A decisão que reacende o debate sobre privacidade e dever familiar
A 3ª turma do STJ reconheceu a legalidade da quebra dos sigilos fiscal e bancário de um pai em ação que discutia o valor da pensão alimentícia devida ao filho.
O caso, relatado pelo ministro Moura Ribeiro (REsp 2.126.879), envolvia uma pensão fixada em R$ 6,3 mil, enquanto o representante do menor apresentou planilha de despesas superiores a R$ 10 mil mensais, alegando ocultação de patrimônio e renda.
Sem outros meios eficazes de apuração, o juízo de primeiro grau determinou a quebra dos sigilos fiscal e bancário do pai, decisão posteriormente mantida pelo TJ/SP e confirmada pelo STJ.
Privacidade x dignidade: O conflito constitucional em foco
O ministro Moura Ribeiro destacou que, diante do conflito entre a inviolabilidade fiscal e bancária e o direito à subsistência digna do alimentado, deve prevalecer o interesse superior do menor.
“Existindo embate entre os princípios da inviolabilidade fiscal e bancária e o direito alimentar, como corolário da proteção à vida e à sobrevivência digna dos alimentados incapazes, impõe-se, em juízo de ponderação, a prevalência da norma fundamental de proteção aos relevantes interesses dos menores.”
A decisão reafirma que a proteção da intimidade não é absoluta e pode ceder espaço à efetividade do dever de sustento, quando o alimentante omite informações relevantes à Justiça.
A visão doutrinária: Transparência patrimonial e abandono material
O jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do IBDFAM, defende que a quebra de sigilo é uma medida constitucionalmente prevista e necessária para a descoberta da verdade real.
Segundo ele, o alimentante que oculta renda para pagar menos pode incorrer no crime de abandono material (art. 244 do CP).
“A quebra dos sigilos bancário, fiscal e do Imposto de Renda é a melhor forma de revelar a real riqueza do devedor e permitir que os alimentos sejam fixados com justiça.”
Madaleno ressalta que, em ações de família, o segredo de justiça preserva a confidencialidade das informações, eliminando qualquer argumento sobre exposição indevida.
A prática forense: Da teoria da aparência à prova efetiva
Nos tribunais, é comum que juízes apliquem a chamada teoria da aparência para estimar o padrão de vida do alimentante - observando bens, veículos e viagens. Contudo, muitos desses sinais são facilmente dissimulados com o uso de “laranjas” ou blindagens patrimoniais.
Nesse contexto, a quebra de sigilo é vista como a prova mais eficaz, capaz de demonstrar a capacidade econômica real, substituindo presunções por dados concretos. Como destaca Madaleno:
“O ápice da prova judicial é a combinação entre a teoria da aparência e a quebra de sigilo. Juntas, revelam o padrão de vida e a verdade financeira do devedor.”
O sigilo não pode ser escudo para a injustiça?
A decisão do STJ representa um avanço na proteção do direito alimentar e no fortalecimento do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).
O sigilo bancário, ainda que protegido constitucionalmente, não pode servir de escudo para quem frauda o dever legal de sustento.
A ponderação entre valores fundamentais deve sempre privilegiar a vida e a sobrevivência do alimentado, não o conforto de quem tenta ocultar seu verdadeiro padrão financeiro.
Conclusão: O dever de sustento como núcleo da ética familiar
Em um tempo em que a ocultação de bens e rendas se tornou sofisticada, a decisão do STJ reforça uma premissa essencial: a dignidade do filho não pode ser negociada.
A privacidade do alimentante é um direito, mas o sustento do filho é um dever constitucional.
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STJ, REsp 2.126.879/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 2025.