, quando se trata de reutilizar material de campanha, os pontos de atenção devem ser os seguintes:

Jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins

Em sede local, embora não haja, até onde se apurou, decisão específica sobre reuso extemporâneo de material audiovisual destinado ao horário eleitoral gratuito em rádio e tv, existem julgados sólidos e recentes que abordam a propaganda extemporânea de um modo geral, como o seguinte exemplo:

EMENTA: DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DISTRIBUIÇÃO DE PANFLETOS COM RESULTADO DE PESQUISA. EVENTO COM JINGLE E PRESENÇA DE PRÉ-CANDIDATO. MULTA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. A propaganda eleitoral antecipada pode ser caracterizada por atos que, embora não contenham pedido explícito de voto, utilizem formas e meios próprios de campanha e promovam o pré-candidato em ambiente público. A realização de evento com distribuição de panfletos e utilização de jingle, com presença do pré-candidato, antes do período permitido, configura propaganda eleitoral extemporânea passível de multa. A fundamentação da sentença é suficiente quando apresenta os fatos, provas e normas legais que embasam a conclusão judicial, ainda que não mencione todos os critérios jurisprudenciais de forma expressa." (Inteiro teor - RECURSO ELEITORAL Nº 0600052-40.2024.6.27.0035, TRE/TO, RELATOR: Juiz RODRIGO DE MENESES DOS SANTOS, Palmas/TO, junho/25)

Considerações finais

Com base na legislação, doutrina e jurisprudência nacional e regional, podemos concluir que:

  1. O reuso de material de campanha após o pleito é juridicamente arriscado, especialmente se mantiver características típicas de propaganda eleitoral (pedido de voto, slogan, jingle, visuais e dizeres de campanha).
  2. A jurisprudência consolidada do TSE exige cautela do político: muitos casos de reuso de material de campanha são enquadrados como promoção pessoal inconstitucional ou propaganda eleitoral extemporânea por manterem conteúdo tipicamente eleitoreiro.
  3. Em âmbito local, embora não se tenha encontrado decisão concreta do TRE/TO especificamente sobre reuso de material audiovisual, já existem precedentes de propaganda irregular (incluindo distribuição de materiais de campanha) que demonstram a atenção da Corte em coibir condutas que desequilibrem a disputa.
  4. Para a máxima segurança jurídica, é recomendável que o reaproveitamento seja moderado: excluir elementos eleitorais expressos, readequar o material para um uso informativo, institucional ou de prestação de contas, e consultar assessoria jurídica especializada para cada caso.

Gustavo Bottós de Paula
Advogado formado pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Pós-graduado em Direito Público, Civil e Processual Civil. Diretor-Geral do Hospital e Maternidade Dona Regina, em Palmas, Tocantins.

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