O equilíbrio da rede de saúde materno-infantil no Tocantins passa, inevitavelmente, pelo fortalecimento do serviço obstétrico na atenção básica. Dados deste ano evidenciam um cenário que preocupa gestores e especialistas em saúde pública: O HMDR - Hospital e Maternidade Dona Regina, referência estadual em obstetrícia, está absorvendo uma demanda muito acima do esperado, e grande parte dela poderia ser resolvida nas próprias unidades básicas e de pronto-atendimento municipais.
Localizado na capital, o HMDR integra a região de saúde Capim Dourado, e é a maternidade de referência para atendimento hospitalar de média e alta complexidade dos municípios de Aparecida do Rio Negro, Lagoa do Tocantins, Lizarda, Novo Acordo, Palmas e Santa Tereza. Além disso, é segunda ou terceira referência para todas as demais cidades do Estado caso as unidades regionais de referência estejam momentaneamente impossibilitadas de atender as demandas mais graves.
Apesar dessa ampla configuração territorial, a demanda proveniente de Palmas concentrou 4.066 das 5.647 internações obstétricas realizadas no ano de 2024, conforme informações do DataSUS. Na prática, isso significa que 72% de todo o volume faturado pela maternidade estadual naquele ano (R$ 2,8 milhões de um total de R$ 3,9 milhões) correspondem somente às gestantes da capital.
Em 2025, conforme dados apurados até julho, o percentual de atendimentos gerais referente a pacientes de Palmas subiu para 82%, ou seja, das 12.800 pacientes atendidas no período, 10.485 pacientes são de Palmas.
Ao analisarmos a classificação de risco das gestantes da capital, 7.807 casos eram pouco urgentes (74%) e 843 casos eram não urgentes (8%).
Os números expressivos de atendimentos reforçam uma realidade já conhecida pelos profissionais do setor: a imensa maioria dos atendimentos obstétricos que chegam ao HMDR não apresentam perfil de urgência e poderiam, conforme preconizado pelas diretrizes nacionais da rede de atenção à saúde, ser acolhidos inicialmente pelas UPA’s - Unidades de Pronto-Atendimento e pela rede de Atenção Básica (UBS’s).
Fluxos não observados: Impacto direto na maternidade
De acordo com os dados disponibilizados no SCNES - Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, atualizados na base nacional em 30/11/25, o HMDR disponibiliza serviço de atendimento ambulatorial com clínicas especializadas, serviço de atendimento de urgência e emergência e serviço de atendimento hospitalar, contando com os seguintes leitos:
- Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal Canguru: 6 leitos;
- Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal Convencional: 20 leitos;
- UTI Neonatal Tipo II: 20 leitos;
- Cirurgia Geral: 1 leito;
- Ginecologia: 20 leitos;
- Neurocirurgia: 1 leito;
- Clínica Geral: 1 leito;
- Obstetrícia Cirúrgica: 26 leitos;
- Obstetrícia Clínica: 24 leitos;
- Pediatria Cirúrgica: 1 leito;
- Pediatria Clínica: 1 leito.
Mesmo com toda essa estrutura operacional e humana de excelência, o HMDR opera constantemente comcapacidade pois a porta hospitalar se tornou o primeiro destino de mulheres com queixas que, frequentemente, não configuram risco clínico imediato.
Os procedimentos mais realizados, como parto normal sem distocia, cesarianas e laqueaduras, por exemplo, mostram que o hospital vem acolhendo não apenas casos complexos, mas também situações que não justificariam o acesso direto a um serviço de alta complexidade. A consequência disso é direta e preocupante: tempo de espera maior, equipes sobrecarregadas e risco elevado para gestantes que realmente necessitam de atendimento hospitalar especializado e de urgência.
Já existe estrutura para aliviar o sistema de emergência obstétrica
A capital dispõe de duas UPA’s (Norte e Sul) equipadas com salas de observação, leitos, equipes multidisciplinares e protocolos de classificação de risco. A própria política nacional de urgência determina que essas unidades funcionem como porta intermediária, evitando que casos leves sejam direcionados inadequadamente ao ambiente hospitalar.
Além disso, a atenção básica, presente em diversos bairros da capital através das UBS's - Unidades Básicas de Saúde, é o ponto ideal para conduzir o pré-natal, orientar gestantes, monitorar riscos e reduzir procura inadequada por atendimentos emergenciais pouco ou nada graves. Quando esse acompanhamento é falho ou tardio, a porta hospitalar passa a concentrar demandas evitáveis, exatamente o que os números do HMDR comprovam.
Reorganizar o fluxo é urgente
O fortalecimento da atenção básica, dos centros de especialidades e a utilização adequada das UPA’s com presença de ginecologistas obstetras em regime de plantão, ao menos nos finais de semana, são medidas essenciais e pouco complexas para reorganizar o cuidado obstétrico na capital, mas que gerariam um impacto positivo enorme em toda a rede de atenção à saúde. Isso implementado significa:
- Ampliar o vínculo da gestante com sua equipe de referência;
- Orientar corretamente os sinais de alerta;
- Acolher e classificar riscos de forma resolutiva;
- Reservar a porta hospitalar para os casos que realmente necessitam de cirurgia, terapia intensiva ou acompanhamento de alto risco.
Com Palmas respondendo por mais de 70% do movimento obstétrico do HMDR, reestruturar o fluxo assistencial básico é não apenas recomendável, mas indispensável para garantir segurança às gestantes, eficiência do gasto público e um melhor funcionamento da rede de saúde como um todo.
O serviço de emergência do Hospital e Maternidade Dona Regina precisa voltar a ser o espaço prioritário de atendimento às mulheres em situação de risco real. E isso começa pela valorização da atenção básica do SUS, a primeira porta, o primeiro cuidado e a base fundamental do sistema de saúde que funciona.