O Plenário do TCU - Tribunal de Contas da União aprovou, em 5 de novembro de 2025, o acórdão 2618/25-Plenário, que altera a IN-TCU 91/22, marco regulatório dos procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos no âmbito da Corte. A proposta foi apresentada pela SecexConsenso - Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos e aperfeiçoada pela Comissão Temporária de Acompanhamento dos Procedimentos de Solução Consensual, composta pelos ministros Benjamin Zymler, Vital do Rêgo e Antonio Anastasia.
Entre as inovações mais relevantes está a ampliação do rol de legitimados para solicitar a instauração de processos de solução consensual. Agora, o direito de provocar o órgão alcança todos os dirigentes máximos das empresas estatais, e não apenas aquelas não dependentes dos dependentes do tesouro, além das agências reguladoras. Quanto a este ponto, o presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo, destacou durante a sessão plenária que aprovou o normativo, que a Petrobras e outras companhias aguardavam a atualização normativa para formalizar pedidos de solução consensual. Desse modo, a medida busca alinhar a norma à realidade administrativa das estatais, conferindo isonomia e maior alcance ao instrumento.
O texto aprovado também aperfeiçoa os requisitos de admissibilidade dos pedidos e a etapa preparatória anterior à constituição da CSC - Comissão de Solução Consensual. Nessa fase preliminar, a SecexConsenso poderá realizar reuniões técnicas, diligências e diálogos com as partes, com o objetivo de sanar falhas e garantir que as solicitações cheguem devidamente instruídas. Apesar de o TCU, neste ponto, ter sinalizado a necessidade de um maior “refinamento” no rito de admissibilidade, de modo a conferir maior previsibilidade e reduzir o custo transacional do procedimento, entendemos que ainda carece de maior detalhamento a maneira como se desenrolarão essas etapas, especialmente os diálogos com os stakeholders, o que poderia ser realizado mediante a edição de uma portaria pela Corte de Contas.
Outro ponto de destaque é o reforço à transparência e à participação social. O requerimento de instauração passa a ser público por padrão - exceto quando houver informações sigilosas justificadas -, e será disponibilizado em página própria do TCU, permitindo o acompanhamento pela sociedade e a manifestação de interessados. Além disso, o normativo passou a exigir a apresentação, pelo órgão proponente, de relatório de participação social prévia nos casos que envolvam a prestação de serviços públicos ou de consulta direcionada a terceiros determinados, quando a eventual solução afetar seus direitos, sempre que cabível. O objetivo é garantir que usuários e agentes econômicos afetados tenham voz nas soluções construídas em sede consensual.
A norma também reforça a análise técnica e jurídica dos acordos. As unidades do TCU que participarem da CSC deverão manifestar-se expressamente sobre três aspectos, como a juridicidade da proposta, a vantajosidade em relação ao cenário de não acordo, bem como o risco moral, conceito que abrange a possibilidade de o acordo gerar incentivos indesejados a comportamentos oportunistas futuros. Essa tríplice análise, inspirada na doutrina consequencialista e na LINDB - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, visa equilibrar pragmatismo e juridicidade, prevenindo que soluções de curto prazo comprometam a coerência sistêmica do controle.
Neste ponto, apesar de o ministro Benjamin Zymler ter destacado que a consensualidade não constitui salvo-conduto para afastar o direito positivo, devendo sempre se ancorar em normas do ordenamento jurídico, o que se constata é que não foram elencados quaisquer requisitos ou parâmetros objetivos capazes de balizar uma metodologia apta a aferir a famigerada “vantajosidade”.
Poder-se-ia cogitar aqui que a experiência legislativa recente apresente caminhos possíveis: o art. 147 da lei 14.133/21, ao disciplinar as hipóteses de suspensão ou nulidade de contratações públicas, aponta critérios a serem observados, como os impactos econômico-financeiros da medida e satisfação do interesse público. Embora situado em contexto diverso, o dispositivo oferece referenciais metodológicos que poderiam, no futuro, inspirar o TCU no desenvolvimento de uma matriz mais clara e verificável para a avaliação da vantajosidade nos acordos de solução consensual.
O rito processual também foi aperfeiçoado. A partir de agora, além de o relator ter que submeter a proposta de solução consensual ao Plenário em até 30 dias após o recebimento dos autos, também deverá disponibilizar a minuta de voto e acórdão aos demais ministros 48 horas antes do julgamento. O texto também admite a interposição de embargos de declaração, de forma excepcional, quando houver obscuridade, omissão ou contradição nas condicionantes fixadas pelo Plenário para homologação de acordos. O texto original da IN TCU 91/22 vedava qualquer espécie de recurso em sede de SSC - Solicitação de Solução Consensual, justificando-se na natureza estritamente dialógica do processo.
A ampliação da consensualidade para o âmbito das TCEs - Tomadas de Contas Especiais, antes restrita às tomadas de contas simples, representa talvez o avanço mais expressivo da reforma normativa. Ao admitir soluções pactuadas mesmo em processos vocacionados à apuração de dano e à responsabilização individual, o TCU sinaliza uma guinada institucional. Isso porque reconhece que, em determinadas situações, a recomposição do interesse público pode ser mais eficaz quando orientada à retomada da utilidade social do empreendimento do que à mera imposição de sanções.
Trata-se de um movimento que prestigia a racionalidade administrativa, ao permitir que o controle externo atue não apenas como instância sancionadora, mas também como catalisador de arranjos que destravam obras paralisadas, reduzem desperdícios e maximizam o retorno social do gasto público. Entretanto, cabe aqui a seguinte reflexão: se o racional subjacente é o de maximizar o retorno social e evitar que a apuração de responsabilidades se converta em paralisia permanente, seria apropriado estender a consensualidade a outros tipos de TCEs - especialmente aquelas em que a recomposição pactuada possa gerar resultados superiores à via sancionatória tradicional. A norma aprovada, portanto, embora indique uma direção, ainda não realiza plenamente o potencial transformador associado à lógica de eficiência e entrega de valor público.
Outras alterações relevantes incluem a previsão de que a SecexConsenso poderá se reunir com especialistas e representantes da sociedade civil, a qualquer momento do processo, e a faculdade de participação da AGU - Advocacia-Geral da União nas reuniões da CSC.
Por fim, a instrução incorporou salvaguardas aos agentes públicos que participarem dos processos de solução consensual, prevendo que não estarão sujeitos à responsabilização perante o TCU pelas decisões tomadas nesses procedimentos, salvo em casos de dolo ou fraude. Ao final, o termo de autocomposição será formalizado com assinatura do presidente do TCU como interveniente anuente, além dos dirigentes dos órgãos e entidades envolvidos e dos representantes legais das partes privadas.
Por fim, a Comissão Temporária de Acompanhamento dos Procedimentos de Solução Consensual foi prorrogada até 31 de dezembro de 2026, mantendo a supervisão sobre a implementação das novas regras e a avaliação de seus resultados. Com as novas mudanças, o TCU reafirma o papel da SecexConsenso como ambiente estruturado de diálogo, técnica e juridicamente qualificado, consolidando a consensualidade como instrumento legítimo de atuação do controle externo.