O tema das demandas expropriatórias é um dos mais sensíveis no Direito e desperta polêmicas, porque revela, a tensão permanente entre dois valores constitucionais fundamentais: o direito de propriedade e a supremacia do interesse público. O embate que já mobilizou doutrinas, jurisprudências e debates legislativos ao longo de décadas ganha novos contornos diante do ritmo atual das obras estruturantes e do avanço das parcerias público-privadas no Brasil.
Nesse contexto, foi inserido o art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal para consagrar que ninguém será privado de sua propriedade sem o devido processo legal e sem o pagamento de justa e prévia indenização em dinheiro. Essa é uma das garantias mais emblemáticas do Estado Democrático de Direito. Não se trata de um mero freio ao poder estatal, mas também um símbolo de que o interesse coletivo deve se realizar dentro dos limites da legalidade e da razoabilidade.
Isto, porque a intervenção do Estado na propriedade como forma de concretizar a perseguição do interesse público não pode significar injustiça nas indenizações ofertadas pelos entes expropriantes, devendo haver mecanismos suficientes no ordenamento jurídico para garantir o efetivo contraditório e, consequentemente, a prestação jurisdicional adequada.
Apesar da relevância da discussão, há um caminho árduo entre a teoria e a prática. A experiência revela que as expropriações por utilidade pública sofrem com a lentidão de etapas processuais, dentre elas a perícia pericial prévia que, muitas vezes, se transforma em um obstáculo burocrático, retarda cronogramas, eleva custos e compromete a previsibilidade de projetos de infraestrutura essenciais.
O referido julgado em obras urgentes estabelece uma orientação clara para a conduta de todos os partícipes, no momento processual mais sensível em ações de desapropriação: imissão provisória na posse do imóvel atingido.
Ao julgar o REsp 1.185.583/SP, o STJ consolidou a aplicação do art. 15, § 1º, alínea “c”, do decreto-lei 3.365/1941, permitindo a imissão provisória na posse pela comprovação de urgência, independentemente de citação do réu, de avaliação judicial prévia ou do pagamento integral da indenização, estabelecendo como requisito a realização de depósito do valor constante no cadastro do lançamento fiscal.
Com isso, o STJ simplificou os requisitos para obtenção da imissão provisória na posse pelo expropriante sem a realização da perícia prévia, pois, caso a avaliação unitária realizada pelo corpo técnico do expropriante resulte em valor-base inferior ao constante do cadastro do imóvel, basta realizar o depósito judicial com valor-base igual ou superior ao que é utilizado pelo Estado para fins de IPTU ou ITR.
A orientação parte de um raciocínio pragmático e jurídico sólido: se o próprio Estado já reconhece determinado valor para fins tributários, esse mesmo parâmetro deve ser aceito como base inicial para a oferta prévia, para fins de imissão provisória na posse, permitindo-se que a busca pela indenização definitiva seja alcançada durante o curso do processo com a realização de perícia em momento posterior.
Afastar a exigência da perícia prévia em situações de urgência não deve significar a supressão do contraditório, mas apenas o diferimento da discussão do valor para o momento adequado, evitando que o processo se torne um entrave para a efetivação do interesse público.
Essa lógica apresentada pelo posicionamento do STJ reforça a confiança nos mecanismos estatais de avaliação como forma de parametrização e, ao mesmo tempo, preserva o equilíbrio entre a urgência pública e a proteção patrimonial.
É importante mencionar aqui que o precedente em discussão trata do valor cadastral do imóvel, referindo-se à avaliação unitária do bem, o que exige depósito de quantia igual ou superior pelo ente expropriante.
Com isso, na hipótese da expropriação não atingir à totalidade da área do imóvel, o valor unitário da área expropriada é que deve ser igual ou superior ao do cadastro do bem. Do mesmo modo, em se tratando da imposição de ônus por restrições de servidão de passagem, a avaliação deve refletir o valor cadastral da área expropriada.
Mais do que um ajuste procedimental, o Tema 472 representa um paradigma que não vem sendo observado:resgata a ideia de que o princípio da justa indenização é compatível e deve andar lado a lado com a eficiência administrativa.
A justa indenização não deve se resumir à discussão do quantum indenizatório, porque o tema da perícia prévia historicamente divide não só os expropriantes e os expropriados, mas ainda divide Tribunais e cria distorções regionais, na medida em que projetos estruturantes que atinjam locais diferentes do país, podem ter andamentos muito discrepantes em razão dos processos judiciais.
Além de ter que enfrentar os desafios logísticos e tributários de um país de dimensões continentais, a ausência de uniformização dos Tribunais Estaduais cria mais um desafio que os expropriantes também devem enfrentar, pois em um Estado, determinada obra pode ficar paralisada por meses em razão da necessidade de realização de perícia prévia, e em outro Estado, não.
A adoção do Tema 472 promete trazer isonomia, transparência e efetividade em um país que tenta destravar sua infraestrutura sem desrespeitar valores e direitos fundamentais.
O debate não encerra por aí.
A aplicação prática do entendimento jurisprudencial exige atenção redobrada das partes. Motivo: o valor cadastral do imóvel, para fins de depósito da oferta prévia, deve estar devidamente atualizado e refletir o valor de mercado aproximado, sob pena de esvaziar a proteção constitucional.
O próprio decreto-lei 3.365/41 antevê essa questão na alínea “d” do art. 15 e permite ao juiz fixar o valor do depósito inicial na hipótese de ausência de atualização do valor cadastral no imóvel no ano fiscal imediatamente anterior.
Trata-se de um mecanismo que embora não apresente o mesmo grau de precisão, fornece ao Judiciário diretrizes suficientes para ponderação e controle do depósito prévio diante da urgência da obra.
Sob essa ótica, o Tema 472 trata-se de um instrumento concreto para conciliação de um dos princípios basilares do Direito Público, a supremacia do interesse público ao do particular, principalmente no que tange à urgência e importância dos atos voltados à coletividade, mas ainda assim, visando causar o menor prejuízo possível ao expropriado.
A consolidação do entendimento em análise revela-se benéfica a todos os envolvidos no processo expropriatório.
De um lado, assegura-se a efetividade do interesse público, ao viabilizar a imissão provisória e imediata do expropriante na posse do imóvel, sem a necessidade de realização de perícia judicial prévia.
De outro, garante-se proteção ao direito do proprietário, na medida em que o valor inicialmente depositado corresponda àquele constante no cadastro do imóvel, evitando que a sua perda da posse do imóvel atingido se concretize com base em avaliações unilaterais do expropriante, circunstância que tradicionalmente gera insegurança aos proprietários.
De fato, a discussão sobre desapropriações transcende o campo jurídico e alcança os cenários econômico e social. Obras de infraestrutura, como rodovias, ferrovias, portos, linhas de transmissão, não são apenas investimentos, mas também servem de vetores de desenvolvimento regional, integração produtiva e geração de emprego. Quando paralisadas por etapas processuais desnecessárias, não é apenas o cronograma de uma obra que se compromete, mas a própria credibilidade do país em atrair investimentos.
Advogados públicos e privados, magistrados, peritos e concessionárias precisam adotar uma postura de responsabilidade compartilhada, que reconheça a função social da propriedade e o dever de promover a realização de obras essenciais de forma equilibrada e transparente.