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A OAB entre a idoneidade moral e a presunção de inocência

O artigo analisa o dilema da OAB ao lidar com réus não condenados, defendendo a presunção de inocência e propondo a inscrição condicionada como solução prudente.

16/10/2025

Recentemente, ganhou ampla repercussão na mídia uma situação sensível relacionada à OAB. O caso diz respeito a um coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, réu no STF por suposta participação nos eventos de 8 de janeiro de 2023, que, embora aprovado no 42º Exame de Ordem, vem encontrando resistência para a obtenção de sua inscrição definitiva. A própria Comissão de Seleção da OAB/DF descreveu o episódio como “juridicamente delicado, histórico e sociologicamente sensível”.

O coronel, inclusive, havia sido autorizado pelo próprio ministro Alexandre de Moraes a realizar as duas etapas do Exame de Ordem, encontrando-se em liberdade provisória.

O caso evidencia os limites institucionais da Ordem diante de candidatos envolvidos em acusações graves, mas ainda não condenados - ou mesmo condenados por decisão passível de recurso.

Esse episódio chama atenção não apenas pela repercussão midiática, mas também porque recoloca em debate os limites da exigência de idoneidade moral, requisito essencial para a inscrição na OAB, expressamente previsto no art. 8º, VI, da lei 8.906/1994, frente ao princípio constitucional da presunção de inocência. O contexto é complexo e exige a manifestação da entidade sob dois aspectos: incompatibilidades e impedimentos, e idoneidade moral.

Como já tivemos oportunidade de tratar em artigo anteriormente publicado, os militares sempre foram proibidos de advogar, mesmo em causa própria. A tentativa legislativa de flexibilizar essa vedação, introduzida pela lei 14.365/22, foi considerada inconstitucional pelo STF na ADI 7.227/DF, relatada pela ministra Cármen Lúcia. A decisão preservou o regime de incompatibilidades previsto no Estatuto da Advocacia e reafirmou a especial gravidade do conflito entre o exercício da advocacia e funções militares ou policiais. No entanto, estando o militar na reserva, tal questão fica superada, já que a incompatibilidade está ligada ao exercício ativo das funções militares.

Tivemos a honra de atuar por vários anos à frente da Comissão de Seleção e Inscrição da Seccional Paulista da OAB. Durante esse período, infelizmente observamos um aumento expressivo no número de candidatos aprovados no Exame de Ordem que possuíam antecedentes criminais. Como se sabe, a condenação por crime infamante pode impedir a inscrição do interessado ou mesmo ensejar sua exclusão dos quadros da advocacia. Contudo, não basta a existência de um processo em curso. Exige-se, de forma clara, condenação criminal transitada em julgado, conforme entendimento consolidado do Conselho Federal da OAB (Recurso 25.0000.2023.000213-4/SCA-TTU, DEOAB, ano 7, 1536, 3/2/2025, p. 20).

Para candidatos que figuram como réus em ações penais, em diversas ocasiões adotamos a chamada inscrição condicionada. Trata-se de mecanismo que permite ao candidato investigado ou acusado exercer a advocacia de maneira provisória, enquanto aguarda o desfecho judicial irrecorrível. Embora não haja previsão expressa no Estatuto da Advocacia, tal solução decorre da força normativa do princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, ficando a inscrição condicionada à apresentação periódica de informações atualizadas sobre o andamento do processo ao qual o candidato responde.

Mesmo sem adentrar no mérito das acusações que pesam contra o coronel, as quais serão oportunamente apreciadas pela Suprema Corte, é necessário reconhecer que a OAB, enquanto entidade essencial à administração da justiça, não pode reduzir o alcance da presunção de inocência nem antecipar juízos de culpabilidade.

O caso revela um dilema institucional relevante. Dentre as finalidades da OAB temos a defesa da Constituição e a defesa do Estado Democrático de Direito (art. 44, I, da lei 8.906/94).

Assim, de um lado, a Ordem não deve ignorar a gravidade de acusações relacionadas a ataques à democracia. De outro, o próprio ordenamento jurídico impõe limites objetivos: sem condenação definitiva, a idoneidade moral não pode ser afastada de forma automática ou antecipada, sob risco de afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.

A experiência demonstra que soluções prudenciais, como a inscrição condicionada, permitem conciliar o respeito aos direitos fundamentais com a responsabilidade institucional da OAB.

A adoção de critérios objetivos e uniformes é indispensável para que a OAB não se torne refém de pressões externas, de tribunais populares ou de julgamentos morais antecipados. A idoneidade moral, embora deva ser analisada com rigor, não pode se transformar em instrumento de punição política ou simbólica, nem em via oblíqua de exclusão de quem ainda não foi condenado. É precisamente nos momentos de maior comoção social que se testa a solidez das instituições e a fidelidade da advocacia aos princípios do devido processo legal e da presunção de inocência. Ceder à tentação de relativizá-los em nome de circunstâncias excepcionais seria corroer o próprio alicerce do Estado de Direito que a OAB tem o dever de proteger.

Mais do que nunca, esse episódio evidencia a necessidade de atuação coerente, juridicamente segura e fiel aos princípios que historicamente norteiam a advocacia brasileira. Preservar tais fundamentos é essencial para manter a credibilidade da Instituição e a confiança da sociedade.

Fernando Castelo Branco
Advogado criminal, professor de Processo Penal da PUC/SP e sócio de Castelo Branco Advogados Associados.

Gustavo Neves Forte
Advogado criminal e sócio do escritório Castelo Branco Advogados Associados.

Raphael Debes Chan Spinola Costa
Advogado criminal e sócio do escritório Castelo Branco Advogados Associados.

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