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Cadeia de custódia na lei Maria da Penha

A correta apresentação das provas é fundamental para o livre convencimento do magistrado.

14/11/2025

Audiência de instrução e julgamento, momento em que será decidido se um homem, acusado de agredir física e sexualmente uma mulher, será condenado. A mulher, ex de tal acusado, não se submeteu ao exame de corpo de delito, mas apresentou, por meio do advogado, laudos e prontuários médicos para comprovar os crimes. A juíza da vara de violência doméstica decide não condenar o acusado por falta de provas.

Em primeiro lugar, laudos e prontuários médicos podem servir como meios de prova? Vamos ver o que diz o parágrafo terceiro do art. 12 da lei Maria da Penha:

Lei Maria da Penha.

“Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

§ 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.”

Pela leitura do parágrafo terceiro do art. 12 da lei Maria da Penha, ao que tudo diz, sim, os laudos e prontuários médicos poderiam ser admitidos como meios de prova, entretanto, ao lermos com bastante atenção o caput de tal art. 12, percebemos que está escrito “os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal”, ou seja, o CPP não poderá ser desprezado.

Como os crimes de lesão corporal e estupro deixam vestígios, há a necessidade de exame pericial, conforme prevê o art. 158 do CPP:

CPP

 “Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado."

Ou seja, por ser indispensável o exame de corpo de delito, não poderá este ser suprimido por qualquer outro tipo de prova. Os laudos e prontuários médicos são, sim, importantes como meios de prova, mas, sem exames periciais, não possuem a validade necessária para a condenação do acusado.

O STJ tem posicionamentos conflitantes sobre tal caso concreto. A 6ª turma do STJ, ao julgar a AREsp 1.874.301, entendeu de forma unânime que:

“Embora o exame de corpo de delito deva, como regra, ser produzido para a configuração do delito de lesão corporal ocorrido no contexto de violência doméstica, já que se trata de infração que deixa vestígios, admite-se que a materialidade possa ser comprovada por outros meios, como laudos médicos de profissional de saúde.”

Já em outra decisão do STJ, em relação ao agravo em REsp 3.007.741/AM, a ministra Marluce Caldas absolveu um acusado de violência física, com fulcro no inciso VII do art. 386 do CPP. Neste caso concreto as únicas provas apresentadas pela suposta vítima foram imagens da agressão, entretanto o rosto do acusado não apareciam, sendo impossível identificar quem foi o autor do fato criminoso.

CPP

“Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

VII – não existir prova suficiente para a condenação.”

De tal forma, é sempre importante para que um acusado possa ser condenado que sejam colhidas o máximo de provas possíveis, em especial quando o crime deixar vestígios, as provas periciais. O exame de corpo de delito, por ser necessário, não pode ser dispensável. É preciso que agentes públicos e vítima entendam a necessidade do exame pericial para que não haja a impunidade de agressores de mulheres.

Wagner Luís da Fonseca e Silva
Bacharel em Direito, aprovado na OAB. Pós-graduado em Direito Militar pelo Instituto Venturo. Pós-graduado em Gênero e Direito pela Emerj. MBA em Vioência Doméstica pela FACEC. Policial Militar.

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