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Características do contrato de transporte

O artigo aborda de forma clara e fundamentada o contrato de transporte, instituto de grande relevância no direito civil e responsável por regular a movimentação de pessoas e mercadorias.

12/11/2025

O contrato de transporte ocupa papel essencial nas relações jurídicas e econômicas contemporâneas, sendo instrumento que viabiliza a circulação de pessoas e bens, além de assegurar o funcionamento das cadeias produtivas e do comércio. Previsto no CC e regulado por normas específicas conforme a modalidade (terrestre, marítima ou aérea), esse contrato se caracteriza pela obrigação do transportador de conduzir, mediante remuneração, pessoas ou coisas de um local a outro, com segurança e dentro do prazo ajustado.

A relevância jurídica do tema decorre não apenas de sua ampla aplicação prática, mas também das complexas responsabilidades envolvidas, sobretudo quanto aos riscos, danos e deveres de ambas as partes. A análise do contrato de transporte, portanto, demanda compreensão de seus elementos constitutivos, espécies e regime de responsabilidade, a fim de garantir equilíbrio e segurança jurídica nas relações contratuais.

De início, como ensina a professora Maria Helena Diniz1: “(...) da conjunção de duas ou mais declarações de vontades coincidentes ou concordantes nasce a norma convencional, pois o contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral.”

Logo, entende-se que, qualquer que seja o contrato, este requer o acordo de vontades das partes contratantes, de forma tácita ou expressa, o qual é concretizado por meio da autonomia privada. Sem o pacto de vontades, requisito de validade e pressuposto de existência, não há que se falar em relação contratual.

Transpondo tais colocações ao contrato de transporte, observa-se, pela definição dada pelo art. 730 do vigente CC de 2002 - resultante da autorização constitucional prevista no art. 178 da Carta Magna de 1988 -, que “pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”. Desse modo, classifica-se como um contrato típico.

Para a doutrina, de um modo geral, estipula-se o mesmo entendimento, tratando-se de um contrato realizado em troca de retribuição, para transportar pessoas ou coisas de um lugar para outro.

Por exemplo, nas palavras de Flávio Tartuce2: “(...) trata-se do contrato pelo qual alguém (o transportador) se obriga, mediante uma determinada remuneração, a transportar de um local para outro pessoas ou coisas, por meio terrestre (rodoviário e ferroviário), aquático (marítimo, fluvial e lacustre) ou aéreo.”

Sílvio de Salvo Venosa3 traduz como: “negócio pelo qual um sujeito se obriga, mediante remuneração, a entregar coisa em outro local ou a percorrer um itinerário para uma pessoa”.

Na jurisprudência do STJ, o ministro Luis Felipe Salomão4 define que: “o contrato de transporte é aquele em que uma pessoa ou empresa se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas animadas ou inanimadas, com total segurança, mantendo incólume os seus aspectos físicos e patrimoniais.”

Ainda, reforça Maria Helena Diniz5 que: “o contrato de transporte é aquele em que uma pessoa ou empresa se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas animadas ou inanimadas (CC, art. 730).”

Portanto, não há dúvidas sobre a definição do contrato típico de transportes dada pelo art. 730 do atual CC, sendo o entendimento da doutrina pacífico neste ponto. Contudo, é tido como negócio informal ou não solene por não apresentar qualquer formalidade prevista, sendo tratado diversas vezes na forma verbal.

Nada obstante, vale destacar que pode ser um contrato de consumo, por observância aos arts. 2º e 3º do CDC, considerando que os sujeitos do contrato de transporte podem ser, respectivamente, o transportado (passageiro destinatário final do serviço) ou adquirente (comprador da passagem) e transportador (fornecedor do serviço). Em tese, essa relação de consumo se qualifica pela presença de uma parte vulnerável (consumidor) de um lado, e de um fornecedor do outro6.

O consumidor, descrito neste tipo de contrato como transportado, passageiro, usuário, viajante ou viageiro (destinatário final), ainda podendo ser definido como adquirente ou comprador, a depender da doutrina, será, segundo Pontes de Miranda7, tanto aquele que obtém a passagem e é transportado, como aquele que tem sua passagem adquirida por terceiro.

Por sua vez, o fornecedor do serviço, categorizado como transportador ou transportista, será aquele que assume a responsabilidade de efetuar o transporte, seja em seu próprio nome através de seus meios ou contratando um terceiro para realizar.

Diga-se que geralmente se trata de um contrato de adesão, tendo em vista a não possibilidade negocial dos termos do pacto pela parte contratante.

Porém, se o transporte for para fins de atividade empresarial (como transporte de insumos para uma empresa), não seria considerado relação de consumo e nem de adesão, visto a existência de uma relação que se presume paritária entre empresários e a possibilidade negocial de tratamento das cláusulas.

Acrescenta-se que é um contrato bilateral ou sinalagmático, haja vista que há reciprocidade proporcional entre prestação e contraprestação para as partes. Existe a obrigação do transportador em transportar, por meio próprio ou de outrem, e a obrigação do passageiro ou contratante em pagar o preço ajustado.

É importante se destacar que o contrato de transporte comporta uma obrigação de resultado, em virtude de que o transportador se incumbe de maneira implícita, em troca da retribuição, a transportar com segurança a pessoa ou a coisa até o seu destino.

Daí surgiu a chamada cláusula de incolumidade, matéria fartamente protegida na jurisprudência pátria. Sobre o tema, como bem descreve a ministra Nancy Andrighi no REsp 1.786.722/SP: “o transportador deve empregar todos os expedientes que são próprios da atividade para preservar a integridade física do passageiro, contra os riscos inerentes ao negócio, durante todo o trajeto, até o destino final da viagem”8.

Sendo assim, pode-se concluir que o passageiro ou a coisa deverá chegar incólume ao seu destino, sendo uma obrigação de resultado do transportador.

Se tal disposição não for respeitada, pode-se cogitar em resolução do contrato por inadimplemento do transportador, surgindo a obrigação de indenizar os danos daí decorrentes. 

Postas essas premissas, o transportador responde civilmente por qualquer dano causado ao transportado ou à mercadoria que ocorra durante a viagem (responsabilidade objetiva), salvo em casos em que se demonstrem alguma excludente de responsabilidade.

Além do mais, é um contrato comutativo, tendo em vista que as prestações são de conhecimento imediato pelas partes, inexistindo a subordinação de algum fato futuro e hipotético.

Tem-se o dever do transportador de prestar o serviço digno e eficiente e o direito de receber o valor pelo serviço; por outro lado, tem-se o dever do transportado ou do contratante de pagar o preço e o direito de ser transportado ou de ter o seu item levado de modo seguro ao seu destino.

Não há risco (álea) inerente ao negócio, entretanto, apesar da notória existência de um fator de risco na consecução do serviço, este não é intrínseco ao contrato.

Define-se ainda como um contrato consensual, considerando que se consuma diante da simples manifestação da autonomia privada das partes, aperfeiçoando-se pelo consentimento recíproco dos contratantes.

Por ser uma atividade econômica com fim lucrativo, torna-se um contrato oneroso, somado ao comando do já citado art. 730 do CC, uma vez que é celebrado com o pagamento de retribuição, restando que tal requisito é essencial - por força legal - para se caracterizar o contrato de transporte.

Ressalta-se que no transporte terrestre gratuito, por amizade, benévolo, desinteressado, clandestino ou por simples cortesia, não se enquadra como contrato de transporte (vide artigo 736, do CC), sobejando que a responsabilidade desse transportador é de natureza extracontratual e, como se observa, subjetiva (artigos 186 c.c. 927, do CC), a rigor da súmula 145 do STJ.

Diante do exposto, quanto à sua natureza jurídica, caracteriza-se por ser um contrato típico, informal ou não solene, bilateral ou sinalagmático, de resultado, comutativo, consensual, duradouro e oneroso. Dependendo do caso, ainda pode ser de consumo e de adesão.

Além disso, o seu objeto pode ser separado em espécies, como pessoas, animais ou coisas, através dos meios terrestre, aquático ou aéreo. Na presente temática, define-se como uma prestação de serviço, não podendo se olvidar da devida atenção aos princípios basilares contratuais da função social do contrato, da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da autonomia privada.

Conclui-se, portanto, que o contrato de transporte, em suas diversas modalidades, assume papel essencial nas relações econômicas e sociais hodiernas, garantindo a circulação eficiente de pessoas e bens. A análise de sua natureza e dos deveres das partes evidencia a importância de uma regulação equilibrada, que assegure tanto a proteção do contratante quanto a eficiência da atividade transportadora.

_______

1 Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. Vol. 3. Ed. 34. São Paulo. Saraiva Educação, 2018, p. 56.

2 Tartuce, Flávio. Direito Civil. Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Flávio Tartuce. 20. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 687.

3 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. 18. Ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 663.

4 STJ; REsp n. 1.339.708, Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 04/12/2018.

5 Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. Vol. 3. Ed. 34. São Paulo. Saraiva Educação, 2018, p. 501.

6 TJSP; Agravo de Instrumento 2308535-05.2023.8.26.0000; Relator (a): Salles Vieira; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/12/2023; Data de Registro: 01/12/2023.

7 Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. São Paulo: Submarino, 2008, p. 208.

8 STJ; REsp n. 1.786.722/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/6/2020, DJe de 12/6/2020.

Bruno Roberto Barbosa de Paula
Advogado Corporativo. Pós-graduado em Processo Civil e em Contratos. Cursos em Ética Profissional e Compliance. Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

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