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Superendividamento e a concessão responsável de crédito

Entenda como a lei do superendividamento pode transformar a relação entre bancos e consumidores e garantir uma nova era de crédito responsável no Brasil.

13/11/2025

Introdução: o endividamento como fenômeno social

As relações bancárias e de consumo passaram por profundas transformações nos últimos anos, especialmente com o advento da lei 14.181/21, conhecida como lei do superendividamento.

Embora pouco divulgada, essa norma representa um marco na defesa do consumidor, ao buscar o equilíbrio entre o direito ao crédito e o dever de pagamento responsável, evitando que o cidadão seja aprisionado em um ciclo de dívidas impagáveis.

O crédito fácil, os juros elevados e a ausência de políticas de educação financeira criaram um cenário em que milhões de brasileiros se encontram endividados e, muitas vezes, sem conhecer as ferramentas legais disponíveis para a renegociação justa de seus débitos.

O retrato do endividamento no Brasil

De acordo com o Indicador de Inadimplência de Pessoas Físicas da CNDL/SPC Brasil, cerca de 71,86% dos brasileiros encontram-se inadimplentes (dados de setembro de 2025).

O número impressiona, mas revela também uma realidade alarmante: boa parte desses consumidores não conhece seus direitos nem os instrumentos legais de repactuação de dívidas.

As principais dívidas estão ligadas a cartões de crédito, cheque especial e financiamentos de alto valor agregado, produtos frequentemente estruturados de forma que o pagamento integral se torna inviável, perpetuando o superendividamento.

A concessão de crédito e o dever de responsabilidade dos bancos

A lei do superendividamento não apenas protege o consumidor: ela impõe deveres às instituições financeiras, sobretudo no momento da concessão do crédito.

Bancos e financeiras devem avaliar a real capacidade de pagamento do cliente, evitando oferecer produtos ou limites incompatíveis com sua renda - prática que, infelizmente, ainda é comum no mercado.

É frequente a concessão de empréstimos automáticos, margens de crédito não solicitadas ou parcelamentos forçados, que ampliam o endividamento e violam os princípios da boa-fé e da transparência previstos no CDC.

Assim, a responsabilidade das instituições não se limita à cobrança: elas devem agir preventivamente, zelando por práticas de crédito sustentável e pela educação financeira de seus clientes.

O papel da lei do superendividamento como instrumento de reequilíbrio

A lei 14.181/21 surgiu como um importante instrumento de reestruturação financeira para o consumidor de boa-fé.

Ela possibilita a repactuação global das dívidas, mediante plano de pagamento que respeite o mínimo existencial e promova o retorno do consumidor ao mercado de consumo de forma digna.

Mais do que uma medida jurídica, trata-se de um mecanismo de inclusão social e econômica, que busca devolver ao cidadão a capacidade de reorganizar sua vida financeira.

Em muitos casos, a aplicação da lei permitiria reduzir valores abusivos e eliminar encargos ilegais, tornando viável a quitação integral das dívidas.

Conclusão: crédito responsável e dignidade do consumidor

O superendividamento é um problema coletivo, que exige comprometimento ético e jurídico das instituições financeiras.

Se, de um lado, o consumidor deve agir com prudência ao contratar crédito, de outro, os bancos têm o dever legal e moral de avaliar a capacidade de pagamento e evitar práticas predatórias.

A concessão responsável de crédito e a efetiva aplicação da lei do superendividamento representam não apenas um avanço jurídico, mas um passo essencial para a dignidade do consumidor e a estabilidade econômica do país.

Somente com políticas bancárias transparentes e educativas será possível romper o ciclo do endividamento e construir uma relação mais justa entre consumidores e instituições financeiras.

André Luiz Paraiso de Queiroz
Formado em Direito pela Faculdade Anísio Teixeira, com LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em Direito Bancário

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