A recente operação "Compliance Zero", que culminou na liquidação extrajudicial do Banco Master e na prisão de seu proprietário, Daniel Vorcaro, representa um marco sombrio no mercado financeiro brasileiro. Longe de ser um mero caso de fraude bancária, o episódio expõe uma teia complexa de falhas, assimetrias informacionais e incentivos morais perversos, disseminados pelos participantes do mercado, que criou um ambiente ideal para a prosperidade de uma operação criminosa bilionária. A "Compliance Zero" não aponta apenas para a ausência de um compliance eficaz no Banco Master. Como sugere o nome da operação, o caso revela uma falha sistêmica, na qual contribuíram, de diferentes formas, o regulador, os gatekeepers e até os próprios investidores. Todos, em certa medida, permitiram que o esquema prosperasse sob uma roupagem de legalidade e, ironicamente, sob a tutela do Banco Central.
Um negócio construído sobre falácias e fraudes. O modelo de negócios do Banco Master baseava-se na capitalização da instituição mediante a emissão massiva de CDBs - Certificados de Depósito Bancário que ofereciam rentabilidades significativamente acima do padrão de mercado - ostensivos 140% do CDI, chegando a picos de 180% em momentos de maior desconfiança. Esse rendimento, associado a um histórico conturbado e uma história recente de riscos, não era um sinal de generosidade, mas um "pedido de socorro". Sem dúvida, esse cenário, por si só, deveria ter acendido alertas nos departamentos internos de compliance de todas as contrapartes do Banco.
Por trás dessa fachada de lucratividade, as investigações da operação Compliance Zero desvendaram um esquema de emissão de "carteiras de crédito falsas" e a "maquiagem do passivo bancário" por meio da inserção de "créditos em favor do banco inexistentes". O dinheiro de novos investidores era supostamente utilizado para pagar os antigos, caracterizando uma pirâmide financeira disfarçada. Essa operação criminosa, revestida de uma aparente legalidade de instituição financeira, gerou não apenas perdas bilionárias, mas contaminou o mercado, criou insegurança jurídica e expôs o sistema financeiro a um perigoso risco sistêmico.
As assimetrias informacionais e os incentivos morais. O sucesso da empreitada criminosa do Banco Master decorre da exploração das falhas de mercado resultantes das assimetrias informacionais. Situações de seleção adversa e de moral hazard saltam aos olhos dos especialistas.
Sob a perspectiva da seleção adversa, destaca-se o comportamento do Banco Master ao atrair, com seus CDBs de alta rentabilidade, um perfil de investidor que priorizava o retorno financeiro sobre a análise de risco. A instituição, ciente de sua fragilidade e das práticas ilícitas que empreendia, "selecionava" investidores que, por falta de informação ou por ganância, estavam dispostos a aplicar em um produto intrinsecamente de baixo calibre, disfarçado pela alta remuneração. Assim, o dinheiro "ruim" financiava ativos "ruins" e fraudulentos, perpetuando o ciclo.
O moral hazard coletivo, por sua vez, configurou-se como o fator mais pernicioso. O moral hazard, ou risco moral, permeou as ações de todos os envolvidos.
O Banco Master alinhou sua estratégia de capitalização considerando a própria existência do FGC e a complacência do mercado em aceitar seus produtos até o limite garantido, atuando em flagrante hipótese de moral hazard. Ciente de que os investidores se sentiriam protegidos, o banco intensificou suas práticas arriscadas e fraudulentas, assumindo que as consequências seriam mitigadas pelo sistema. Por esta razão, muitos especialistas afirmam que a estratégia premeditada do Banco Master objetivava não só o dinheiro dos investidores, mas representava um golpe coordenado contra o próprio FGC - Fundo Garantidor de Crédito.
Por outro lado, os investidores, cientes da garantia de até R$ 250 mil pelo FGC, aceitaram investir em um título sem as devidas credenciais, motivados, portanto, por um incentivo perverso. Muitos, aconselhados pelos seus assessores, gestores e consultores, optavam por aplicar "apenas até o limite do FGC", negligenciando a due diligence sobre a saúde do Banco Master. O "seguro" funcionou como um escudo para a prudência, incentivando a busca por rentabilidades irrealistas e transferindo o risco de sua decisão para o garantidor final. O investidor, que não deveria ser um ator passivo, transformou-se em um coadjuvante da fraude, acreditando-se imune às consequências.
Os gatekeepers (gestores, consultores, assessores e analistas), profissionais de mercado que deveriam ser a primeira linha de defesa do investidor, não atuaram de forma moralmente correta. Ao recomendar abertamente os CDBs do Banco Master com a ressalva do FGC, eles abdicaram de seu dever fiduciário de avaliar a solidez da instituição. Seja por incentivo financeiro (comissões) ou por pressão em oferecer produtos atraentes, esses gatekeepers validaram uma instituição duvidosa. O problema de agência manifestou-se quando o interesse próprio ou a conveniência do gatekeeper (e as "remunerações e conflitos de interesse" que as resoluções CVM 178 e 179 tentam coibir) se sobrepôs ao melhor interesse do investidor, que é a proteção do capital antes mesmo do retorno. O aconselhamento para operar "nos limites do seguro do garantidor final", estratégia amplamente e expressamente difundida no mercado neste caso dos CDBs do Banco Master, demonstra uma profunda falha na responsabilidade e na ética profissional.
O caso Banco Master revela a falha regulatória em diversas dimensões.
Sob a perspectiva da regulação de conduta, destaca-se o completo descumprimento pelo Banco Master dos deveres de "full and fair disclosure" e de um comportamento ético, fundamentais na regulação de conduta. A emissão de títulos sem lastro e a manipulação contábil são evidências claras. Mais alarmante é a falha em coibir condutas dos gatekeepers que, ao se apoiarem no FGC para justificar produtos de risco, minaram a proteção ao investidor. As investigações do MPF desde 2024 indicam que os mecanismos de fiscalização e as sanções não foram suficientemente ágeis ou robustos para interromper o ciclo da fraude.
A partir da ótica da regulação prudencial, projetada para garantir a solidez das instituições através de exigências de capital, gestão de riscos e controles internos, a regulação também falhou. Se o Banco Master conseguiu ocultar a precariedade de seus ativos e manipular suas demonstrações por tanto tempo, isso sugere lacunas na fiscalização dos auditores independentes e nos próprios mecanismos de supervisão do Banco Central.
Finalmente, à luz da regulação sistêmica, o simples fato de uma instituição financeira ter atingido tal nível de fraude, gerando perdas bilionárias, abalando a confiança e acionando o FGC para indenizar investidores, demonstra uma vulnerabilidade sistêmica. A barreira imposta pelo BC à venda do Master para o BRB por "dúvidas sobre a viabilidade econômico-financeira" foi um alerta tardio, mas crucial. A incapacidade de intervir de forma preventiva e resolutiva antes que a situação se tornasse irreversível, apesar dos múltiplos sinais de alerta, é um indicador de que a regulação sistêmica falhou em seu objetivo de "proteger o sistema como um todo".
O nome "Operação Compliance Zero" não poderia ser mais sugestivo e acertado. Ele não denuncia apenas a completa ausência de um compliance interno eficaz no Banco Master, mas transcende a instituição para revelar uma verdade mais amarga: o compliance de fato não foi levado a cabo por ninguém em toda a cadeia. Houve um "compliance de fachada" em múltiplos níveis. As políticas e procedimentos de compliance do Banco Master eram meramente formais, não internalizados, permitindo a prática de fraudes bilionárias. Os gatekeepers transformaram a recomendação de investimentos (CDBs do Banco Master) em um jogo de "limites de seguro", em vez de empreender uma avaliação de mérito. O compliance com o dever fiduciário e a análise de risco foi mitigado pela conveniência do FGC. Finalmente, questiona-se a capacidade de monitoramento e de aplicação de sanções pelo regulador, indicando que o compliance com a vigilância e a intervenção eficaz também foi, em certos momentos, "zero".
O caso Banco Master ilustra a necessidade de que a integridade do mercado financeiro (incluindo o mercado de crédito e de investimentos) seja uma responsabilidade compartilhada. A cultura de compliance deve ser internalizada por todos os atores - o regulador, os regulados, os prestadores de serviço e os próprios investidores - que devem ser ativos e vigilantes, jamais passivos. Em um mercado verdadeiramente ético, transparente e resiliente, a Operação "Compliance Zero" se tornará uma exceção, e não um reflexo das falhas sistêmicas.