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Investimentos de fundos de pensão e TCU: A responsabilização dos gestores terceirizados

A Corte de Contas amplia a responsabilização em fundos de pensão, incluindo gestores e terceiros, buscando proteger recursos e reforçar segurança jurídica no setor.

16/12/2025
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Nos últimos anos, o TCU - Tribunal de Contas da União consolidou o seu entendimento acerca da natureza pública dos recursos administrados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC ou “fundos de pensão”), o que legitimou sua jurisdição sobre essas entidades.

Registramos que temos posição diferente, pois os recursos das patrocinadoras estatais, uma vez aportados na EFPC, deixam de ser públicos, passando a compor o patrimônio de uma pessoa jurídica de direito privado. Os fundos de pensão não integram a Administração Pública e seus recursos têm como finalidade exclusiva pagar os “benefícios contratados” com os participantes e assistidos, como dispõe o art. 202, caput, da Constituição Federal.

Contudo, a orientação do TCU tem prevalecido em decisões (ainda que sem aferição de mérito) do STF e tem aberto espaço para um movimento ainda mais expansivo da Corte de Contas: a responsabilização direta de terceiros prestadores de serviços que atuam na estruturação, na gestão e na administração dos fundos de investimento integrantes das carteiras das EFPC.

A nomenclatura pode não ser autoexplicativa. Assim, é preciso deixar claro que o fundo de pensão é uma pessoa jurídica administradora de planos de previdência complementares, que capitalizam contribuições mensais para o pagamento de benefícios de aposentadorias e pensões. Essas entidades de previdência aplicam tais recursos capitalizados no mercado de capitais: compram ações, possuem shoppings centers, alocam valores em títulos do governo federal e são cotistas condominiais ou exclusivos em fundos de investimentos.

No âmbito da atuação do TCU, em um primeiro momento, o foco do controle recaiu essencialmente sobre os administradores das EFPC - sobretudo por falhas de supervisão, violações a deveres fiduciários e decisões tomadas sem análise de riscos adequada. Porém, com uma frequência crescente, a partir do início desta década, observam-se propostas de responsabilização que abrangem: (i) gestoras e administradoras de fundos de investimento objeto de aplicações por EFPC; (ii) sociedades investidas e controladores de grupos econômicos; (iii) empresas de avaliação econômico-financeira (valuation); (iv) auditorias independentes; e (v) custodiantes. Em termos gerais, o corpo técnico do TCU justifica essas propostas sob o argumento de que a conduta dos aludidos agentes externos aos fundos de pensão teria concorrido, por ação ou omissão, para os danos eventualmente apurados.

A explicitação da jurisprudência observada até o presente momento permite visualizar esse movimento de forma bastante clara, o que é comprovado pelos acórdãos em que se identifica a condenação efetiva desses agentes integrantes do mercado de capitais.

Nesse sentido, em setembro de 2020, o acórdão 2.402/20-Plenário tratou de aportes realizados por uma EFPC no BNY Mellon FIC FIDE e no Brasil Sovereign II FIDE. No entendimento do Plenário do TCU, a administradora fiduciária dos aludidos fundos alegadamente falhou no monitoramento adequado dos serviços terceirizados de gestão das carteiras e, assim, contribuiu diretamente para o prejuízo multimilionário decorrente da aquisição de títulos com sobrepreço e do desenquadramento da carteira. Além de ter sido condenada solidariamente ao ressarcimento ao erário, no montante histórico de R$ 94,4 milhões, em conjunto com diretores do fundo de pensão, a administradora também foi multada no valor de R$ 10 milhões1.

Complementarmente, o TCU foi além na análise dos prejuízos associados diretamente ao Brasil Sovereign II FIDE, visto que, em fevereiro de 2024, o acórdão 242/24-Plenário estendeu a responsabilização a novo agente, condenando específica e pessoalmente o presidente da gestora do fundo de investimento. A punição teve por base suposta condução temerária de operações que teriam redundado no mesmo prejuízo histórico, impondo-lhe o ressarcimento ao erário em conjunto com os responsáveis condenados no já referido acórdão 2.402/20-Plenário.

Adicionalmente, foi aplicada multa de R$ 9 milhões ao presidente da gestora e a sanção de inabilitação por cinco anos para o exercício de cargos na Administração Pública. A gestora do fundo de investimento também havia sido indicada como responsável no processo, mas, por ter sido extinta antes de ser citada, foi excluída da relação processual2.

Outro caso relevante foi a apreciação de investimentos de EFPC no FIDC Trendbank pelo acórdão 1.301/21-Plenário, de junho de 2021. No julgamento, o TCU condenou solidariamente os diretores da EFPC e a gestora do fundo de investimento, reconhecendo que o prejuízo de aproximadamente R$ 49 milhões teria decorrido de operações realizadas com títulos sem lastro, além de terem sido constatadas outras irregularidades estruturais na alocação de recursos da EFPC no fundo3. Desse modo, foi determinado o ressarcimento ao erário, no montante acima referido, e a aplicação de multa no valor de R$ 8 milhões aos responsáveis4.

Houve, ainda, a tentativa de imputação de responsabilidade à administradora do FIDC Trendbank, sob o argumento de que teria sido omissa e negligente na fiscalização da gestora. Todavia, o Plenário considerou que não havia nexo causal suficiente para condená-la, na medida em que as condutas mais graves e o dano inicial (aquisição fraudulenta dos títulos) já haviam sido iniciados antes do ingresso da administradora na estrutura do fundo.

Também foi rejeitada a proposta de responsabilização dos custodiantes do FIDC Trendbank, que havia sido fundamentada nas mesmas falhas de fiscalização atribuídas indevidamente à administradora e na emissão de relatórios, a princípio, incompletos sobre o lastro dos direitos creditórios. Para os ministros da Corte de Contas, esses agentes de mercado cumpriam o que lhes competia, atuando em uma atividade acessória cuja fiscalização regulamentar era limitada.

O avanço desse movimento de responsabilização de terceiros relacionados a investimentos feitos por EFPC se tornou ainda mais evidente em julho deste ano. A partir do acórdão 1.705/25-Plenário, a Corte de Contas, ao analisar investimentos de EFPC no FIC Serengeti, fez uso da Metodologia da Carteira Ótima - instrumento econômico destinado a isolar, em estimativa contrafactual, a parcela do prejuízo imputável à gestão negligente. Na ocasião, o Plenário atribuiu débito solidário superior a R$ 452 milhões à administradora e à gestora do fundo de investimento, em conjunto com alguns diretores da EFPC, acompanhado de uma multa de imodestos R$ 90 milhões. A gestora foi condenada sob a justificativa de que teria incorrido em erro grosseiro ao montar e manter uma carteira que combinava alto risco com baixo retorno, sem a devida análise de riscos e violando o regulamento do fundo5, enquanto a administradora foi responsabilizada pela alegada falha no dever de fiscalizar os serviços da gestora6.

Nota-se, a partir das decisões explicitadas acima, que a Corte de Contas ingressa no mérito negocial de investimentos terceirizados por EFPC, analisando eventuais violações às políticas de investimentos dos fundos de investimento. Parece-nos que se está a transpor a tradicional deferência ao risco de mercado e a afastar a doutrina da business judgment rule quando se depara com decisões reputadas como desprovidas de fundamentação técnica adequada.

No campo dos fundos de investimento em participações, vale a menção ao acórdão 1.607/25-Plenário, que se refere a aplicações de fundo de pensão no FIP Patriarca. Prolatado em julho de 2025, o acórdão, após determinar a conversão do processo em TCE - Tomada de Contas Especial, inovou ao incluir no rol de citados não apenas a administradora e gestora do fundo, mas também a massa falida da empresa investida e empresa de auditoria independente7.

O Plenário determinou a citação da primeira pela suposta apresentação intencional de informações financeiras e contábeis que não correspondiam à sua real situação - incluindo indícios de fraudes contábeis por parte de seus diretores - com o objetivo de captar os recursos do FIP Patriarca. Por sua vez, a empresa de auditoria foi incluída no rol de citados porque, em tese, corroborou a apresentação dessas informações inverídicas ao fundo e aos cotistas e agiu em conflito de interesses - por auditar tanto a empresa investida como o fundo8.

De todo modo, também se encontram decisões da Corte de Contas nas quais não houve a imputação de responsabilidade de terceiros indicados como responsáveis no bojo dos processos. Até o momento, isto foi observado em duas ocasiões recentes: no acórdão 1.745/25-Plenário e no acórdão 2.601/25-Plenário.

O primeiro caso foi julgado em agosto deste ano e tratou de indícios de irregularidades em investimentos realizados por EFPC no FIP Terra Viva, tendo a unidade técnica apontado falhas significativas da gestora. Tais falhas incluíam: (i) a não realização de due diligences; (ii) a omissão no fornecimento de informações econômico-financeiras completas das empresas investidas; e (iii) a escolha e a continuidade de aportes em companhias que já apresentavam dificuldades financeiras. Nesse cenário, a unidade técnica concluiu que a atuação da gestora externa teria resultado na concentração dos investimentos, em desacordo com a proposta de diversificação e com o limite do regulamento de comprometimento do capital em uma única empresa.

Em sentido contrário, o Plenário entendeu que não havia elementos suficientes para caracterizar erro grosseiro da gestora na fase inicial de seleção dos ativos, optando pela sua “absolvição” e transferindo o foco da responsabilização para os diretores do fundo de pensão - que foram condenados especialmente pelo monitoramento inadequado das aplicações ao longo do tempo. A decisão reconheceu que a atuação da gestora, ainda que sujeita a críticas, enquadrava-se como dever de meio - e não de resultado -, além de afirmar expressamente que a própria assembleia de cotistas (órgão máximo do fundo de investimento) foi a responsável pela aprovação das operações que extrapolaram os limites de concentração9.

Quanto ao acórdão 2.601/25-Plenário, datado de novembro de 2025, verifica-se um aspecto inédito na jurisprudência que temos acompanhado. Isso porque o próprio fundo de pensão havia indicado a sua patrocinadora como responsável no processo, haja vista a sua dupla função de administradora e gestora de um fundo de investimento em participação (o FIP Sondas). Considerou-se que a patrocinadora estatal teria contribuído para a reestipulação da metodologia de apuração da taxa de administração do FIP - tornando-a mais vantajosa em seu benefício - e se omitido do dever de alertar, instruir ou opinar em momentos-chave do investimento.

Na primeira instrução do processo, a SecexFinanças corroborou essa indicação, enfatizando não apenas a conduta da estatal como administradora e gestora do FIP Sondas, mas também suscitando o dever de supervisão determinado pelo art. 41, § 2º, da LC 109/01 e art. 25 da LC 108/01. Contudo, após análise das defesas, a segunda instrução - então elaborada pela AudTCE - recomendou a exclusão da patrocinadora da relação processual, sob o argumento de que a patrocinadora estatal, no papel de administradora e gestora do FIP, não possuía poderes regulamentares ou estatutários para exercer força coativa sobre os diretores da EFPC. Ainda, para a unidade técnica, “os deveres e as responsabilidades legais e normativas resguardariam a postura independente dos dirigentes e conselheiros” do fundo de pensão, que devem se orientar somente pelos interesses da entidade.

O Plenário adotou a compreensão da AudTCE e não puniu a patrocinadora, reafirmando que a responsabilização de terceiros exige nexo causal claro e comprovado e não mera vinculação institucional ou expectativa abstrata de supervisão10.

Por fim, o acórdão 2.751/25-Plenário, que também foi proferido em novembro de 2025, versou sobre investimentos de EFPC no FIP Canabrava Bioenergia. Na ocasião, foi apreciada proposta de responsabilização de agentes privados até então não alcançados pelo TCU.

O primeiro foi o controlador do grupo econômico objeto de aplicações do FIP, que teria fornecido informações inverídicas para subsidiar o laudo de avaliação utilizado na integralização das quotas no momento de formação da carteira. Já o segundo agente consistiu na empresa responsável pelo valuation de uma das sociedades do grupo, pois emitiu laudo supostamente superavaliado, sem memória de cálculo robusta e amparado em premissas frágeis. O Plenário, todavia, concluiu que, pelo fato de a EFPC ter ingressado no FIP após o cometimento das alegadas irregularidades pelo controlador e pela empresa de valuation, inexistia nexo causal apto a permitir a condenação de ambos.

Por outro lado, houve a condenação da gestora do FIP, em conjunto com os diretores do fundo de pensão, ao ressarcimento do valor total e atualizado do prejuízo - aproximadamente R$ 138 milhões -, além do pagamento de multa individual no valor de R$ 1,3 milhão. Em relação aos diretores, entendeu-se que os investimentos no FIP foram aprovados sem a devida diligência e com análises de risco deficientes que teriam ignorado a fragilidade do grupo econômico. A gestora, por sua vez, foi responsabilizada por alegadas falhas na seleção dos ativos do FIP e por ter sido omissa no monitoramento dos investimentos, ignorando a deterioração das empresas do grupo e contribuindo diretamente para o prejuízo11.

A leitura integrada desses casos permite identificar um certo padrão na mais recente jurisprudência do TCU. Nota-se uma explícita ampliação das fronteiras de responsabilização para abarcar toda a cadeia de agentes ligados à gestão dos recursos das EFPC.

Diante do avanço da atuação sancionatória do TCU sobre agentes privados envolvidos na gestão de recursos das EFPC, torna-se fundamental que a Corte de Contas adote uma postura prudente na aplicação da IN TCU 99/25. Ao reconhecer os limites de sua jurisdição e evitar sobreposições fiscalizatórias, o TCU pode mitigar riscos institucionais e garantir maior segurança jurídica ao setor. A deferência aos órgãos reguladores e fiscalizadores específicos é essencial para preservar a harmonia do sistema de controle, evitando decisões conflitantes e promovendo o respeito à expertise técnica desses entes.

Dessa forma, a atuação do TCU se alinha à defesa do patrimônio público sem assumir indevidamente funções de regulação de mercado, fortalecendo o equilíbrio institucional e a confiança dos agentes privados na gestão dos investimentos das EFPC.

_______

1 TCE n° 010.408/2017-7, instaurada pelo TCU em desfavor de diversos diretores da EFPC e da administradora fiduciária, em cumprimento aos itens 9.1. e 9.6.1. do Acórdão n° 630/2017-Plenário.

2 TCE n° 005.584/2021-3, autuada em cumprimento ao subitem 9.9 do Acórdão n° 2.402/2020-Plenário, com o objetivo de apurar, de forma individualizada, a responsabilidade da gestora do Brasil Sovereign II FIDE e de seu presidente.

3 De acordo com o Acórdão n° 1.301/2021-Plenário, teria ocorrido uma violação do limite de 25% para aportes em cotas de FIDC (art. 43 da Resolução CMN n° 3.792/2009), pois os diretores da EFPC decidiram realizar aporte no FIDC Trendbank para aquisição de 100% de suas cotas. Ademais, os diretores supostamente desrespeitaram o regulamento interno da EFPC, uma vez que o investimento foi aprovado sem a necessária aprovação prévia do Comitê de Investimentos, contrariando os controles internos.

4 TCE n° 010.409/2017-3, instaurada em atendimento ao subitem 9.6.2 do Acórdão n° 630/2017-Plenário – que apreciou investimentos realizados por EFPC em diversos fundos de investimento, entre eles, no FIDC Trendbank.

5 Segundo o art. 9° do regulamento do FIC Serengeti: “O objetivo do Fundo é atuar no sentido de propiciar aos seus condôminos a valorização das cotas por ele emitidas através de uma política de investimento que busque selecionar fundos com histórico que mostram consistência e boa relação risco / retorno”.

6 TCE n° 010.332/2017-0, autuada em cumprimento ao item 9.1.1 do Acórdão n° 630/2017-Plenário em desfavor de diretores do fundo de pensão e da administradora e gestora do FIC Serengeti.

7 TC n° 021.636/2023-0, instaurada para avaliar representação oferecida pelo próprio fundo de pensão, que se fundamentou nos fatos levantados por sua Comissão Técnica de Apuração a fim de analisar eventuais irregularidades, responsabilidades e danos praticados no investimento do FIP Patriarca.

8 A eventual responsabilização dos citados está sendo apurada na TCE nº 015.836/2025-8 – a qual já está em andamento, mas as defesas ainda não foram apresentadas. Torna-se inviável, portanto, afirmar se haverá futura condenação.

9 TCE n° 041.638/2020-4, instaurada pela EFPC para apurar os danos causados nos investimentos realizados no âmbito do FIP Terra Viva, em cumprimento ao item 9.1. do Acórdão n° 357/2020-Plenário.

10 TCE n° 007.426/2021-6, instaurada pela EFPC para apurar irregularidades em investimentos realizados no FIP Sondas, em cumprimento ao item 9.4. do Acórdão n° 3.151/2019-Plenário.

11 TCE n° 020.021/2022-4, instaurada por força do disposto no item “a” do Acórdão n° 1.870/2020-Plenário, para apurar indícios de irregularidades em investimentos no FIP Canabrava Bioenergia.

Autores

Flávio Rodrigues Sócio sênior de Bocater Advogados. Pós-graduado (MBA) em Fundos de Pensão pela UFRJ e em Reformas de Sistemas Previdenciários (Executive Retreat on Pension Reform) pela Harvard University; mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes - RJ.

Thiago Cardoso Araújo Professor da EPGE/FGV, procurador do Estado do Rio de Janeiro e sócio do escritório Bocater Advogados. Mestre e doutor em Direito pela UERJ.

Ana Luiza Moerbeck Mestra em Direito da Regulação na Fundação Getúlio Vargas. Professora. Advogada no Bocater Advogados.

João Matheus Pedote Estagiário de Bocater Advogados.

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