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Outubro Rosa no trabalho: Direitos de colaboradoras com câncer de mama

Principais direitos e garantias legais trabalhistas das mulheres diagnosticadas com câncer de mama e orienta sobre o papel do empregador no cumprimento da lei e na valorização da saúde da mulher.

30/10/2025

O Outubro Rosa é muito mais do que uma campanha de prevenção: é um convite à empatia, ao acolhimento e à conscientização sobre a realidade de milhares de mulheres que enfrentam o câncer de mama. No ambiente de trabalho, essa luta exige não apenas solidariedade, mas também o respeito aos direitos legais dessas colaboradoras e o compromisso das empresas com um ambiente humano, acolhedor e informado.

Estabilidade no emprego: Existe garantia legal?

Embora não haja uma lei específica que conceda estabilidade automática para pessoas com câncer, a jurisprudência trabalhista tem reconhecido o caráter discriminatório da dispensa de empregados(as) com doenças graves, como o câncer de mama, desde que comprovada pelo empregador na demanda a não alegada discriminação, visto que embora a neoplasia maligna (câncer) seja considerada uma doença grave, não se pode presumir discriminatória a dispensa de empregado portador de tal enfermidade, porquanto, nos termos da interpretação sedimentada na súmula 443 do TST, a presunção de que a rescisão contratual tenha decorrido de ato discriminatório patronal se volta, apenas, a doenças graves que suscitem estigma ou preconceito. 

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. DECISÃO MONOCRÁTICA EM QUE FOI NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO CONFIRMADA . DISPENSA DISCRIMINATÓRIA – CARACTERIZAÇÃO. TRABALHADORA PORTADORA DE CÂNCER - NEOPLASIA MALIGNA DE MAMA. APLICABILIDADE DA SÚMULA/TST Nº 443 - AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Depreende-se do acórdão recorrido que a autora foi dispensada quando a empresa já sabia de sua condição de portadora de câncer de mama . Observa-se que a ré não comprovou que o desligamento tenha ocorrido por motivação diversa da condição da saúde da trabalhadora. A presunção de dispensa discriminatória chancelada pelo Colegiado a quo está em sintonia com a Súmula/TST nº 443. Por fim e ao contrário do que afirma a ré, o verbete jurisprudencial supracitado é plenamente aplicável nos casos de dispensa de trabalhadores portadores de câncer. Precedentes . Tendo em vista que a parte não trouxe, nas razões de agravo, nenhum argumento capaz de infirmar a decisão denegatória do agravo de instrumento, há que ser mantida a decisão. Agravo conhecido e desprovido, por ausência de transcendência. (TST - Ag-AIRR: 1002009-81.2016 .5.02.0710, Relator.: Alexandre De Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 02/05/2024, 7ª Turma, Data de Publicação: 10/05/2024)

RECURSO DE REVISTA. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017 . DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA. CÂNCER DE MAMA. DOENÇA ESTIGMATIZANTE . REINTEGRAÇÃO. PRESUNÇÃO. SÚMULA Nº 443. TRANSCENDÊNCIA. RECONHECIDA. Considerando a possibilidade de a decisão recorrida contrariar a jurisprudência atual, iterativa e notória desta Corte Superior, verifica-se a transcendência política, nos termos do artigo 896-A, § 1º, II, da CLT. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA . CÂNCER DE MAMA. DOENÇA ESTIGMATIZANTE. REINTEGRAÇÃO. PRESUNÇÃO . SÚMULA Nº 443. PROVIMENTO. É cediço que a jurisprudência pacífica deste Tribunal Superior tem como discriminatória, por presunção, a dispensa imotivada de empregado portador do vírus HIV ou doença grave, considerando inválido o mencionado ato, tendo o trabalhador direito à reintegração. Entendimento perfilhado na Súmula nº 443 . A egrégia SBDI-1, por sua vez, na sessão do dia 04.04.2019, ao julgar o processo nº TST-E-ED-RR-68-29.2014 .5.09.0245, por maioria, decidiu que, uma vez constatado que o empregado está acometido por neoplasia maligna, passa a ser do empregador o ônus de comprovar que a dispensa sem justa não foi discriminatória. A egrégia SBDI-1 também já entendeu aplicável o entendimento consubstanciado na Súmula nº 443 para os casos de empregadas acometidas de neoplasia maligna, câncer de mama, como é a hipótese dos autos . Precedentes. No presente caso , o egrégio Tribunal Regional afastou a aplicação da presunção prevista na Súmula nº 443 e da consequente inversão do ônus probatório ao fundamento de que o fato de a autora ser acometida de neoplasia maligna (câncer) não faz presumir a dispensa discriminatória. A decisão regional, portanto, destoa do entendimento jurisprudencial desta Corte Superior acerca do tema. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: 0000666-11.2021.5.09 .0124, Relator.: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 05/12/2023, 8ª Turma, Data de Publicação: 18/12/2023)

Significa, portanto, que embora não exista uma norma legal específica que assegure a estabilidade automática no emprego a trabalhadores diagnosticados com câncer, a jurisprudência consolidada do TST, especialmente com base na súmula 443, reconhece a presunção de dispensa discriminatória nos casos de doenças graves e estigmatizantes, como o câncer de mama. 

Nesses casos, recai sobre o empregador o ônus de comprovar que a rescisão contratual não teve como motivação a condição de saúde do trabalhador. Assim, mesmo na ausência de previsão legal expressa, a interpretação dos tribunais tem se firmado no sentido de garantir proteção contra dispensas arbitrárias ou discriminatórias, conferindo ao trabalhador acometido por neoplasia maligna o direito à reintegração, quando demonstrado o desrespeito a esses princípios. 

Aplicações jurídicas

No contexto jurídico trabalhista, a súmula 443 do TST, estabelece a presunção de que a demissão sem justa causa de empregado portador de doença grave é discriminatória, salvo prova em contrário por parte do empregador. Nesses casos, a dispensa pode resultar na reintegração do trabalhador ao emprego ou no pagamento de indenizações por danos morais e materiais.

Além disso, a súmula 378, inciso III, do TST, assegura ao empregado o direito à estabilidade no emprego por 12 meses após o retorno de afastamento motivado por auxílio-doença acidentário, desde que comprovada a relação da enfermidade com o trabalho.

É importante destacar que, mesmo nos casos em que a doença não tenha origem ocupacional, a dispensa pode ser revertida judicialmente se restar caracterizada a prática discriminatória.

Auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: Quando se aplicam

No ordenamento jurídico brasileiro, o amparo ao trabalhador afastado por motivo de saúde se dá por meio de benefícios previdenciários específicos, notadamente o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, previstos na lei 8.213/91 e regulamentados pelo INSS, cujas hipóteses de concessão estão condicionadas à existência de incapacidade laborativa devidamente comprovada por meio de perícia médica oficial.  

Auxílio-doença é devido ao segurado que, em decorrência de enfermidade, encontra-se temporariamente incapaz de exercer suas atividades habituais por período superior a 15 (quinze) dias consecutivos.

Durante os primeiros 15 (quinze) dias de afastamento, a responsabilidade pelo pagamento da remuneração permanece com o empregador. A partir do 16º dia, o pagamento do benefício passa a ser de responsabilidade do INSS, condicionado à realização de perícia médica previdenciária, que avaliará a incapacidade laborativa. 

O benefício pode ser classificado em duas espécies: B31 (auxílio-doença previdenciário), quando a origem da enfermidade é comum, ou seja, não relacionada ao trabalho; ou B91 (auxílio-doença acidentário), quando a doença ou acidente possui nexo causal com a atividade profissional exercida, nos termos do art. 20 da lei 8.213/91. 

A diferença entre as espécies impacta diretamente em direitos trabalhistas, como estabilidade provisória no emprego por 12 meses, garantida ao segurado que retorna de auxílio-doença acidentário, conforme estabelecido na súmula 378, inciso III, do TST.

Aposentadoria por invalidez (espécie B32), será concedida nos casos em que a incapacidade do segurado se revele total e permanente, ou seja, quando a doença ou condição impede, de forma irreversível, o desempenho de qualquer atividade laborativa.

A concessão também está condicionada à realização de perícia médica oficial, e é vedado ao segurado continuar exercendo qualquer atividade remunerada, sob pena de cessação do benefício. A documentação exigida inclui laudo médico detalhado, exames clínicos e de imagem atualizados, bem como documentos pessoais e, opcionalmente, atestados com indicação do CID (classificação internacional de doenças).

Licença médica e prazos legais

Conforme a legislação trabalhista e previdenciária, a licença médica de até 15 (quinze) dias é de responsabilidade do empregador, desde que devidamente justificada por atestado médico válido, contendo os seguintes elementos: nome completo do trabalhador, prazo estimado de afastamento, assinatura do médico assistente, carimbo e número do CRM.

O encaminhamento ao INSS para concessão de benefício por incapacidade deve ocorrer a partir do 16º dia de afastamento, podendo o período ser renovado sucessivamente, mediante apresentação de laudos médicos atualizados e reavaliação pericial.

Redução de jornada e flexibilização do trabalho

Embora não exista previsão legal específica que obrigue o empregador a reduzir a jornada de trabalho de empregados em tratamento de doenças graves, como o câncer, a prática pode ser viabilizada mediante negociação individual, com base em laudos médicos que indiquem a necessidade de adequação da carga horária. 

A flexibilização pode incluir: acordos de redução de jornada ou metas, desde que não haja prejuízo à remuneração ou à dignidade da colaboradora; teletrabalho parcial, quando compatível com as atribuições da função; revisão de demandas, possibilitando o respeito ao ritmo de recuperação da empregada.

Embora facultativas, essas medidas são reconhecidas como boas práticas de gestão humanizada, alinhadas à responsabilidade social da empresa.

Retorno ao trabalho: Readaptação e garantias legais

O retorno do trabalhador ao ambiente de trabalho após período de afastamento por motivo de saúde, especialmente nos casos de doenças graves como o câncer, deve observar um conjunto de normas jurídicas e princípios que visam assegurar uma reintegração digna, segura e respeitosa, conforme o disposto na NR-7, do Ministério do Trabalho e Emprego, bem como no art. 157 da CLT e nas diretrizes da Previdência Social. 

Antes da retomada das atividades laborais, é obrigatória a realização de exame médico de retorno ao trabalho, conforme previsto no item 7.5.5 da NR-7. Esse exame deve ser conduzido pelo médico do trabalho da empresa e tem como objetivo avaliar a aptidão física e mental do trabalhador para reassumir suas funções. 

Caso o profissional seja considerado inapto para o exercício da função anteriormente desempenhada, caberá ao empregador buscar alternativas de readaptação funcional, respeitando os limites impostos pela condição de saúde do trabalhador.

A readaptação, embora não expressamente prevista na CLT, é respaldada pelo princípio da função social do contrato de trabalho, disposto no art. 421 do CC aplicado subsidiariamente e pelo princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III, da CF/88. 

Trata-se de prática consolidada na jurisprudência trabalhista e nos pareceres técnicos da área de saúde ocupacional, especialmente nos casos em que a limitação funcional é permanente ou de longa duração.

Essa readaptação deve ocorrer sem prejuízo salarial, sem rebaixamento de função e sem exposição do trabalhador a condições inadequadas ou agravantes à sua condição clínica. O empregador, ao realocar o colaborador, deve observar a compatibilidade entre as novas atribuições e as restrições médicas formalmente indicadas em laudos ou atestados, sob pena de configurar desvio de função ou até mesmo conduta discriminatória, vedada pela legislação trabalhista e pela Constituição.

Além disso, a empresa deve assegurar que o retorno ocorra em ambiente que favoreça a reintegração progressiva do trabalhador, podendo adotar medidas como flexibilização de jornada, metas ajustadas, ou mesmo programas internos de acolhimento psicossocial, nos moldes de políticas de saúde ocupacional e bem-estar corporativo.

Por fim, é importante ressaltar que eventuais condutas patronais que venham a marginalizar, constranger ou dificultar o retorno do trabalhador por motivo de doença podem configurar assédio moral, passível de indenização por danos morais, conforme jurisprudência reiterada dos tribunais regionais e superiores do trabalho.

O que as empresas podem fazer além da lei

O cumprimento da legislação é o mínimo esperado. Empresas comprometidas com o bem-estar das mulheres vão além das boas práticas recomendadas com criação de políticas internas de acolhimento a colaboradoras em tratamento; campanhas educativas sobre o câncer de mama e a saúde feminina durante todo o ano; apoio psicológico corporativo, via convênios, psicólogos parceiros ou escuta ativa no RH; criação de grupos de apoio internos ou indicação de redes externas; planejamento de retorno gradual ao trabalho, com diálogo aberto; combate ao preconceito e estigmas no ambiente de trabalho.

Infelizmente, o câncer de mama ainda é alvo de estigmas que podem gerar comentários inadequados ou invasivos; isolamento social; perda de confiança da equipe; medo de demissão, sendo que a discriminação por condição de saúde é ilegal, nos termos da lei 9.029/95 e configura assédio moral em alguns contextos, sendo importantíssimo à empresa promover campanhas de sensibilização com linguagem respeitosa; estimular o respeito à privacidade da colaboradora; capacitar gestores para agirem com empatia e cuidado; estabelecer protocolos internos de conduta ética.

É essencial que a colaboradora mantenha diálogo transparente com a empresa, preservando o sigilo e a dignidade do processo, comunicando ao RH ou liderança direta caso precise de afastamento, mudança de horário ou suporte especial; apresentando laudos médicos e atestados válidos, com informações mínimas necessárias; solicitando formalmente o encaminhamento ao INSS, se necessário. Ao retornar, deve participar da avaliação de saúde ocupacional, ASO e conversar sobre adaptações, se preciso. 

A empresa não deve exigir informações sensíveis além do necessário, nem expor publicamente a condição da colaboradora.

Conclusão

A colaboradora diagnosticada com câncer de mama enfrenta uma batalha que vai muito além do aspecto clínico: ela precisa lidar com o emocional, o físico e, muitas vezes, com o medo de perder o trabalho. Por isso, garantir seus direitos legais, oferecer acolhimento humano e promover um ambiente de respeito é dever ético e moral das empresas.

O Outubro Rosa é uma lembrança poderosa de que cuidar da saúde das mulheres é responsabilidade de todos - da sociedade, das instituições e, especialmente, do mundo corporativo.

Valorizar, respeitar e apoiar uma mulher em tratamento é mais do que cumprir a lei, é reconhecer sua força e humanidade.

Mulher, acredite: você é mais forte do que imagina, você tem direitos, você tem voz, mas acima de tudo: você tem valor. O outubro rosa não deve ser apenas um lembrete de autocuidado, é também uma oportunidade de informá-la sobre seus direitos legais, suas garantias trabalhistas e que pode contar com apoio, acolhimento e dignidade, caso enfrente um diagnóstico de câncer de mama. Cuidar da sua saúde é prioridade. Respeitar seus direitos é dever. Valorizar sua vida é missão.

Vanessa Albuquerque
Conciliadora do TJ-SP, especialista em Propriedade Intelectual, diretora e CEO da Cone Sul Marcas e Patentes, sócia da Montañés Albuquerque Advogados e conselheira fiscal da AnaMid.

Rosângela Maria de Almeida
Advogada, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho, Propriedade Intelectual pela PUC-PR, e Coordenadora Jurídica na Cone Sul Marcas e Patentes e Montañés Albuquerque Sociedade de Advogados

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