A operação carbono oculto revelou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal com uso de fundos de investimento para movimentação de capital de origem ilícito. É um sinal de alerta que ressoa nos alicerces da CVM. O escândalo escancara as fragilidades de um modelo regulatório formalista e punitivista, de comando e controle. Parece que a adoção de um sistema regulatório capaz de absorver um modelo de trade-off, uma abordagem mais eficiente focada na resolução de conflitos é inafastável, sugerido pela regulação responsiva.
A CVM apresenta como principal missão a de proteger a poupança popular, garantir um mercado justo e competitivo e assegurar a solidez do mercado de capitais. No entanto, a própria autarquia admite que lhe falta capacidade financeira, tecnológica e de recursos humanos para atingir os seus objetivos primários. Como um gigante com pés de barro, o modelo atual se dedica a perseguir cada formalidade e reagir a cada infração. Mostrou-se especialmente incapaz de acompanhar a sofisticação da criminalidade. Os R$ 52 bilhões drenados pelo PCC via fundos de investimento não representam apenas números. São a prova cabal de que a ineficiência do modelo de dispor da fiscalização preventiva e de “punir depois” abre caminhos para a fraude.
O legado da "carbono oculto": A insuficiência do comando e controle
A operação carbono oculto jogou luz para feridas que decorrem da mentalidade regulatória CVM vigente, que envolvem:
“Cegueira” para o beneficiário final: O uso de "fundos em cascata" para ocultar a identidade do beneficiário final (UBO) é uma estratégia clássica da lavagem de dinheiro. O modelo de comando e controle, obcecado pela verificação formalista, falhou em penetrar a complexidade dessas estruturas. A CVM, com seus recursos limitados, não conseguiu ir além da burocracia documental para desvendar a real propriedade do dinheiro, permitindo ao crime organizado o anonimato de que precisava;
"Pontos cegos" dos fundos exclusivos: A princípio, os fundos exclusivos e não-varejistas, que não buscam a "poupança popular" diretamente, são fiscalizados com menor rigor pela CVM, razão porque se tornaram reconhecidos ambientes menos fiscalizados, tornando-os alvos perfeitos para escoamento de capital ilícito. A CVM, ao selecionar e priorizar a fiscalização dos pontos "mais expressivos" com a lógica de comando e controle e com orçamentos apertados, deixou a perpetuação de nichos sem devida fiscalização. Como resultado colhe-se um campo fértil para a lavagem de dinheiro.
Compliance de fachada e a falha na supervisão: A incapacidade das instituições financeiras de identificar a origem ilícita dos recursos, deriva em parte de uma cultura disseminada de controles internos e de compliance meramente formais. A CVM, no modelo atual, supervisiona a existência formal de políticas internas, mas não monitora a sua eficácia. Se a própria reguladora carece de governança interna, processos transparentes e ferramentas para aprimorar suas regras, como pode garantir que os regulados não ofereçam apenas uma "fachada" de conformidade?
Vigilância lenta e reativa: R$ 52 bilhões circulando por anos sem que os sistemas de monitoramento da CVM disparassem um alerta massivo soa inaceitável. O modelo tradicional não prioriza a análise de risco proativa e a inteligência de mercado. A autodeclarada falta de "tecnologia adequada" e "pessoal suficiente" transformou a vigilância da CVM em uma atividade apenas reativa, formal e em uma resposta tardia a danos já consolidados. Não há uma barreira preventiva.
Fiscalização vertical e sem confiança: A utilização de gestoras e administradoras de recursos por criminosos revela uma lacuna profunda. O modelo de comando e controle cria uma relação de desconfiança entre regulador e regulado, inibindo a cooperação e o diálogo entre regulador e regulado. Em vez de encorajar as instituições a serem parceiras na detecção de fraudes, a CVM, com sua cultura punitivista e a fiscalização superficial imposta pela limitação de recursos, pode ter desencorajado a proatividade privada.
Regulação responsiva - Uma opção para a eficiência e a regulação focada em resultados
A operação carbono oculto precisa ser o catalisador para uma transformação profunda na CVM. A solução está em abraçar, de forma consciente, coerente e estruturada, a teoria da regulação responsiva. Essa abordagem não defende nem mais, nem menos regulação, defende uma regulação mais inteligente, cooperativa e focada em resultados:
Mais resultados e transparência, menos processos e mais inteligência: Via estímulo da cooperação e da autorregulação, busca resolver a maioria dos conflitos na "base da pirâmide", com uso de diálogo e "soft tools" (orientações, reparo de condutas e educação). A CVM liberaria o caro e demorado processo administrativo sancionador para aqueles que optaram por não cooperar na primeira fase, para os de má-fé e para os reincidentes. Isso resulta na otimização de recursos e no foco em resultados, reinvestindo-os onde realmente importa: fiscalização preventiva inteligente com recursos de tecnologia e desenvolvimento e fortalecimento da autorregulação.
Investimento estratégico em prevenção: O capital é redirecionado à atividade de fiscalização preventiva, com tecnologia de dados inteligente e pessoal qualificado para uma supervisão baseada em risco proativa. Isso permitiria à CVM identificar padrões suspeitos, rastrear beneficiários finais e fortalecer os controles de compliance nas instituições antes que o crime se instale.
Cooperação e autorregulação: Um modelo responsivo construiria uma relação de confiança com o mercado, manteria um histórico de suas condutas, incentivando a autorregulação forçada (com regras internas sob supervisão da CVM) e voluntária (com adesão a padrões de governança) em diversos setores. A parceria transforma regulados em primeiros fiscalizadores, com a CVM focando em supervisão e nos riscos sistêmicos.
Governança, transparência e previsibilidade: A regulação responsiva exige uma CVM com governança interna robusta, processos decisórios transparentes, motivados e públicos. Isso acabaria com a "fase prévia" opaca e as decisões "ad hoc", trazendo segurança jurídica e previsibilidade, essenciais para a confiança do mercado e a legitimidade da atuação regulatória.
A operação carbono oculto prova a ineficiência do modelo atual, somada à crônica falta de recursos e de pessoal. A CVM precisa transitar de forma declarada, coerente e organizada para uma regulação responsiva, focada em resultados, que incorpore uma ideologia de trade-off, reinvestir em setores de fiscalização, em inteligência, tecnologia e transparência, forjar uma cultura de cooperação e de autorregulação, incluindo o enforcement estatal como uma parte no ciclo regulatório.