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Greenwashing e créditos de carbono: Riscos jurídicos e reputacionais para grandes empresas

Mercado de compensação de emissões oferece estratégia sustentável, mas uso indevido como marketing gera riscos legais, financeiros e reputacionais.

13/11/2025

No cenário empresarial contemporâneo, a pauta ambiental deixou de ser um mero diferencial competitivo para se tornar um elemento central da estratégia corporativa. Pressionadas por consumidores, investidores e órgãos reguladores, as empresas têm buscado demonstrar seu compromisso com a sustentabilidade e com a mitigação das mudanças climáticas. Nesse contexto, o mercado de créditos de carbono surge como uma ferramenta promissora, permitindo compensar emissões de gases de efeito estufa por meio de investimentos em projetos de redução ou remoção de CO2. Todavia, quando mal implementadas ou comunicadas de forma distorcida, tais iniciativas podem dar lugar ao chamado greenwashing, prática que expõe as corporações a riscos jurídicos, financeiros e reputacionais significativos. 

O greenwashing, ou “lavagem verde”, caracteriza-se pela veiculação de informações falsas, exageradas ou não comprovadas sobre atributos ambientais de produtos, serviços ou operações empresariais. Trata-se de conduta que, no Brasil, pode configurar publicidade enganosa, nos termos do art. 37 do CDC, concorrência desleal, conforme art. 195, inciso III, da lei de propriedade industrial, bem como violação ao princípio da boa-fé objetiva previsto no art. 422 do CC. Além das repercussões civis, se descartam sanções administrativas e ambientais, aplicáveis por órgãos como PROCON, IBAMA e entidades estaduais. Órgãos como o CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária também já determinaram a retirada de campanhas ambientais por ausência de comprovação técnica, aplicando o disposto no art. 36 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 

Os créditos de carbono, por sua vez, representam reduções certificadas de emissões de uma tonelada de CO2 ou equivalente, que podem ser negociadas em mercados regulados ou voluntários. No Brasil, o tema encontra fundamento na lei 12.187/09, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima, e no Acordo de Paris, incorporado pelo decreto 9.073/17, havendo ainda projetos legislativos em trâmite para a regulamentação do mercado nacional de carbono. Utilizados de forma legítima, esses créditos são instrumentos valiosos para o cumprimento de metas corporativas de neutralidade climática e para o atendimento de exigências legais e compromissos internacionais. 

Entretanto, é justamente na interface entre créditos de carbono e comunicação empresarial que o risco de greenwashing se intensifica. Isso ocorre, por exemplo, quando a aquisição de créditos é utilizada exclusivamente como peça publicitária, sem que haja esforços concretos de redução de emissões na cadeia produtiva; quando a empresa omite informações sobre a origem e a certificação dos créditos; ou ainda quando são utilizados créditos de projetos inexistentes, ineficazes ou já expirados. A alegação de “emissões zeradas” sustentada apenas na compra de créditos, sem um plano robusto de mitigação interna, é um exemplo clássico de prática potencialmente enganosa, capaz de ensejar ações civis públicas7, denúncias junto ao CONAR e danos severos à reputação da marca. 

Para evitar tais riscos, é imprescindível que as empresas adotem padrões elevados de transparência e integridade. Isso inclui a realização de auditorias independentes para verificação de emissões e compensações, o uso de créditos certificados por padrões reconhecidos internacionalmente, a divulgação de relatórios ambientais com dados verificáveis e, sobretudo, a implementação de planos concretos de redução de emissões antes da compensação. A publicidade de ações ambientais deve observar rigorosamente as diretrizes do CONAR e as normas do CDC, garantindo que toda afirmação ambiental possa ser comprovada tecnicamente. 

As consequências do greenwashing transcendem o campo jurídico. Além de multas e determinações para cessar campanhas, empresas envolvidas nessa prática podem enfrentar queda no valor de mercado, perda de contratos e afastamento de investidores institucionais, cada vez mais atentos a critérios ESG. A credibilidade, uma vez abalada, demanda anos de esforço para ser reconstruída, o que demonstra que, no campo da sustentabilidade corporativa, não há espaço para atalhos ou promessas vazias. 

O mercado de créditos de carbono, quando aliado a estratégias reais e mensuráveis de mitigação, é uma oportunidade para que grandes empresas desempenhem um papel efetivo no enfrentamento da crise climática. Porém, o uso indevido desse instrumento como mera ferramenta de marketing compromete não apenas a conformidade legal, mas também o capital reputacional que sustenta a competitividade no longo prazo. Integrar discurso e prática é, portanto, o único caminho seguro para que a sustentabilidade se consolide como um valor corporativo legítimo e não como uma armadilha jurídica disfarçada de virtude ambiental. 

Railene Fonseca
Sócia de Martorelli Advogados, Área do Contencioso Cível Estratégico.

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