O avanço das mudanças climáticas impõe às cidades brasileiras um novo paradigma: integrar políticas habitacionais a critérios de resiliência climática, para assegurar a continuidade dos serviços, a previsibilidade operacional e o uso eficiente de recursos públicos e privados.
As tragédias recentes e a persistência de eventos climáticos extremos evidenciam a urgência de alinhar o planejamento e a infraestrutura urbana a um cenário de instabilidade climática, em um ambiente cada vez mais populoso e dinâmico.
Adotar estratégias voltadas à segurança da população e à preservação dos ativos urbanos diante das mudanças climáticas torna-se vital. Nesse contexto, o arcabouço legislativo urbanístico e imobiliário deve atuar como instrumento de prevenção, adaptação e reconstrução urbana.
Na integração entre planejamento urbano e perspectiva climática, o plano diretor municipal ocupa uma posição de destaque, ao estabelecer diretrizes para o uso do solo, mobilidade, habitação, infraestrutura e preservação ambiental. Entre os fatores a serem considerados para a adaptação a riscos climáticos estão a urbanização acelerada, a redução de áreas permeáveis e a capacidade das infraestruturas existentes, a fim de implementar as melhorias necessárias.
O art. 40, §3º da lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade) determina a revisão decenal dos planos diretores, mas dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e da Confederação Nacional dos Municípios revelam que quase metade dos municípios brasileiros não têm um plano diretor em vigor - aproximadamente 47%. Muitos dos existentes estão desatualizados, o que acaba comprometendo a capacidade das cidades de enfrentar os desafios climáticos contemporâneos.
Além disso, a vasta extensão territorial e a diversidade socioeconômica do Brasil exigem a formulação de planos diretores adaptados às realidades locais, dificultando a padronização de políticas sustentáveis.
Construção sustentável e infraestrutura adaptável
A resiliência climática das cidades está intrinsecamente ligada à adoção de práticas de construção civil sustentáveis e à adaptação proativa de sua infraestrutura urbana. Tecnologias inovadoras constituem estratégias interessantes para diminuir a produção de carbono e aumentar a autonomia energética. No entanto, a adoção dessas soluções demanda grande volume de investimentos, o que pode representar um desafio ao mercado imobiliário, se não houver políticas públicas de incentivo ou de mecanismos de financiamento adequados.
Em relação aos recursos hídricos e à adaptação da infraestrutura urbana, as cidades enfrentam grandes dificuldades em contextos extremos. Períodos de chuvas intensas podem paralisar a dinâmica urbana e causar inundações, enquanto estiagens comprometem o abastecimento de água.
O Parque Barigui, em Curitiba/PR, é um bom exemplo de política pública voltada para esse problema. Trata-se de uma área recreativa com destinação prévia para ser alagada em situações de sobrecarga do sistema de drenagem no caso de chuvas fortes. Já para os tempos de seca, a implementação de sistemas de captação de água pluvial e a utilização de água de reúso fortalecem a resiliência dos ativos imobiliários e eleva a qualidade de vida urbana.
Parcerias público-privadas como fonte de financiamento
As adaptações da infraestrutura urbana e a implementação de tecnologias sustentáveis podem ser fortemente impulsionadas por PPPs - parcerias público-privadas.
Esse tipo de contrato surge como mecanismo capaz de fornecer os recursos e a expertise necessários para enfrentar os desafios climáticos de forma mais eficaz, conciliando interesses públicos e privados. Por meio dessas parcerias, é possível viabilizar a execução de soluções habitacionais e de infraestrutura inovadoras, eficientes e adaptáveis às necessidades atuais.
As PPPs diversificam e ampliam as fontes de financiamento a projetos sustentáveis e são cruciais para revitalizar áreas urbanas vulneráveis - especialmente aquelas que carecem de infraestrutura adequada e são mais expostas a eventos climáticos extremos.
Experiências internacionais
O país ainda tem um longo caminho a percorrer no que se refere a planejamento urbano climático, apesar de já ter avançado em marcos legais, como a publicação da lei 14.904/24 e do decreto 12.041/24, que visam integrar a adaptação climática às políticas urbanas e habitacionais.
Exemplos internacionais apontam para soluções inspiradoras. Na Holanda, praças e telhados retêm água e grandes diques protegem áreas vulneráveis contra inundações e escassez hídrica.
Singapura tem investido massivamente em edifícios com jardins verticais e telhados verdes obrigatórios e na criação de parques públicos, iniciativas que contribuem para reduzir a temperatura na área urbana e melhorar a qualidade de vida da população.
Na China, o modelo de “cidade esponja” busca absorver e reutilizar a água por meio de infraestrutura verde e sistemas urbanos adaptados.
Essas experiências demonstram que a inovação e o planejamento urbanístico integrado são fundamentais para construir comunidades resilientes, adaptáveis às mudanças climáticas e alinhadas às metas globais de descarbonização.