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Sandbagging: O jogo contratual e a boa-fé no Direito brasileiro

Entender o sandbagging é fundamental, pois ele toca diretamente em um dos pilares do nosso Direito Civil: O princípio da boa-fé objetiva.

17/11/2025

O universo dos contratos de compra e venda de empresas (conhecidos como operações de fusões e aquisições ou M&A) é repleto de termos e cláusulas importados do sistema jurídico internacional, especialmente do common law (direito anglo-saxão). Um desses termos que gera intenso debate no Brasil é o "sandbagging".

1. O que é "sandbagging"? Origem e definição

A palavra "sandbagging" (que, em tradução literal, significa "saco de areia") carrega uma conotação histórica de astúcia e engano.

A expressão, originária do século XIX, era usada para descrever a conduta de gangues que enchiam meias com areia (aparentemente inofensivas) para agredir suas vítimas de forma sorrateira, obtendo uma vantagem.

No contexto jurídico e empresarial, o sandbagging se refere a uma prática específica em contratos de aquisição de empresas:

O cerne da controvérsia é se essa utilização da informação obtida para buscar indenização futuramente configura uma violação da boa-fé e dos limites da liberdade contratual no Direito brasileiro.

2. A boa-fé objetiva (Art. 422 CC) como pilar do Direito Contratual

O Direito Contratual brasileiro, por ser um sistema de civil law, é fortemente regido por princípios éticos de conduta.

O art. 422 do CC é o principal pilar que sustenta essa exigência, determinando que "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".

A boa-fé objetiva exige dos envolvidos um padrão de comportamento leal, honesto e transparente.

O conflito com o sandbagging

A conduta de sandbagging (saber do problema e silenciar para lucrar depois) é vista por muitos juristas como a antítese dessa lealdade, pois violaria deveres anexos, como o dever de informar e a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium).

O principal obstáculo para a validade da prática de sandbagging no Brasil é justamente o potencial desrespeito à boa-fé. O comprador que age dessa forma pode ter seu comportamento interpretado como desleal ou abusivo.

Se o contrato é omisso (não fala nada) sobre o sandbagging, a doutrina majoritária no Brasil tende a adotar uma postura anti-sandbagging. Nesses casos de silêncio, a admissibilidade da prática é casuística (depende da análise concreta do caso) e sujeita ao julgamento sobre a real intenção e o nível de conhecimento do comprador.

Além disso, o exercício de um direito, mesmo que contratualmente previsto, pode ser considerado um abuso de direito (art. 187 do CC) se exceder os limites impostos pela boa-fé.

3. As cláusulas de sandbagging: Pró ou contra?

Para mitigar a incerteza jurídica gerada pelo conflito entre a autonomia privada e a boa-fé objetiva, as partes em contratos sofisticados podem optar por incluir cláusulas expressas que definem claramente a alocação de risco.

O Direito brasileiro, especialmente após a lei da liberdade econômica (lei 13.874/19), valoriza a autonomia privada e a alocação de riscos definida pelas partes em contratos empresariais paritários, desde que não violem normas de ordem pública ou a boa-fé.

A) Cláusula anti-sandbagging (pró-vendedor)

Esta cláusula é a que proíbe expressamente o comprador de buscar indenização se ele já tinha conhecimento da falha antes do fechamento do negócio.

B) Cláusula pro-sandbagging (pró-comprador)

Esta cláusula é a que expressamente permite que o comprador busque indenização pela violação de uma garantia, mesmo que ele soubesse da inveracidade antes de fechar o negócio.

A conclusão consolidada é que, embora a boa-fé (art. 422) permaneça como um limite, as cláusulas expressas de pro-sandbagging e anti-sandbagging são, via de regra, plenamente válidas no Direito brasileiro, pois representam a livre manifestação da vontade das partes e a alocação de riscos em contratos empresariais. Elas oferecem segurança ao definir previamente as "regras do jogo" entre as partes.

Caio Vinicius Pereira da Silva
Caio Vinicius Pereira Pacheco - Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - Formado em Analista Fiscal e Gestão Tributária pelo SENAC - Pesquisador Jurídico - CEA/AMBIMA

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